Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

06
Mai 11

Estou sentado no futuro, e uma cadeira de vime suspende o meu esqueleto desordenado, desintegrado junto ao mar, o canino já não canino, ossos que vagueiam na maré, estou sentado e sinto o cansaço do meu corpo, o canino em latidos e soluços, eu à espera do infinito, as nuvens encostam-se nos meus ouvidos, e sinto que dentro da minha cabeça andam pássaros a esvoaçar, sinto-os, sinto o mar na fúria da noite, estou com medo, eu sentado no futuro, e uma cadeira de vime suspende-me na noite, deixei de dormir, deixei de comer, deixei de ser eu, e agora tenho a perfeita noção que eu não eu, eu um conjunto de ossos desclassificados e não numerados, preciso de me levantar, preciso de caminhar, mas esqueci-me de numerar os meus ossos e agora não sei qual a verdadeira posição deles, o chão só ossos, e na areia palavras vão-se escrevendo com a chuva, e quando o sol transporta o silêncio, silêncio nenhum, barulho que escorre de todas as esquinas, e em todas as ruas,

- As ruas apertam-se e abraçam-se, ontem eu no meio delas engasgado nos cigarros e hoje nem cigarros nem cachimbos, nem água, hoje o mar que me entra pela janela, e apenas o mar conversa comigo, leva as palavras que a chuva escreve na areia, e hoje,

E hoje eu perdido no medo da noite, sentado, não me levanto, e nunca mais me vou levantar desta cadeira de vime,

- E os ossos sem número,

Hoje sentado junto ao mar, e os ossos esperam que alguém apreça e os numere, e depois, e depois possivelmente já me posso levantar e caminhar, quem sabe até correr juntamente com o canino na areia finíssima junto ao mar, quem sabe, quem sabe novamente ser eu.

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

6 de Maio de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:11

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