Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Mai 11

Aos poucos, os sinos e as campainhas deixaram de rosnar, o vento, esse maldito, derrubou o modesto telhado da vizinha, que nas horas vagas, e durante a noite, sempre pela noite, servia homens com cicio, adolescentes desnorteados, e ao domingo, ao domingo era a esposa do senhor, porquê só ao domingo, nunca tinha pensado nisso, podia muito bem ser à terça-feira, ou à quarta-feira, sim, porque não, mas não, tinha de ser ao domingo, é o melhor dia.

Aos poucos, o teu sorriso, como se fosse o hastear da bandeira nacional, em pequenos voos rasantes, tropeça na parede de xisto, e cai para o lado, foi bem feito, agora, agora já nem sorriso tenho, mas aos poucos vou-me levantar, voltar a sorrir, e…, e até já pareces uma viúva a falar, não desfazendo no marido que deus o levou, e que descanse em paz, e de barriga cheia, e se possível, dar umas cambalhotas, na vizinha, sim, porque não.

Aos poucos, o sol se traveste de chuva, e aos poucos, um silêncio infernal se faz sentir na rua, valha-nos deus, é o fim do mundo, uns corriam para casa, quanto a outros, abrigavam-se nas ombreiras, parecendo mais prontos-a-vestir do que refugiados da chuva vinda do sol, se houvesse quem gritasse, ele parecia mais uma ave quando se esquece do campo magnético, começou a chorar, então alguém percebeu que toda aquela chuvinha não era mais do que uma águia-real que vertia lágrimas, porquê, não sei.

E aos poucos, os sinos e as campainhas deixaram de rosnar, cada flor do meu jardim, levanta-se do sono profundo, estendem os bracinhos como se estivessem a espreguiçarem-se do nada, cansadas do nada, e cada vez mais perto, aproxima-se a tua mão que me chama, e em seguida, faz-me sinal para me afastar novamente, e fico sem perceber se me estás a chamar ou a despachar em correio azul, só de ida, sem direito a devolução, hoje não há sobras, vendeu-se tudo, também com tantos escândalos…, amanhã dou, amanhã.

Amanhã e aos poucos, a longitude perde-se da latitude, o eixo terrestre é desviado para dar passagem a vossa excelência El Rei, aldrabão, vendedor de sonhos, e contador de mentiras, e aos poucos, o povo começa a ficar farto; estamos fartos, sua majestade!

Uns, fartos do estado a que chegaram as coisas, e outros, fartos, de barriguinha cheia.

 

 

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:23

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