Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

31
Out 13

foto de: A&M ART and Photos

 

havia suspiros na tua voz de chocolate

lanternas diurnas embrulhadas em finas mãos de silêncio

escrevem-se nas palavras dos teus braços

oiço as teclas dos teus dedos na máquina do meu corpo

onde te espera uma folha de tristeza para rasurares como uma tempestade envenenada

havia suspiros uivos nos teus doces lábios

e dos beijos amargos o poema envaidece-se

cresce

e torna-se homem

mulher

apaixonado

apaixonada

 

o amor morre como um esqueleto de vidro

amado

amada

desamada

desalmada

o amor desaparece dentro dos círculos verdes das marés de incenso

 

havia suspiros nos olhos dos crisântemos

sobre a térrea campa do desejo

na lápide uma límpida manhã ensonada conversando sobre esplanadas

rios como cemitérios de ferrugem

e barcos como mulheres ansiosas pela chegada dos corpulentos marinheiros do abismo

tínhamos uma algibeira recheada de geada

tínhamos no peito uma mísera envergonhada madrugada

húmida

comida pelo suor das palavras loucas

tínhamos no sexo uma fiada cinzenta de cinza

que sobejava dos tristes cigarros em papel crepe

havia suspiros nos olhos... e sempre que chovia ouvíamos os comboios suicidarem-se nos carris do sonho

 

o sonho morreu junto aos arbustos em Belém

o rio galgou as montanhas de gelo

e entrou na tua vida alimentando-a de ossos e pedaços de sombra

havia suspiros

lágrimas

desajeitadas mãos na face de um busto granítico...

 

havia suspiros de chapa doirada

nas sanzalas avenidas que sentíamos das janelas de verniz

tínhamos uma lareira em cada suspiro inventado no teu ventre

havia rosas vermelhas nos confins das tuas coxas

migalhas de xisto entranhavam-se nos teus seios borbulhantes

e nós que parecíamos crianças sem infância

brincávamos como bonecas de trapos

e folhas de mangueira

ouvíamos o pulsar garrido do cavalo branco

e sabia dos teus cabelos clandestinos

onde escondias o verdadeiro amor...

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 31 de Outubro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:00

29
Out 13

foto de: A&M ART and Photos

 

movediças areias tuas manhãs cansadas em mim

orvalhos siderais colados na língua do Outono

migalhas dele nas mãos do inferno

o invisível mergulhado das travessias inconstantes das flores empastelares

pareço um viúvo de fotografia ao peito

com suspensórios de tristeza acorrentados à solidão das noites indolores

movediças areias

as tuas coxas

as tuas ideias

os teus pérfidos seios de porcelana no clandestino horário que vive nos meus pulsos de aço

procuras abraços

e eu... ofereço-te palavras sem nexo

desejos vãos

carícias por correspondência a cobrar no destinatário

pareço um viúvo embebido nos arbustos da partida

cândidos odores que provocas nas praças diurnas da cidade dos beijos

transeunte esqueleto sem vida

na minha vida

os lábios dilacerados em pedaços de papel de embrulho

movediças areias

as tuas lágrimas lunares em madrugadas de cio

e lambedoras orgias estrelares

sobre a ponte fina e escura

do cemitério da poesia

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 29 de Outubro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:38

28
Out 13

foto de: A&M ART and Photos

 

molha-te

humedece-te como um rio em cio

mergulha

alegre

nas sílabas pérfidas dos anónimos mendigos das calçadas embriagadas

molha-te

humedece-te

embriaga-te como uma pedra depois de ser lançada pelo pénis do poema

abre-te

agacha-te e dorme

sonha

morre

(molha-te

e humedece-te como uma Rainha sentada no trono da despedida)

some-te

molha-te

humedece-te...

vive

dorme

esquece-me

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 28 de Outubro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:20

22
Out 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Outono, os ossos tombados no pavimento, os braços alicerçados às árvores em movimento, havia cadeiras revestidas a couro, havia uma casa com uma sala de jantar, dentro dessa sala vivia uma mesa e seis cadeiras, e sobre a mesa uma paixão de crochet rendado ainda do tempo da avó Valentina, sentava-me no sofá, sobre os joelhos os dois velhíssimos álbuns fotográficos do pai Fernando, abria-o e

Mergulhavas nas imagens a preto-e-branco das paisagens Africanas, centenas de imagens rodopiando sobre a mesa da sala de jantar, ouvia-se o entrelaçar de dedos entre o capim e o cacimbo, ouviam-se os uivos dos mabecos rasgando sanzalas e musseques, ouvíamos as crateras dos rochedos nos alicerces da montanha, e tínhamos o feitiço da chuva miudinha, que lentamente, suavemente...

