Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

09
Abr 14

A correspondência pesadíssima balançava no meu braço esquerdo, de mão amachucada dentro da algibeira, procurava cigarros com sabor a saudade, o carteiro nem tinha começado o giro e já se encontrava cansado, sonolento, e o carteiro... eu mesmo, disfarçado de andaime ambulante e despropositadamente peguei num subscrito, apenas porque chamou-me a atenção a quantidade de selos e os desenhos dos mesmos, deslumbrantes como as planícies iluminadas das ruas embriagadas de uma cidade em construção,

Deve vir de longe, pensei,

E eu, eu ali, suspenso entre o olhar obtuso e a penumbra neblina do fumo do meu pobre cigarro, comecei a manuseá-lo como se fosse o rosto de alguém desconhecido, alguém que pela primeira vez tocava nas minhas mãos, senti um leve arrepio e sou embrulhado em palavras, confesso, palavras que nunca na minha vida de carteiro tinha encontrado, tocado..., ou, tocar toquei..., mas apenas nos selos, e por alguns minutos,

Acariciado?

Isso, acariciado, isso, acariciei,

E repentinamente sou invadido por pequeníssimos sons metálicos, e



“Canadá, 09/04/2014

Meu querido,

Devido às circunstâncias que tu já conheces, fui obrigado a ausentar-me desse País e da tua vida, não sei se o fiz de livre vontade, não sei se o devia ter feito, mas..., e fi-lo acreditando que me libertava da tua voz, não o consegui e ela permanece entranhada no meu corpo esguio de árvore caduca, e não estou arrependido, não, não estou arrependido,”

Entre o silêncio sinto a dor que o meu cigarro provocava nos meus dedos e o cheiro a pele queimada, sentia-me tão embalsamado pelas palavras que me embrulhavam que acabei por esquecer-me que estava a fumar e que o diabo do cigarro tinha acabado de morrer, a morte, sempre a morte dos cigarros, essa sim, o medo que me atormenta, quando vejo e sinto a morte de um, seja um só ou vinte, ou trinta...,

E voltava a sentir no meu esqueleto as tais palavras que eu nunca duvidei que vinham do subscrito que poisava na minha mão,

“Ontem estive a reler as nossas cartas, tanto tempo passou entre as equações dos nossos corpos na ardósia de um velho divã e o sentido poético dos teus dedos, lembras-te quando lias para mim AL Berto?, lembras-te quando lias para mim Cesariny?, ontem percebi que as Acácias deixaram de sorrir quando entraste naquela ruela sem janelas, e tu, e tu nunca mais regressaste, e tu”

Possa... que não entendo nada disto!,

“E tu começaste a ter asas, a sair de casa manhã cedo, e às vezes, nem regressavas no final da tarde, e eu sentia que te perdia como o marinheiro sabe quando a sua embarcação está prestes a afundar-se... e pluf, novamente silêncio, e pluf, novamente Primavera,

E pluf, entravas casa adentro e com o teu sorriso de solidão dizias-me

Olá amor!,

E hoje enquanto relei-o as nossas cartas, algumas delas parecem os cigarros do carteiro aí da tua rua, cartas mortas, descoloridas, e os corações desenhos por mim..., não corações, desapareceram como desapareceu o cinzeiro de prata que levaste para vender e em troca

Pluf,

Mais um regresso adiado, e eu, eu acreditava sempre, sempre,”

Procuro outro cigarro, sinto frio e percebo que alguma coisa não está correcta, aquelas palavras e aqueles sons metálicos deixavam-me totalmente desnorteado, tremia, ressacava, e no entanto, e no entanto conhecia aquela voz que vinha da escuridão,

“Meu querido, espero que entendas a minha ausência, espero...”

