Se ganhar o euromilhões envio-lhe um e-mail com cem corações, e às quartas e sábados ela desce as escadas, abre a caixa do correio, e corações nenhuns, não desista, continue a tentar, tenha fé, e às quartas e sábados temos petingas com arroz de feijão, e no tecto teias de aranha a olharem as toalhas de plástico e flores estampadas que cheiram a peixe frito, é quarta,
- Paciência… ainda não foi desta
Sobe as escadas, poisa-se no patamar para tomar fôlego, a luz adormeceu desde que o condomínio deixou de pagar a conta, o ascensor engripado, e à medida que ela sobe as escadas, os degraus multiplicam-se, em cada dois degraus nasce um novo rebento, a gravidez dos degraus, o aumento acelerado da população de degraus, os da direita a culparem os degraus pelo seu nascimento, como se o problema do prédio fosse o número excessivo de degraus,
- E o problema do prédio os alicerces
Os corações baloiçam no estendal que do quintal olham silenciosamente o e-mail, e nos alicerces do prédio sanguessugas agarram-se ao betão, os degraus sem culpa de serem degraus, os degraus com fome, e um cão raivoso quer-lhe colocar uma marquinha nos bracinhos, e assim, às quartas e sábados saberemos quem são os degraus pobres e os degraus ricos,
- Os degraus pobres de cruzinha no bracinho
Se ganhar o euromilhões envio-lhe um e-mail com cem corações, e às quartas e sábados ela desce as escadas, abre a caixa do correio, e corações nenhuns, e os degraus esperam pacientemente por um simples prato de sopa, e tal como os corações, sopa nenhuma, e os cabrões dos fascistas enraivecidos humilham os degraus, como se os problemas do prédio fossem apenas míseros degraus…
- Paciência… ainda não foi desta.
(texto de ficção)
Luís Fontinha
1 de Junho de 2011
Alijó