Alimentava o teu corpo de roseira, sentíamos

À noite,

Sentíamos as feridas dos sonhos desfeitos quando o mar nos entrava em casa, e tudo cá dentro

Fugia,

A casa ficou vazia, a sala de jantar viu-se rodeada de silvados e arbustos que muito mais tarde e junto ao Tejo, assistiram à despedida da Primavera, os sofás transformaram-se em pedaços de mola rolando como pedras depois das tempestades, e os álbuns fotográficos

Hoje solitáriamente sobre a mesa na sala de estar, poisados como cadáveres sem esqueleto, completamente sós, abandonadas as imagens... apenas o negro da noite que habita os teus pequenos seios cerâmicos que mostravas-me nas noites de incerteza e Inverno, a lareira acesa, apenas havia a luz dos pedaços de madeira em combustão, e o teu silêncio, nada mais

Os livros,

Sentia a tua respiração abraçada às imagens a preto-e-branco dos álbuns fotográficos do avô Fernando, tínhamos sede, tínhamos fome, e tínhamos vergonha

Os livros,

Diziam que eu era uma bandido escondido debaixo da sombra das bananeiras, e tínhamos mentiras que ainda hoje

Mentiras,

Os livros,

Sentíamos as lâmpadas em dias de ventania baterem nas faces rosadas dos calendários nocturnos das tuas mãos em melancolia, e os livros

Sentíamos as palavras entre os nossos corpos e sobre a mesa da sala de jantar

Arbustos em despedida,

Folhas de papel vegetal e malgas de marmelada,

E sobre a mesa da sala de jantar

Livros?

Folhas caducas, folhas velhas e folhas novas, malcriadas, folhas e folhas e folhas

Livros

Mandioca e papel de parede com flores encarnadas,

Víamos o Sol em pequenos quadrados, víamos a Lua em grandes triângulos, e livros e cinzeiros com o bafiento cheiro a morte, má sorte, a dor, e

Sofrimento,

Ouvíamos as lágrimas do Senhor Doutor quando descia a noite e um cortinado com círculos em pequenos milímetros caminhava direcção ao rio, a ponte via-nos abraçados como dois arbustos

A despedida,

O cheiro a a despedida,

O cansaço depois de uma triste mísera malga de marmelada, um pedaço de pão com pelo menos três dias de antecedência, e o requerimento indeferido

Os livros e as borboletas,

“Por falta de mendicidade o seu caso foi indeferido”

(filhos da puta)

Os livros e as borboletas, as bailarinas e os palhaços, o circo chegou à cidade, meninos, meninas, donzelas e belas

Os livros?

“Por falta de mendicidade o seu caso foi indeferido”

(filhos da puta)

Os livros hoje, imagens a preto-e-branco, sós, imagens estáticas, mortas, melódicas, saudades da saudade quando o medo habitava a nossa sala de jantar...

 

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – (Alijó?)

Terça-feira, 22 de Outubro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:08

16
Out 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Este corpo não é o teu, esses olhos com que iluminas as noites cansadas na solidão da insónia... não são os teus, essa boca, e esses lábios, não te pertencem, não é a tua boca, não são os teus lábios, as noites com que embrulhas as palavras, não o são, as tuas pobres noites embriagadas com sofrimento e dor, e a vida que vives, também não te pertence, não és nada, apenas uma imagem deixada num banco em madeira, sentas-te na penumbra, olhas-me sabendo que eu não te vejo, porque tu não existes, porque tu nunca exististe, és uma mentira pregada numa cruz metálica, foste crucificada quando as nuvens ainda eram nuvens e hoje, como tu

Não são nada,

Esse corpo que estampas nos meus olhos não é o teu corpo, e os seios que trazes no peito... são apenas tangerinas perdidas nos muros de xisto enroladas em socalcos, abelhas e pedaços de pólen, não são nada, e tudo em ti, apenas janelas de cansaço com cortinados de algas com perfume de mendicidade, gostava de ser como tu, invisível, transparente, gostava de pertencer às pedras com películas mergulhadas em sais de prata, gostava de ser uma fotografia tua,

Não são nada,

No sorriso da lua, esse corpo pertence-te?