Deixei de ouvir a voz e cada vez menos chegavam a mim os metálicos sons, até que

“Despeço-me com saudade,

Sempre,

Alberto”

Volto a colocar o subscrito na sacola e começo a caminhar para a primeira casa da rua, a Dona Joana esperava a carta da filha que tinha partido para Lisboa, ainda menina, ainda inocente,

E uma luz preenche as minhas pálpebras de verniz, os meus olhos pareciam cortinados negros sem vontade de correrem em direcção ao cais dos cigarros mortos, aos poucos, muito devagar... vou-os abrindo como quem abre pela primeira vez uma porta de entrada de uma casa descolorida e percebi, e percebi que tinha sonhado,

E percebi que não havia carteiro nenhum e percebi que nunca existiu subscrito nenhum, e tão pouco conheço alguém que viva no Canadá...

Corro para o banho e depois de alguns minutos a sacudir as palavras do subscrito..., percebi que nem da cama ainda tinha saído.





Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 9 de Março de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:34

16
Mar 14

foto de: A&M ART and Photos

 

Não sei quem és, como te vestes e o que pronuncias, não sei se és um pássaro em decomposição, uma árvore solitária que habita os jardins da cidade adormecida, tão pouco se és a madrugada, o Domingo quase a terminar, a noite a nascer, não, não sei o que és e quem tu és,

Como posso eu sorrir às tuas lágrimas? Percebes-me agora? O Domingo em término, a noite quase noite, a crescer e a erguer-se na tua boca de cristal, e quase não oiço as tuas palavras de porcelana, e quase, a janela da paixão a encerrar-se eternamente, para sempre e só..., hoje tu, amanhã eu, depois as pedras e os canteiros, as flores, os pinheiros de uma infância entre o mar e a montanha, sinto-me prensado, sinto-me um muro argamassado pela tristeza,

Quem sou?

Não sei, nunca soube, talvez... talvez no Domingo que vem, talvez amanhã, talvez no descanso das roldanas, uma corda em direcção ao sexto andar, subo as escadas, sinto-me cansado, os cigarros, a idade, a saudade, novamente os cigarros,

Oiço-os como testemunhas de uma fogueira em evaporação,

Cigarros vadios, como-os vivos, oiço-te e não sei

Quem sou?

Sim, e tu, quem és, o que fazes aqui, aqui dentro de mim?

Uma esplanada vazia, e regressa o dia da Poesia e eu sem poemas para ti... porque, porque não sei quem és, o que fazes dentro de mim, deixas-me cansado, ausente, embriagado, e sei que algures nessa cidade vives e choras, e recordas meia dúzia de cartas, poucas palavras,

E eu, eu sem poemas para ti,

Quem sou?

O vento, sim o vento, pensas que eu sou o vento? Sim, penso, imagino-te sentado na esplanada vazia, apenas uma mesa e quatro cadeiras, conversas com duas ou três sombras, bebes uma bebida invisível, pegas num livro, voltas a poisa-lo sobre a mesa, depois vais à gabardina e puxas de um pequeno caderno, acendes o cigarro, desorientadamente...

Quem sou?

O cigarro acende-se a ele próprio, ganha vida como as tuas palavras, sofre e chora, e acredita na tristeza como acredita que tu, sim tu

O vento!

Sim eu, percebo que me imagines como o vento quando se alicerça na minha pele, sim como o vento, quando rodopia em redor dos meus seios, e tu, e tu

Eu?

Oiço a voz, oiço-os a arder na escuridão de um final de Domingo, amanhã, amanhã talvez..., amanhã talvez “uma esplanada vazia, e regressa o dia da Poesia e eu sem poemas para ti... porque, porque não sei quem és, o que fazes dentro de mim, deixas-me cansado, ausente, embriagado, e sei que algures nessa cidade vives e choras, e recordas meia dúzia de cartas, poucas palavras”, e eu, e... eu,

Só, eu e uma corda em direcção ao sexto andar...

E eu, eu sem poemas para ti,

Quem sou?

