Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

16
Set 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Há uma estrela cansada de viver, há uma estrela apaixonada pela tempestade invisível das cidades com edifícios carnívoros, os homens, como eu, são comidos por poderosas guilhotinas de aço inoxidável, o carbono sabe a poeira de marfim, e ela passeia-se pelos jardins com árvores de papel,

Equações com muitas incógnitas dormem docemente na palma da tua mão, tu tocas os mamilos pelo integrais triplas, e diferenciais equações desenhadas no coração da areia, o mar, o mar regressa a ti e leva-as, como levas os ossos nossos que as guilhotina de aço

Comeram? Comem? Adormecem na tua face as abelhas claridade das manhas de Outono, sinto o frio entranhar-se em mim, serás tu, tu

Disfarçada de cetim?

Tecido barato, chita, ou...

O cigano refila com ela, o cigano tenta embrulhar a menina num cubo de vidro, mas a menina, toda sabida, consegue aldrabar o cigano...

Perguntas-me

Quem, quem consegue enganar um cigano?

Fico sem música, Wordsong silencia-se e oiço o AL Berto sobre a minha secretária a discursar, pergunto,

Quem, quem consegue enganar um cigano?

Outro cigano? Outro homem como eu, comido e bebido pela guilhotina de aço? Não, Não poderá ser... assim choviam navalhas sobre o cansaço das tardes de Carvalhais, e sempre tive uma paixão secreta por ela, por S. Pedro do Sul... pelas Termas de S. Pedro do Sul...

O avô Domingos,

“Olha meu menino... a filha do Zé é única como tu e têm muitos bens...”

É maluca como eu..., segredava-me o meu outro eu,

O avô Domingos,

“Muitas terras, casas...”

E eu e o outro eu... Queremos lá saber disso, nós queremos viver livremente, correr, atravessar o mar em direcção a Sul, depois viramos à direita logo à saída de Castro Daire, e é lá, é lá que está ela à espera de um fedelho em círculos, prisioneiro à mão do avô Domingo, nessa altura

Não “Fingertips”,

O avô Domingos,

Finger quê menino?

Nada, nada avô... estava a falar da Teresa, daquela que você diz ter muitas terras, e casas... e parvoíce a mais dentro do pequeno cérebro misturado em areia e teias de aranha,

Sina de dinheiro,

O quê? Finger quê?

Nada avô... nada... é a janela que está empenada, e quando o tio Serafim liga o desgraçado do moinho eléctrico... a luz murcha

Damos-lhe Viagra, meu menino..., não avô, não podemos...

Porquê, meu menino?

Porque ainda não inventaram o Viagra e ainda não existem os Fingertips...

Finger quê, meu menino, Finger quê?

Nada, nada avô, nada, porque o sol vem sempre acompanhado, nada, nada avô, nada, porque a chuva traz sempre outro amigo, e esse amigos traz um pedaço de vento e o vento

Leva-te os papeis onde escreves, não é meu menino?

(nada avô... nada... é a janela que está empenada, e quando o tio Serafim liga o desgraçado do moinho eléctrico... a luz murcha

Damos-lhe Viagra, meu menino..., não avô, não podemos...

Porquê, meu menino?

Porque ainda não inventaram o Viagra e ainda não existem os Fingertips...

Finger quê, meu menino, Finger quê?)

E sentava-me junto às bananeiras, pertinho dos antigos balneários, e havia um banco só meu, tinha sempre na mão um livro, um caderno e uma caneta, e passava tardes inteiras a conversar com o enxofre da fonte incandescente junto a mim...

Nunca mais ouvia as palavras dele. Nunca mais.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Segunda-feira, 16 de Setembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:41

17
Ago 13

foto de: A&M ART and Photos

 

As hormonas fervilham, cobre-se a lua com um fino manto de sémen, há delírios dentro dos calções brancos, tínhamos deixado na atmosfera um leve e intenso cheiro a sonho e a desilusão, ela diz que o dinheiro tudo compra, eu

Não o tenho,

Ela diz que eu

Tu nada podes comprar,

Vende-se, prostitui-se intelectualmente como se tratasse de um livro ainda por escrever, as hormonas

Fervilham,

Transparente como a chuva depois de se masturbar sobre os zinco telhados das sanzalas, a sombra desce da cidade, cobre os ombros da mulher emagrecida, triste, como o tecido depois de molhado, depois

Fervilham,

Diz ela,

Porque para mim, um simples aldeão esquecido no musseque da escuridão, não fervilham hormonas, nunca existiram os calções brancos, nunca... como o sabor da manga depois de dissipado o Cacimbo das margens íngremes do rio, mabecos, girafas, zonzos, todos os bichos da selva, lá fora fumava-se erva e outras raízes, que só

Diz ela

Fervilham as hormonas,

Ai se não fervilham, que só em África existem, que só em África fervilham, e diz ela, que a cidade dorme, extingue-se no silêncio vestido de cansaço, acabam-se as realidades virtuais, e começam verdadeiramente os

(nem uma foto de calções brancos encontro, coloco a mulher onde quando em criança rabisquei todo o seu corpo, tinha... cerca de cinco anos, pobre, sem dinheiro, e ela, ela deixou-o fazer, por caridade, por nada)

Textos infestados por pequenos insectos, os calções, os calções brancos dançam no interior do ânus ao som de Pink Floyd, o escritor lê poemas de AL Berto e alguns textos de Luiz Pacheco, cobre-se a lua com um fino manto de sémen, há delírios dentro dos calções brancos, tínhamos deixado na atmosfera um leve e intenso cheiro a sonho e a desilusão, ela diz que o dinheiro tudo compra, eu

Não o tenho,

Ela diz que eu sou um sonhador perpétuo, difícil de construir, fui feito a partir do barro e dizem elas, lá do velho musseque, que,

