(Em destaque na rede do Sapo Angola)
Os meninos atiram pedras à janela e da janela acordam sorrisos impressos numa bola que brinca no recreio. O Francisco sem jeito para as traquinices de uma bola, o Francisco suspenso no pavimento térreo, longe de tudo e de todos, ele embrulhado em pensamentos distantes e em sonhos irrealizáveis.
O corpo lá, o corpo debaixo de um pinheiro ranhoso e quase sempre infestado de bichos que depois de o relógio bater as quatro horas, depois das quatro o corpo em comichão, o corpo sacudia-se junto à fonte que nem para saciar a sede servia, e a bola saltitava junto às ervas, e cada vez que o Francisco pegava na bola, um vidro partido, uma despesa para o pai.
Os meninos atiram pedras à janela, e o Francisco a fazer desenhos na maré, o mar entrava-lhe pelos braços e alojava-se nos olhos quando o capim fazia a sesta do fim de tarde, o capim a esconder-se na sombra da sanzala e a sanzala junto ao rio, uma bola pulava de braço em braço, e o recreio parecia uma nuvem que aos poucos emergia num papagaio de papel, pegava no cordel, e o cordel sem força e o cordel amuado nos silêncios do menino Francisco.
E hoje não recreio, e hoje não menino Francisco, e hoje não pinheiro ranhoso, e hoje ainda olho para os livros que aos poucos vão ardendo na fogueira do anoitecer, e o cordel, o cordel pendurado no tecto da sala no bairro Madame Berman, e vejo o menino Francisco a gatinhar no bairro da Vila Alice.
Luís Fontinha
24 de Maio de 2011
Alijó