Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

03
Jun 11

Uma simples côdea de pão, um cordel suspenso no pescoço, três cigarros na algibeira, e Tony carrancudo percorria as feiras do povoado, pegado à sua sombra um rafeiro embrulhava-se com os silêncios do caminho para o rio, e das giestas acabadas de acordar sorriam palavras que se ouviam nas encostas dos seios dela, íngremes, bofetadas na face do peito, as coxas presas no cais, e o corpo flutuava como se fosse uma gotinha de algodão,

 

- Foi bom

 

Maravilhoso. Foi bom, maravilhoso, foi bom mas a tarde aos poucos extingue-se na algibeira, e dos três cigarros nada, por entre as paredes encardidas, sumiram-se nas fendas de um sorriso, e talvez tenham passado a parede, e do outro lado, do outro lado o Zé a convencer-me que fixando um ponto na parede, fixando, fixando… passava a parede,

 

- E os meus cigarros do outro lado à espera das loucuras do Zé, e o Zé em finíssimos fios de seda emagrecia, tornava-se invisível, e quando chamava por ele, Zé, onde anda o Zé, o Zé no compartimento contíguo a olhar o rio e a contar os petroleiros rumo ao infinito, e o infinito encalhado entre duas rectas paralelas, os comboios deitados de barriga para o ar,

 

E os seios dela estacionados no meu peito pesavam e agarravam-se a mim como o musgo de pinheiros ranhosos no recreio da escola, fazia-me comichão no corpo, e a cada pontapé numa bola um vidro que se finava, quando é o funeral, logo pelas seis junto ao quiosque, e o quiosque durante a noite mudava de dormitório, uma simples côdea de pão, um cordel suspenso no pescoço, três cigarros na algibeira,

 

- Foi bom

 

Maravilhoso. Em cada gemido uma pétala que se espetava junto ao pescoço, dois dentes marcados, e uma rosa entranhava-se no umbigo, e no púbis um plátano agarrava-se às gaivotas que no final do dia se confundiam com serpentes abraçadas ao mastro de um veleiro pasmado à espera da maré,

 

Maravilhoso.

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

3 de Junho de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:50

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