 

(ficção)

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 16 de Março de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:37

08
Mar 14

foto de: A&M ART and Photos

 

Não pertencias aos ciprestes voltados para o rio,

trazias na algibeira um punhado de tabaco, algumas gotinhas de vodka... e eras marinheiro fundeado na paixão dos homens,

olhávamos a ponte submersa nos rochedos vermelhos,

e sabíamos que nunca mais haveria sol dentro de nós,

eu, eu era uma gaivota suspensa nos teus lábios... e voava em ti como uma louca espuma depois do adeus,

 

Desenhávamos relógios de luar nas pálpebras de Belém,

dávamos as mãos... e caminhávamos até deixarmos de ver as estrelas,

o silêncio transformava os cigarros em longos suspiros que só o desejo percebe,

e sabe,

e às vezes, poucas, éramos visitados pelo “chapelhudo” vestido de verde seara de trigo,

 

Não pertencias aos ciprestes e tínhamos inventado o alegre som melódico das palavras,

(acorda agora o “Planeta 3”)

os corpos murchos deambulavam nos cansados campestres telhados de colmo,

não pertencias nem nunca pertencerás às engasgadas folhas de papel pardo, sem poemas, nuas como nós,

e tínhamos uma noite imaginária dentro de uma Lisboa que escrevia nos nossos corpos o desassossego,

e eu, e eu gostava do teu olhar que transpirava vogais com sabor a amêndoa e a chocolate,

 

Vinha o dia e com ele, os círculos e os quadrados..., vinha o dia e tu não me pertencias,

vagueavas de esquina em esquina,

de cidade em cidade, e de porto em porto, de barco para barco,

e os cigarros fumavam-se sem que eu percebesse a tua ausência, e tu não estavas lá, como sempre, eras apenas uma sombra da noite com roupas de amanhecer, talvez fosses a madrugada, ou... o rio sem palavra,

 

E nada como dantes, Dead Combo, e uma esplanada vazia, hirta... sem coração,

Lisboa pertencia aos guindastes com dentes de marfim,

sentávamos-nos sobre a calçada descalça, e via-mos os beijos das estátuas de granito abraçados aos sofás de ardósia esperando o regresso da tarde, e vinha a tarde... e queríamos a noite, a noite só para nós...

e não, nunca, pertenceste ou pertencerás aos ciprestes voltados para o rio.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 8 de Março de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:50

20
Dez 13

Não sabia a ninguém

não tinha palavras para gritar contra o muro da tristeza

tinha na boca uma sonâmbula ausência de esperança

não tinha cigarros

apetecia-me tanto fumar cigarros

e lá fora

sentia o burburinho das folhas molhadas

o cansaço das árvores que deixavam sobre o passeio empedrado... pequenos braços

em abraços

a janela tremia como se o frio nocturno de Trás-os-Montes acordasse nesta rua enlouquecida da cidade do Porto

eu tremia e todos tremíamos...

e irritava-me o caudal constante da corrida do metro em frente à janela do Inferno...

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 20 de Dezembro de 2013

 

(provavelmente este será o último poema/texto de 2013... ou não)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:55

12
Dez 13

foto de: A&M ART and Photos

 

sinto-me perdido no labirinto da insónia

da janela em linguagem gestual

oiço os vampiros beijos das avenidas entristecidas

os candeeiros escondem-se numa cama de enfermaria

a palavra ténue que o néon absorve

está viva

e habita dentro das tuas veias envenenadas pela solidão dos dias

invento horas

desenho relógios na algália do sofrimento

sinto-me perdidamente perdido no labirinto da insónia

troco a saudade por meia dúzia de cobertores de lã

e sei que na rua vivem flores com sorrisos coloridos

 

uma sombra vestida de cetim...

acena-me

chama-me...

e come-me como se eu fosse um animal enferrujado do sobejado aço dos barcos fantasmas

