A minha mãe diz que deus me vai ajudar, e ajuda nenhuma, e eu tão estúpido, e eu tão ignorante, e eu tão parvo que sou capaz de dar os únicos cinco euros que tenho na algibeira, ficar liso durante dois dias, e a minha mãe confiante que deus me vai ajudar, e ajuda nenhuma, a Ajuda enrolada nos paralelos da calçada junto a Belém, ao fundo olho o rio, sento-me no chão, os barcos em corridas aceleradas, e os barcos levam-me para ontem, e ontem eu descia a calçada, os cigarros não faziam fumo, os cigarros apagados no escuro, a ponte a chamar-me, quero ir para o outro lado, e as minhas pernas enterradas no silêncio da noite, os barcos estão magros, os barcos com fome, e da noite,
- e da noite balança o meu corpo suspenso numa gravata, e da noite vêm até mim as gaivotas que procuram as ruas da cidade, mas a cidade tão distante da minha sombra, mas a cidade encarcerada na minha mão que treme, e não sei porque me tremem as mãos, mas sei porque são magros os barcos,
A minha mãe diz que deus me vai ajudar, e subo a calçada e deixo a Ajuda adormecer na noite, maldita calçada, maldita noite, maldita calçada da Ajuda, que sempre que preciso, que sempre que preciso Ajuda nenhuma.
Ao fundo olho o rio, sento-me no chão, os barcos em corridas aceleradas, o meu triciclo à minha espera no quinta em Luanda, o quintal dorme, e o meu triciclo corre no quintal à procura da sombra das mangueiras, ao fundo olho o rio, sinto as lágrimas do Tejo quando a minha mão toca nos seus lábios, finjo que choro, e eu não choro, eu nunca choro, eu deitado no chão de barriga para o ar, as mangueiras não me deixam brincar, e o meu triciclo, o meu triciclo em conversa com a minha mãe,
- deus vai ajudá-lo…
E Ajuda nenhuma, a Ajuda uma calçada encalhada junto ao Tejo.
(texto de ficção)
Luís Fontinha
19 de Maio de 2011
Alijó