Esqueço-me que os dias correm apressadamente no meu pulso, e o meu corpo suspenso junto a uma tenda na feira da ladra, um velhote sorri-me, um velhote pisca-me o olho, faz-me sinal, e eu, por entre a multidão, piso-lhe a sombra, viro à direita e atraco num barracão, entro, mas antes de entrar, eu olho-me ao espelho do portão de entrada, ferrugento como um cacilheiro perdido na neblina, sinto o cheiro do Tejo, tenho farrapos para troca, mas ele, ele só disponível para vender, e sendo assim, não negócio, sendo assim vou ter de endrominar o velhote, o meu camarada,
- o meu camarada ofendido com a minha filosofia, o meu camarada em silêncio junto a um amontoado de botas militares, diverso fardamento, trapos,
O velhote insistia comigo que não trocas, só vendia,
- se precisar tenho pistolas, facas, munições, e com jeitinho, com jeitinho até lhe vendo uma metralhadora,
Só se for para enfiar no rabo, olha agora, de que me serve uma metralhadora, isso temos nós muitas no quartel,
- e nós só precisamos de trocar fardamento que gamamos e que pertencia aos desertores, trapos, alguns ainda do tempo colonial,
Eu falava, ele escutava-me com atenção, e possivelmente confundi-o, possivelmente ele a pensar que eu feirante, e eu nada, eu apenas um gajo que tinha saído de Trás-os-Montes e gostava de ler livros, e o velhote parecia enfeitiçado, mas não estava, mandou-nos semear no pavimento todos os trapos que levava-mos, passo-lhe a lista para as mãos, roupas necessárias para efectuarmos o respectivo espólio, troca feita, troca feita e ele,
- cinco contos está bem?
Olhamos uns para os outros, ficamos em silêncio, tudo indicava ser um óptimo negócio, pois só o casacão custava quinze contos,
- vou à carteira para retirar os cinco contos, mas tinha percebido mal, o velho é que ficava com os nossos trapos em troca do que precisava-mos e dava-nos cinco contos, e enquanto eu recebia o dinheiro, o outro, o meu camarada Moreira ainda com tempo de roubar um par de botas ao velhote,
E isso não se faz, esqueço-me que os dias correm apressadamente no meu pulso, foi uma festa, e só conseguimos regressar ao quartel ao final da noite, perdemo-nos no Tejo, e o vento era tanto, tanto o vento que os nossos corpos pareciam folhas de papel rodopiando na calçada… mas chegamos, e tesos…
(texto de ficção)
Luís Fontinha
27 de Maio de 2011
Alijó