O suspiro da noite, enquanto a morte vagueia nas sílabas loucas da paixão.
O silêncio das palavras, perdidas nos livros invisíveis da solidão,
Um poema chora,
Alicerça-se na confusão da cidade,
Soltam-se todos os caninos vadios,
Correm em direcção ao petroleiro estacionado junto ao Tejo,
E, um soldado, procurando alimento, senta-se na sombra da neblina.
Todos os pássaros são felizes, ainda que sejam transparentes,
Nas paredes de xisto,
Olhando o Douro,
Desenhando socalcos no bico;
A jangada, afunda-se, como a mão do mendigo,
Quando fundeada na sopa trazida pela tempestade.
Chove, ouvem-se os ruídos da manhã,
Automóveis esfomeados levitam sobre as palmeiras,
Os transeuntes sofrem de pasmo,
Riem, como loucos,
Dentro de quatro paredes de vidro.
O suspiro da noite, sempre em alerta máximo,
Esconde as palavras na algibeira,
E bebe pequenos tragos de nada.
Hoje é sexta, noite como tantas outras,
Não interessa,
É noite, é triste a noite, quando se despede da tarde.
Os amantes fogem como fogem os mortos da sombra,
De roupa engomada, os tristes mortos, riem-se do silêncio amargurado que transporta o desassossego,
Tenho medo, dizia-me ele, quando acordava olhando quatro janelas de cartão,
Perdia-se na imensidão do espaço,
Cansado da vida,
Cansado da noite;
O suspiro. O suspiro da noite.
Francisco Luís Fontinha – Alijó
31/01/2020
A vida suspensa nas madrugadas de areia.
O cansaço das palavras na boca do Psicólogo, às vezes, tenho medo,
Da escuridão das personagens,
Quando o homem do chapéu negro,
Invade as paredes transparentes da saudade.
Está frio, meu amor.
O mar está longe,
Como as migalhas da solidão,
E este veleiro não pára,
Move-se,
Alimenta-se da minha pobre sombra.
Tenho medo, meu amor.
Tenho medo da saudade,
Quando inventada pela claridade dos dias tristes,
Cansados de viver.
Escrevo-te,
Desenho-te,
No caderno prateado que traz o silêncio da morte.
A verdade, custa.
O silêncio da verdade, custa mais…
Mas não interessa se as árvores vão sobreviver à saudade.
Porque dentro de mim, meu amor,
Só existe o cansaço das palavras.
Nada mais.
O cansaço das palavras.
Francisco Luís Fontinha – Alijó
06/01/2020
Eu sabia que era noite.
Percebia que as lâmpadas da saudade se acendiam pela primeira vez, e, no entanto, dentro de mim, uma simples constipação de palavras brincava num pequeno verso,
Triste, distante, eu sabia que era noite, e que os holofotes da desgraça vinham em minha direcção.
Esqueci-me de olhar o pôr-do-sol, não interessa, amanhã novo pôr-do-sol acordará, sem insónias, sem preguiça, como hoje, dentro dos lençóis iluminados pela tempestade de silêncio que se faz sentir dentro da casa, submersa em pequenos fios de nylon, e às vezes, não muitas, o poeta arrepende-se de ter escrito o poema; acontece quando o amanhecer é tardio, frio, ambíguo…
Francisco Luís Fontinha – Alijó
04/01/2020
Sou um petroleiro fundeado nos teus braços,
Meu Tejo dos cansaços.
Sou um petroleiro em combustão,
Nas manhãs de nevoeiro,
Sou a fogueira da madrugada.
Sou um petroleiro,
Cansado da geada,
E do cacimbo da tua mão.
Sou um petroleiro esfomeado,
Passeando no deserto tua canção.
Sou um petroleiro avariado,
Nos rochedos da solidão.
Sou um petroleiro vagabundo,
Imundo.
Sou um petroleiro sem comandante,
Que Às vezes vai ao fundo.
Que Às vezes, sente.
Francisco Luís Fontinha – Alijó
27/12/2019
Não sei o que te dizer, meu amor. As esplanadas estão recheadas de vampiros, vestidos de branco, ao longe sinto o vapor da saudade, vem em minha direcção, como um foguete, no Verão, nas festas de aldeia.
Não, não sei o que te dizer, meu amor. Apenas que está frio, que todos os meus livros, que são muitos, resolveram apedrejarem-me, por tudo ou por nada, eu não fiz nada;
As serpentes, meu filho.
Não o sei, mãe. Nunca soube porque foste embora, como a Primavera, quando parte e nada diz às andorinhas que vai partir.
As serpentes, meu filho…
Que têm as serpentes, mãe?
O vento trouxe a morte, depois o vento trouxe a solidão, dos dias, das noites, das madrugadas sem dormir…
E tu, sorridente para mim; pareces feliz!
Eu não percebo porque o vento é assim,
Assim, como, meu filho?
Assim, triste, furioso, malandro, quando corre para mim, e sei que foi ele que te levou para longe, para junto das montanhas, o amanhecer é sempre triste, como todas as manhãs ao acordar, percebes?
Não, não percebo.
E depois regressa a cegueira dos homens, também eles, como os vampiros, vestidos de branco. Vem de lá o orgasmo da saudade, traz dentro dele a tristeza da poesia envenenada pelo Cacimbo, o capim esconde-se no meu peito, um papagaio em papel, construído por ti, valentemente me abraça; acredita, mãe, não é fácil abraçarem-me, principalmente durante a noite, tenho medo das sombras do teu sorriso, quando reparo no pavimento as tuas lágrimas de despedida, como hoje, como ontem, a alvorada engana-se nas horas, acorda, acorda-me e morre, como tu.
E morre como tu.
Francisco Luís Fontinha – Alijó
25/12/2019