Como tu, o xisto esfarela-se e voa sobre os limos das volúpias ensanguentada que os mabecos deixam ficar sobre os charcos da infância, saltar à corda, jogar à bola, ao espeto... partir vidros por falta de pontaria, rir, brincar, chegar ao espelho e não acreditar que já não pertences aos corpos verdadeiros, em carne, ossos, palpáveis, comestíveis, corpos como aqueles que vivem nos edifícios das cidades dos machimbombos envenenados pelas tempestades de verniz que sobejaram das tuas unhas, como tu, o xisto esfarela-se e voa sobre os limos das volúpias ensanguentada que os mabecos deixam ficar sobre os charcos da infância, o livro de ti apaga-se, esconde-se dentro de gaveta da cómoda, sobre a mesa-de-cabeceira deixavas ficar as tuas pulseiras, os anéis... e outras tantas bugigangas, e as tatuagens que trazes no teu ombro esquerdo, hoje

No sorriso da lua, esse corpo pertence-te?

Hoje parecem cromos dispersos dentro de uma caderneta inacabada, extinta, húmida quando entra-nos pela janela o jardineiro, o frio, e os arbustos da despedida, depois ouvimos o rio, o rio com braços, pernas, púbis e coxas, e mandíbulas em aço inoxidável,

Ferro forjado,

Enferrujado e velho, as cordas dos tentáculos de vidro invadem o teu corpo, e dizem-me que...

Esse corpo não é o dela,

E dizem-me...

Ferro forjado, ferro e ferro, ferro do bom, ferro verdadeiro, corpo molhado sobre os lençóis da despedida em arbustos de lágrimas, o apito do teu vazio peito, o uivo do teu lento olhar, a bandeira dos teus alegres cabelos... e mesmo assim

Tu nunca exististe,

E mesmo assim...

Gosto de ti, gostava de ti, não o sei... talvez, amanhã, ou

Ontem?

Porquê ontem?

Tu nunca exististe,

E mesmo assim...

Gosto de ti, gostava de ti, não o sei... talvez, amanhã, ou

Ontem?

E nunca sei quando é Domingo, e nunca percebo porque acreditam as rosas nas folhas do teu livro... e ainda lá dormem, e depois

Ontem?

Dizias-me que esse corpo não era o teu, que não, pois as montanhas não falam e os pássaros não são barcos e as sanzalas não são tardes de melancolia, e o musseque não é a Primavera, o Outono...

Gosto de ti, gostava de ti, não o sei... talvez, amanhã, ou

Não falas, e dizes-me que esse

Corpo?

Não, não... e dizes-me que as minhas mãos são de pergaminho.

 

 

(não Revisto – Ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 16 de Outubro de 203

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:59

11
Jul 13

(Tradução Turca do meu poema por Abdullah Bahadır)


bana hiç dönüşlerinde söz
beslenen bana kalpleri kum
göğsüne şiirsel guardavas ... o ve küçük yaprakları
bana söyledi her yılın sonunda ölen tüm takvimler
ve öper bu.

küçük buluşlar yetiştirilmiştir
kağıt kanatlı çocuklar vardı
ve gizli arka bahçelerinde oynayabilir
ve veda ...
Ben muz bir grup bir önlük oturma ... ile son kez gördüğümde
sorrias
ve geri dönmek için asla kendimi absented ,

Kendinizi çocuklarla dolu düşünün
bir parkta bankta
çocuklarınızın bir (varsa) biz ne yaparken ... ya da slayt yanında
biz ağlamaklı dudakları bir dizi asılı uçurtma hayal ...
ve tüm aşağı gitmesi bekleniyor ikindi bulutları

Eğer deniz Vestias
boyun gelgit bağları ... ile
desenhaste sabah ışığında bir öpücük ...
ve arzu sonsuz uyanış doğru sola
uykuya düştü
ve şimdi sürekli ... Eski ahşap kasalar enkazı arasında da gölge deneyin ...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
foto: A&M ART and Photos........O amigo poeta, poesia bonita, eu sou a tradução turca.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:43