 

o cais espera-me

e o marujo enlouquecido amarra-me aos esconderijos de pedra

sinto-me perdido

perdido procurando uma paragem

ou

a cinzenta madrugada para aportar

sento-me e beijo-me

e tu preferes os meus desastrados medos nocturnos

aos parafusos que brincam nas mesas infestadas de cigarros do bar neblina

o labirinto adensa-se como as estrelas de papel

o meu corpo flutua sobre uma lâmina de gelo

e sinto-me perdido neste labirinto negro e escuro das palavras constipadas

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 12 de Dezembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:42

30
Nov 13

foto de: A&M ART and Photos

 

salivas-me as serpentes de fogo do relógio nocturno da escuridão

havíamos construído o pêndulo do desejo

que ficou no centro do vulcão teu beijo

às derramadas sílabas que a paixão enfurece

emagrece a montanha branca das ribeiras desertas

abraças-me em longos ramos de cetim

que escondem as janelas do quadriculado caderno das madrugadas embainhadas nos pulmões das aranhas de silício castanho

salivas-me as velhas cinzas dos cigarros embalsamados

e sinto-lhes o cheiro dos esqueletos de palha quando mergulham no rio dos Luares apaixonados

uma gaivota poisa nos teus seios de cartão

e sinto-te prisioneira das amarras vagabundas nas ruelas envergonhadas

salivas-me e deixo de ouvir os teus brincos telintarem nas lâminas dos veados negros

uivam os lobos do teu orgasmo

entre geadas e plumas num bar desgovernado quando me salivas as palavras prometidas então...

a púmice enrola-se nos sabres de luz teu corpo de orvalho

a alvorada estrelar das amêndoas com chocolate derretem-se nos teus lábios que me salivam as vozes íngremes desvairadas que o Inverno inventa nas lareiras do orgulho

tenho medo de ti

como sempre o tive quando vinham na minha direcção os eléctricos e as marés de sémen dos homens apátridas que a tempestade recriou no cenário da vaidade

sinto-lhes o cheiro a vodka quando atracam nos meus ombros sombreados

e pareço um transeunte mendigo de fotografia na lapela

um doente mental diplomado

descendo e subindo

escadas corpos medos

e salivas-me como se eu fosse uma rosa encarnada a envelhecer numa jarra falseada...

 

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 30 de Novembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:29

29
Nov 13

foto de: A&M ART and Photos

 

deixarei de pertencer aos teus olhos

e vagamente... deixarei nas tuas nuvens de algodão o cigarro fantasma

deixarei de adormecer nos teus cabelos como o fazia antes das madrugadas serpenteadas

nas oito esquinas do medo

ouvirei perfeitamente as tuas mágoas...

terei o leve cuidado de acariciar os teus lábios

e

deixarei de voar nas tuas lágrimas de maré embriagada

e vagamente transformar-me-ei na cinza do teu imaginário cinzeiro

haverá uma janela engomada

com cortinados de fumo

e haverá... uma língua endiabrada pernoitando no meu angustiado peito

 

servirei de teu mordomo devidamente fardado

andarei pelos corredores da tua imaginação levitando sem tocar nos objectos de adorno

sentirás dentro de ti o meu vagabundo corpo

e nada conseguirás fazer para cessarem os teus sinceros gemidos

baterá o vento levemente nas ardósias dos tentáculos pinheiros de Carvalhais

ouviremos o sino engasgado nas sílabas das searas de milho

deitar-te-ás dentro do espigueiro...

e o teu ventre correrá em círculos na eira granítica do desassossego

amar-te-ei?

mesmo sabendo tu que sou um espantalho de aldeia

onde poisam os pássaros

e cagam os pássaros... sobre mim

 

sobre nós

deixarei os livros cansados das minhas mãos

dos meus olhos

às palavras... às palavras vou derramar-lhes o fogo do silêncio

embrulhado em pergaminhos sonos

e verei transversalmente o meu esqueleto no patamar da morte

ouvirei os teus casmurros beijos

como sentirei em mim os teus deleitados dedos

sujos

imundos...

