Desço a encosta e finto as rochas de xisto, tropeço, levanto-me com sacrifício até chegar ao rio, sinto-me cansado, preciso urgentemente de me sentar e olhar a corrente, pegar na minha mão e chapinhar na água límpida da manhã. Sorrio e fecho os olhos, abro os olhos e vejo-me no espelho do rio, o meu rosto não eu, o meu rosto um ramo de flores, fico com medo, e percebo que durante a noite alguém substituiu o meu rosto envelhecido por um ramo de malmequeres. E agora o que faço?
- E agora o que faço? Encosto-me à paisagem e dos meus olhos emergem lágrimas de pólen e aos poucos deixo de ver as nuvens, e tenho a certeza que uma abelha poisa no meu rosto de malmequer, eu não eu, eu um ramo de malmequeres cortados durante a noite enquanto lutava com uma aranha que invadiu o meu sono, e começo a sentir nas costas as pedrinhas da encosta, apenas oiço o rugido da água e peixes em saltos acrobáticos voltando novamente a mergulhar na água e desaparecerem dos meus ouvidos, e deixo de ter silêncio.
E agora o que faço?
Sorrio e fecho os olhos, abro os olhos e vejo-me no espelho do rio, um cigarro alimenta-me e por momentos esqueço que o meu rosto envelhecido é um ramo de malmequeres, pergunto ao rio, pergunto-me a mim, e quando os malmequeres deixarem de ser malmequeres, e quando o poema deixar de ser poema e as palavras o rugido da água e peixes em saltos acrobáticos voltando novamente a mergulhar na água e desaparecerem dos meus ouvidos, e deixo de ter silêncio, e deixo de ser eu…
- E agora o que faço?
(texto de ficção)
Luís Fontinha
4 de Maio de 2011
Alijó