23
Mai 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Não sabia como apelidar-te, se de anjo, chuva... ou Primavera enlouquecida, mas sentia-te logo pela manhã, ainda meio acordado, ainda meio sonâmbulo, ainda não sentido a musicalidade dos pássaros que horas mais tarde, e de árvore em arbusto, passeiam-se como se fossem transeuntes embriagados com palavras do motor de arranque do automóvel que me transportará ao meu destino final,

não sabia,

E no entanto, quando ancorava o rabo na cadeira de couro, com pernas elegantes e rodinhas que me transportavam e me faziam transportar, em círculos, em ondas, como atravessando os espaços vazios do compartimento a que baptizaram de “escritório”, eu recordava-me dos teus olhos...

dirão... olhos, quais olhos, de quem são os olhos que neste momento dormem sobre as palavras acabadas de escrever?

E tantos, de tantas cores, uns cansados e usando óculos, outros, menos cansados, e não necessitando de uma bengala para simples leituras a curtas distâncias, e outros, outros da cor do desejo e com sabor a melancolia, a saudade, a tristeza, a... vinham as tempestades, e traziam-me os cordéis que serviam para me acorrentar às árvores em protesto pela sombra prometida, e víamos que de sombra nada ou algo parecido, concluindo que tínhamos sido burlados pelo vendedor de sombras, homem que se fazia passar por honesto, como todos os homens burlões, bem falante, com cultura superior à média, bem apresentado visualmente, e no entanto, abria a pasta de couro, e de um catálogo colorido, mostrava-nos vários tipos de sombras, algumas pareciam lâmpadas de baile de aldeia encurralada na montanha dos apaixonados cus de de um desonesto homem vendedor de lanternas, que além das sombras, nos impingia algibeiras envenenadas contra todas as perdas monetárias, como se de uma vacina se tratasse, comprei uma delas, e logo por azar, perdi trinta euros, paciência, digo-me enquanto folheio mentalmente as imagens das milhares de sombras, que ele, o homem, nos vendia por uma módica quantia de cinco mil euros,

adquiri uma em treze suaves prestações, mas até à data de hoje, sombra nenhuma,

Voltando ao apelidado “escritório” quando carregava no interruptor que supostamente serviria para ligar a lâmpada do pequenos espaço com duas secretárias (em madeira – não das outras), só não acendia lâmpada alguma como ouvia do rés-do-chão o rinchar de uma égua, a princípio não sabia explicar o sucedido, depois, depois de tanto pesquisar, de descer escadas, entrar no curral do animal, carregar no interruptor e a luz apagada, e do primeiro andar a voz da menina Augusta

acendeu a luz do escritório...

O electricista tinha trocados os fios, e o interruptor do escritório servia para acender a luz do curral da égua, e o interruptor do curral da égua, acendia a luz do “escritório”, não sabia como apelidar-te, se de anjo, chuva... ou Primavera enlouquecida, mas sentia-te logo pela manhã, ainda meio acordado, ainda meio sonâmbulo, ainda não sentido a musicalidade dos pássaros que horas mais tarde, e de árvore em arbusto, passeiam-se como se fossem transeuntes embriagados com palavras do motor de arranque do automóvel que me transportará ao meu destino final,

não sabia,

E dos inúmeros olhos que poisaram sobre os meus olhos verdes, foram os teus, foram os teus, aqueles olhos cristalinos como a água transparente da ribeira quando desce a montanha, e sem o perceberes, estás sentada num lago invisível, e nas tuas costas, cisnes, brincam, conversam contigo, iluminados pelos

não

Sonhos que acompanhavam o vendedor de sombras, e agora, não sei, se foste uma sombra, ou se és um sonho, não sei,

acendeu a luz do escritório...

Ou... talvez saiba, luzes, luzes embainhadas em cores como os milagres do burlão vendedor de sombras, que na compra de uma, me ofereceu como bónus... o teu olhar de feiticeira, escondida sempre entre jardins e clarabóias de sótãos com janelas viradas para o rio, o mesmo, que te viu despedir-se do mundo...