transbordando sémen como caravelas esquecidas no Oceano dos vidros solitários...

e acabarei por pertencer aos ramos caducos do Outono

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 29 de Novembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:05

15
Out 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Do amor cansaço dizem-me as persianas do amanhecer, uma gaivota gira como um pião na mão de uma criança, do amor, dizem-me, da madrugada até ao desaparecer do sol que existem árvores com perfume de sonho, que vivem castelos de orvalho na ponta dos dedos da mão da criança que brinca com o pião, do amor, sinto-a mover-se como uma enxada mergulhada na crosta sincera do infinito luar, uma nuvem diz-me que todas as ruas da tua cidade extinguiram-se como pássaros em madeira estrangeira, há uma névoa de soalho esquecido no teu peito... e

Do amor,

O mar crescido nas planícies juntamente com a névoa de soalho

Na lareira?

O amor, o corpo incendeia-se, arde, evaporam-se as cinzas húmidas dos candeeiros de halogéneo quando as despedidas acordam, dois corpos se abraçaram, três corpos fingem olhar o rio, as lágrimas de três esqueletos são cortadas com a tesoura de costura da mãe Arminda, desenhava, recortava modelos em papel, depois, depois pegava num pedaço de pano e com a ajuda das sombras esquinas dos compartimentos exíguos... construía vestidos em chita para um palhaço de areia, e a morte ficava à entrada da porta, não entrava, tinha medo do boneco em palha que funcionava como espantalho, o milho ficava a salvo das garras dos melros e restante família e das tempestades embriagadas das noites intermináveis,

Na lareira? O mar crescido inventava lábios rosados na tua boca de livro apaixonado, havia entre nós uma ponte em esparguete, calculada por mim... não resistiu aos diversos ferimentos e partiu, e nunca mais regressou, as migalhas de ti, na minha algibeira, sinto-as quando puxo o lenço, sinto-as quando ainda acredito que tenho cigarros no bolso...

Meto a mão e em vez de cigarros

Tu?

O mar inventa-te e escreve-te como se tu fosses a mulher mais bela das marés de Outono, o mar parece um espelho repartido por vários inquilinos, grita o presidente do condomínio

Quem é a favor da expulsão da inquilina do sexto esquerdo levante a mão,

Ninguém,

O presidente do condomínio triste como abelhas em dia de feriado,

E tu, tu meu menino que brincas com o pião na tua mão mão, és a favor ou és contra?

O miúdo...

Quero lá saber... nem de cá sou,

O mar não é meu, o mar é apenas um quinto das migalhas de ti que trago na algibeira, o amor, o corpo incendeia-se, arde, evaporam-se as cinzas húmidas dos candeeiros de halogéneo quando as despedidas acordam, dois corpos se abraçaram, três corpos fingem olhar o rio, as lágrimas de três esqueletos são cortadas com a tesoura de costura da mãe Arminda, desenhava, recortava modelos em papel, depois, depois pegava num pedaço de pano e com a ajuda das sombras esquinas dos compartimentos exíguos...

Vestia o mar com insónias de chita, o pião sentia-o... como hei-de dizer... o pião esconde-se nas cordas e

O amor, o corpo incendeia-se, arde, evaporam-se as cinzas húmidas dos candeeiros de halogéneo quando as despedidas acordam, dois corpos se abraçaram, três corpos fingem olhar o rio, as lágrimas de três esqueletos são cortadas com a tesoura de costura da mãe Arminda, desenhava, recortava modelos em papel, depois, depois pegava num pedaço de pano e com a ajuda das sombras esquinas dos compartimentos exíguos...

(Na lareira? O mar crescido inventava lábios rosados na tua boca de livro apaixonado, havia entre nós uma ponte em esparguete, calculada por mim... não resistiu aos diversos ferimentos e partiu, e nunca mais regressou, as migalhas de ti, na minha algibeira, sinto-as quando puxo o lenço, sinto-as quando ainda acredito que tenho cigarros no bolso...

