Cansado da cidade dos sonhos, o cheiro a alecrim em pedaços de sorriso, enquanto lá dentro, no silêncio da tasquinha, a alvorada acorda como acordam, de manhã, todas as alvoradas,
Existe o medo, no teu sorriso de amêndoa, sentas-te, constróis sorrisos no meu olhar, semeias a esperança nas minhas mãos calejadas pela enxada da vida, o extinto silêncio de uma noite tricotada numa velha folha de papel, as árvores sombreiam as loucas abelhas das ruelas em cio,
Uma rua, chora,
Fictícios livros travestidos de sofrimento, alimentam a loucura das tardes junto ao rio, uma fotografia, feliz de ti, sorri-me e, desenha-se no meu corpo,
Ouve-me,
Lá longe, o oiro da solidão pregado numa parede granítica, aflita de dívidas, no sótão habita a fome, livros há muitos, mas apenas comemos sombras desde ontem,
No entanto,
Estamos felizes,
Muito.
O mar aconchega-nos aos três, lá fora ouvem-se as pedras da azafama que sustentam as ruas da paixão e, o mar é amigo dela,
Abraça-me, lê-me um poema de ninguém, que eu perceba, como o vento, em todas as tardes de vento,
A arte de comer sombras, duas partes de luz e uma de água, mexe-se bem, agita-se, e na mesa uma travessa de lagosta, suja, cansada da vida, como eu, quando o gelo do uísque aterra na minha mão, juntos às palavras, palavras, honestas, fiéis ao labirinto do medo e, nos joelhos, as páginas de um velho Jornal,
Amanhã chove.
E as flores?
Que têm as flores, a não serem flores, com cores, em papel, em marfim, em pedacinhos de luz,
Amanhã chove.
Oiço na tua mão a trémula palavra do amor, as vinhas dormem nos socalcos da solidão, porque a noite é bela, porque a noite é parva, como ela,
Chove, amanhã?
Amanhã chove.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 12/05/2020