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:08

17
Abr 13

foto: A&M ART and Photos

 

Foi a última vez que escreveste o meu nome, escreveste-o, continuas a escrever-me no silêncio dos Deuses e fazes-lo como se eu ainda estivesse vivo, e deixei de estar, e deixei de pertencer ao musgo ensonado que cresce no tronco dos pinheiros mansos, recordo-me de apanhar pinhões debaixo de um pinheiro ranhoso, rabugento, e tinhoso, que habitava no recreio da escola, sentava-me sobre as pedras em repouso, e fazia com que outras se movimentassem, às vezes, errava o alvo, partia um dos vidros da janela da escola, quando chegava a casa

(faziam-me uma festa, havia banda de música, havia comeres e beberes e claro, havia cinto, danças de corredor, eu na frente, e na minha peugada, o meu pai tentando acertar-me mas como sempre, eu parecia invisível, e como sempre, eu atravessava as paredes, e bastava um simples olhar...)

Sobre a secretária, quando chegava a casa, os destroços de um amor, pensava-se que eterno, mas nem as palavras são eternas, nem as pessoas, nem os corações, e procurava entre o desalinhado sossego dos objectos destruídos pela intempérie, ainda deixaste restos de café dentro de uma chávena envenenada pela presença das pérolas e de uma caneta de tinta permanente

(procurei o teu nome em vão, não respondias, e entrei em cada compartimento daquela casa assombrada, para finalmente perceber, que... tu tinhas partido, definitivamente, como partem os pássaros depois da Primavera, procurei, e procurei, e encontrei sobre a tua secretária os teus restos mortais, aqueles que já referi e mais uns botões de rosa dentro de um copo com água, sentia-se no ar o perfume, a essência, a fragrância das palavras deixadas ao acaso dentro de uma carta de despedida, ou simplesmente, de uma declaração, - De amor? - e enquanto fixava o olhar na caneta de pinta permanente, como se fosse um filme, um conjunto de imagens construíam-se-me e do nascimento dela, passando pelas ressacas da falta de tinta, dos textos e textos em meio por meias palavras, porque ela, simplesmente se recusava a escrever, a enquanto uma mão de menina a segurava, enquanto uma mão de criança bati-lhe o aparo sobre a madeira da secretária, e o texto, aos poucos, esmorecia, e morria, e deixava de existir, a a menina, e a criança, ambas, sorriam..., sorriam como nuvens de finíssima adrenalina)

E uma faca de prata, ao lado da chávena envenenada com os resto do teu café, o copo com os botões de rosa, e eu perguntava-me – De que me serve esta faca de prata? - correspondência pouca recebo, do correio electrónico, não é necessário abri-lo com a ajuda de uma faca de prata, e até os livros modernos, esses, já nem é necessário abria-lhes as páginas como o fazia quando adolescente..., e parece que tudo se perdeu, e parece que até o cheiro do papel não é o mesmo cheiro do papel de antigamente, os jornais, não têm o mesmo cheiro, e ainda recordo quando após folhear algumas das páginas, percebia-se posteriormente... - De que me serve esta faca de prata? - percebia-se que tinha os dedos e as mãos com o cheiro da tinta do jornal e de cor negra, hoje, hoje procuro-te, abro cada compartimento, até já fui ao sótão, mas de ti, nem sombra, nem o perfume, nem o som do teu colar de pérolas quando regressavas a altas horas da madrugada, sentavas-te na tua secretária, rabiscavas algo no teu caderno e depois, depois de pegares num dos botões de rosa e o cheirares, tiravas o colar de pérolas, e poisava-lo sobre a secretária, e nunca, nunca esqueci esse som melódico e poético,

(desacreditado que dos muros de xisto as folhas de videira cessem de crescer no olhar da melancolia, e se alicerce a tristeza nos gonzos desmiolados das portas e janelas com a boca virada para o mar, acreditava que as madrugadas intermináveis, não morriam, e morreram como morrem as pequenas línguas de fogo que a paixão deixa cair sobre a pele macia dos corpos clausurados nos castelos de areia - havia comeres e beberes e claro, havia cinto, danças de corredor, eu na frente em passos apressados como um louco – e nunca deixei de gostar dele)

E uma faca de prata, ao lado da chávena envenenada com o resto do teu café, o copo com os botões de rosa, e eu pergunto-me

(porquê?)

Pergunto-me se em vez de uma despedida no meio de uma feira de velharias, pergunto-me, se eu tivesse comprado o barco de papel, que sobre uma mesinha estava à venda por uns míseros Euros, - vê melhor, pior ou igual do que via com as lentes anteriores? - e sinceramente, não sei, não sei senhor doutor, mas é uma verdade que a letras miudinha de alguns livros, mesmo com estes óculos, não as consigo ler,

(e o meu sonho era viver dentro de um barco).