Meto a mão e em vez de cigarros)

Engraçadinha,

Que mais fará plopque...

O portátil pifou,

Engraçadinha,

Meto a mão e em vez de cigarros

Tu?

Adormecias nos meus braços...

 

 

(não revisto – ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 15 de Outubro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:25

28
Set 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Se cair a máscara que esconde os teus olhos de viro cinzento, perceberás que o tempo dança nos cortinados do cansaço, ouvem-se vozes vomitando palavras, algumas delas, são palavras em segunda mão, frágeis, vagueando nas pedras finas das calçadas em madeira estrangeira, e dos teus sonhos sonâmbulos, gritávamos pétalas de pólen abraçadas à confusão quando arde a lareira do medo, tínhamos a vontade, tínhamos o prazer de conquistar a saudade, e mesmo assim, fomos adormecendo, acomodámos-nos às prisões invisíveis da pretoriana escumalha que caía das mangueiras como pássaros comendo goiabada, havíamos de descobri a palavra

Medo?

E do medo acordavam as sandes de marmelada, o chouriço fumegava no cinzeiro entranhado em beatas e beijos de cinza voando e poisando sobre os móveis da sala de jantar, quase nunca o tínhamos, quase que pertencíamos às plantas em papel crepe que a vizinha do rés-do-chão construía durante a noite e nos vendia logo pela manhã à porta do prédio caquéctico da tia Adosinda,

Medo

Ela surda como uma porta,

O que foi, menino?

Nada, nada,

Medo de quê e de quem?

Medo

Ela surda como uma porta,

O que foi, menino?

Cinco coroas na minha mão, descia sorrateiramente as escadas graníticas e só abrandava quando encontrava a rua principal, a que me levava, acompanhava... até encontrar a velha escola que depois um parvalhão mandou destruir, e hoje

Banco de jardim, a madeira sorri, e mergulha nas nádegas das tempestades do cio encarnado, havia no recreio uma árvore onde me pendurava a imitar o Tarzan da televisão a preto-e-branco com formigas de vez em quando, ouvia os sons inconfundíveis da Chita e percebia que um dia, no futuro

Medo?

Medo de quê e de quem?

Medo

Ela surda como uma porta,

O que foi, menino?

Jane... Jane apareceria, retirava a máscara e dos seus olhos de vidro cinzento o tempo dançava nos cortinados do cansaço, ouviam-se vozes vomitando palavras, algumas delas, eram palavras em segunda mão, frágeis, vagueando nas pedras finas das calçadas em madeira estrangeira, e dos seus sonhos sonâmbulos, gritavam pétalas de pólen abraçadas à confusão quando ardia a lareira do medo, tínhamos a vontade, e

E o medo morre como uma pedra sem coração; cessam as canções dos teus lábios e brevemente acorda em nós a geada, e brevemente as flores aprendem o significado...

havíamos de descobri a palavra

Medo?

E o medo... o medo é um gajo muito “filho da puta” que não mete medo a ninguém... (E do medo acordavam as sandes de marmelada, o chouriço fumegava no cinzeiro entranhado em beatas e beijos de cinza voando e poisando sobre os móveis da sala de jantar, quase nunca o tínhamos, quase)

Quase noite em ti.

 

(não revisto – ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 28 de Setembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:58

11
Set 13

foto de: A&M ART and Photos

 

um cigarro esquecido

na tua boca de serpente

envenenada pela solidão

em ti

um cigarro ardido

de ti

ausente

quando o coração

de uma árvore parte e voa em silêncios de espuma

um cigarro mordido

em teus lábios de ternura

em ti de ti... senti

 

em ti

e de ti

 

a claridade mente

a madrugada distante

como as águias dos esconderijos mergulhados em ténues mãos de areia

ardem como as palavras incandescentes

e as sereias

parvas

em pequenas sementes

do corpo embrulhado em tristes larvas...

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 11 de Setembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:25

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