Na voz da ausência, estes livros que me acompanham nas noites de escrita, de nada servem, são indiferentes ao bater do relógio, quando às altas horas da madrugada, os segundos esquecem-se do tempo, e este, perde-se no limiar do esquecimento; os dias.
Ao fundo da rua, junto à casinha do ti Manel, a puta da burra desata-me a correr como se tivesse fogo no rabo. Eu bem que implorava, mas ela nada, não voltou, e até prometi levá-la a passear ao jardim do senhor regedor, mas nem assim, a puta, nada. Ela lá há-de vir, se quiser.
- Zé, bom dia!
Bom dia ti manel, bom dia.
- Passa algo?
A burra, ti manel, a burra. Desata-me a correr e nunca mais parou, parece que levava diabo, a grande puta.
Estou a divertir-me.
Se eu conseguisse desvendar todos os teus segredos, todas as tuas palavras impressas nesta pilha de papel espalhado pelo chão; o saco, finalmente era feliz.
Guardas nas tuas folhas os segredos que juntamente com a minha sombra, correm no percurso entre a saudade e o sonho. Guardas dentro de ti, os meus desejos, a minha dor, o meu sonho. Eu.
- Tem lume, ti manel?
Por diversas vezes tentei entrar dentro de ti, mas a saudade, o medo, fizeram com que tu me parecesses o sol a entrar pela janela, a beleza do teu sorriso, e nunca mais liguei ao que estava dentro de ti. Agora que tenho consciência que guardas os meus segredos, os meus sonhos, vou finalmente pegar em ti devagarinho, e folha por folha, ler o que nela escrevi, há não sei quantos anos. Há muitos.
Os meus poemas.
- Poemas?
Sim, poemas.
Pensavas que era alguma gaja descascada?
- Podia ser, porque não.
São quase 8:00 horas, e como vou agora encontrar a puta da burra, eu bem que dizia ao meu pai para não a comprar, mas comprou, e agora nem burra nem dinheiro. Estou fodido e o meu pai vai foder-me os cornos. E com razão. Mas também como ia adivinhar que a puta desatava a correr, sim como. Nem nunca mais a vi…
Poemas, sim, poemas.
- Se te fosses foder! Poemas…
Guardas de mim a saudade,
O momento de sentir-te dentro de mim,
Perdida,
Longe, e ao fundo, a triste vaidade
Do orgulho, esquecida
No banco de jardim.
Guardas de mim a saudade,
A luz dispersa no teu olhar,
A luz quente, o húmus da verdade
Encalhada no mar.
Guardas de mim a saudade,
Que eu guardo na minha mão,
Infeliz ou feliz, guardo a felicidade
No meu coração,
Viver a saudade!
(texto de ficção)
Luís Fontinha
Alijó