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:54

06
Jan 13

Ouviam-se os petardos anárquicos misturados nas palavras amargas, às vezes, um fino fio de mar corria pela casa, e entre a sala de jantar e a cozinha, flores, tínhamos flores em recipientes cerâmicos, de várias cores, pintavas-os com os restos de tinta acrílica dos meus tubos que ias buscar ao meu atelier, metias as mãozinhas no bibe, e de cabelo balançando dentro do vento que acabara de sair da caixa de madeira, dizias-me

Pai, porque não há pássaros hoje, e perdia-me em explicações complexas, porque estava frio, porque já era quase noite, e porque dentro de casa não há pássaros,

Mas pai, podia vê-los através da janela, ou não,

Não sei, sei, não, sempre tive dificuldade em conversar com miúdos, sempre, e sentia que tinha à minha frente um miúdo com seis anos a perguntar ao pai

Porque voam as mangueiras quando desce a noite, pai?

Porque amanhã é sábado, respondia-lhe ele,

E pai,

Sim filho,

Os barcos pai

Que têm os barcos Francisco?

Os barcos voam?

Não, não voam,

Porquê?

Mas pai, podia vê-los através da janela, ou não,

Não sei, sei, não, sempre tive dificuldade em conversar com os pássaros e com as flores e com a sombra das mangueiras, e

Pai, quando chegarmos a sábado os barcos vão voar?

E

E pai,

Sim filho,

Os barcos pai

Que têm os barcos Francisco?

Não, não vão voar. os barcos não voam, as mangueiras não voam, e o mar

Os barcos pai,

E o mar em finos fios a correr pela casa, ouviam-se os petardos anárquicos misturados nas palavras amargas, às vezes, trazias nos olhos lágrimas de prata, tinhas asas de vidro, e quando te perguntava

Matilde, mexeste nas minhas tintas?

Sorrias, abanavas as asas, e voltavas a sorrir

Não, não mexi, pai

Sorrias, abanavas as asas, e voltavas a sorrir

Pai?

Sim, Matilde!

A mãe?

Que tem a mãe?

Onde está?

Sorrias, abanavas as asas, e voltavas a sorrir, e tínhamos flores em recipientes cerâmicos, de várias cores, pintavas-os com os restos de tinta acrílica dos meus tubos que ias buscar ao meu atelier, metias as mãozinhas no bibe, e de cabelo balançando dentro do vento que acabara de sair da caixa de madeira, aos poucos aproximava-se da grande cidade o paquete com ventos lilases e folhas de árvore empobrecidas pelo sal e devido ao calor, transpiravam os carros junto a Belém

Não sei, Matilde, nunca soube onde está a tua mãe,

E os carros arfavam, e tu sorrias, e eu empoleirado nas grades ouvia os pedaços de fumo do cigarro de um magala que pelo fardamento devia andar nos lanceiro, na Ajuda, sentado e de pernas cruzadas, sobre as coxas via um caderno com uma capa que tinha desenhos de flores, via também um livro “O Doutor Jivago” de Boris Pasternak, e ao longe, nos jardins de Belém dois amantes provavelmente separavam-se eternamente para o todo e sempre, ouvias-lhe

Sim, Matilde!

A mãe?

Que tem a mãe?

Onde está?

Ouvias-lhe as lágrimas de prata e tu, com asas de vidro, sorrias, ouvias-lhe os silêncios entre as árvores e os arbustos,

Tenho de ir

Porquê pai?

Já alguém te disse que tens o coiso grande?

Não sei, Matilde, nunca soube onde está a tua mãe,

E aos poucos Lisboa entrava dentro de mim, e aos poucos sentia a paixão da cidade a entranhar-se nos meus frágeis ossos, de galinha de aviário, e perguntei ao meu pai

Pai, vamos para onde?

Olhou-me, lançou o cigarro ao Tejo, a sorrir e a abanar as asas, sorrias, abanavas as asas, e voltavas a sorrir, Pai?

Vamos para Alijó.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:31

06
Jun 12

O espesso cansaço

que desperta nas cores de uma tela

a infinita despedida

sem apreço

nem abraço

o espesso cansaço

na hora da partida

no interior de um janela

 

o espesso cansaço

no espelho magoado

à imponente despedida

 

o espesso embriagado

cansaço enforcado

numa rua sem saída.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 14:11

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