Tu nada podes comprar,

Oiço-o dizer (“tão triste mário sobre o tejo um apito” - de AL Berto) e dos calções brancos, nada, nem barcos, âncoras, fins de tarde no Rossio, nada, nem o pobre cimento que segura as asas do vento, e tu

Diz ela

Nada podes comprar,

Não o tenho,

Ela diz que eu sou um sonhador perpétuo, difícil de construir, fui feito a partir do barro e dizem elas, lá do velho musseque, que, o barro é como o cristal, lindo e belo, só que... muito mais barato, ele diz-me que eu com cinco anos escrevi todo o corpo das películas em desejo que chegavam até mim, bebíamos, e comestíveis cinzentas neblinas junto ao porto camuflavam todos os barcos em regresso, e ficávamos

A ouvir o mar,

E ficávamos...

Simplesmente a ouvi-lo,

(“tão triste mário sobre o tejo um apito” - de AL Berto)

Fervilham as hormonas dentro dos finos calções brancos, (nem uma foto de calções brancos encontro, coloco a mulher onde quando em criança rabisquei todo o seu corpo, tinha... cerca de cinco anos, pobre, sem dinheiro, e ela, ela deixou-o fazer, por caridade, por nada), e uma nuvem de gelo entra porta adentro da miséria cubata invisível...

Uma placa sobre a porta de entrada,

“Há caracóis”, e vivíamos felizes como serpentes no interior do ânus abraçados à fina réstia em tecido dos calções brancos,

Definitivamente,

Hoje, Hoje há caracóis...

(“tão triste mário sobre o tejo um apito” - de AL Berto).

 

(não revisto – texto de ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 17 de Agosto de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:52

19
Jun 13

foto; A&M ART and Photos

 

Via a terra desaparecer dos meus olhos, sentia-a em pedaços de vapor a todo o comprimento do meu corpo, e pensei

É o fim, o eterno fim,

As nuvens tristes, prontas a comerem-me, saborearem-se com a minha carne em cadáver, como o fazem os abutres (aves e humanos), das poucas gotas de chuvas que sobejavam dos lobos dispersos pela montanha, ainda coberta pela neve do Inverno, havia um que me chamou à atenção, e de tão distraído que sou, só depois de o observar, uma, duas, três... talvez quatro vezes, percebi que ele trazia na lapela uma folha de papel com um desenho ilegível, perguntei-lhe

Querido lobo, que desenho é esse?

Cerra os olhos, finge que eu sou uma pedra, um arbusto ou pior, que eu não existo, deu meia volta e desapareceu entre os outros companheiros, como quem foge do silêncio quando as palavras apenas servem para interromperem a noite, desviarem todas as estrelas dos espelhos côncavos das cidades sem rios, e

Querido lobo, que desenho é esse?

Se possível, mesmo antes de acordar a manhã, fazer com que todas as lâmpadas da cidade se apaguem, como os corpos putrefacto, dentro de um congelador gigante, numa qualquer morgue, onde existe sempre uma flor não identificada, à espera, que desespera a chegada de um abutre, e assim, aliviar todo o sofrimento dos corpos sem cabeça, sem braços, sem leme que seja possível prosseguir viagem,

Há uma lenda que alimenta desde os primórdios os mosquitos de asa tricolor, e sobre o fino prato de sopa, infelizmente, apenas só, em permanente solidão, que como o corpo putrefacto, espera e desespera pela chegada..., neste caso da dita sopa, não do abutre (ave ou homem), apetecia-me ouvir POP DEL ARTE, e como teimoso que ele é

Acredito,

Acreditar, porque não? Até prova em contrário, todo o réu é inocente, como assim?

Acredito, eu acredito,

E como teimoso que ele é, acredito que passe o resto da noite a ouvir POP DEL ARTE, depois, depois pegará num livro de poemas de AL Berto, entre um poema ou três no máximo, deliciar-se-á como um pássaro a atravessar o Oceano, lê os poemas, ouve a música, adormece suavemente como

“Vi a terra desaparecer dos meus olhos, sentia-a em pedaços de vapor a todo o comprimento do meu corpo, e pensei

É o fim, o eterno fim,”

Como se tudo em si fosse um misero sono dentro da cabeça de um mosquito com asas tricolores, dentro de um prato de sopa, sem sopa, como à janela da solidão, e o desgraçado do lobo, até hoje, nunca me saciou a curiosidade e me contou o significado do desenho ilegível que trazia na lapela...

É o fim?

Eu, acredito, acredito que não..., vi a terra desaparecer dos meus olhos, sentia-a em pedaços de vapor a todo o comprimento do meu corpo, e pensei

Vi o céu a desaparecer, e pensei

Vi, e pensei...

Hoje, POP DEL ARTE e AL Berto, porque não? Acreditar...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:17

12
Jun 13

foto: A&M ART and Photos

 

Ouvíamos as poucas migalhas que a insónia deixava em nós como acontecia com os candeeiros em alumínio debaixo da nossa janela da casa de banho, durante a noite um corredio de chinelos entre o corredor e o Hall de entrada, que muitas das vezes, a porta ficava num estado de medo, assustava-se o corrimão de acesso ao nosso andar, e nunca percebemos a razão de tanta desgraça, e se havia fome entre as caixilharias, nunca o percebemos,

Os cobertores e os espelhos da velha escada de madeira, dormiam já, eu e ela, de mão dada, tropeçávamos nas sombras que do penumbro silêncio vindo da clarabóia ia aos poucos desenhando círculos de luz no gesso em pequenas frestas que nos conduziriam até ao terceiro andar, embriagados, nós, cambaleávamos como trapezistas sobre um arame que atravessava a rua não muito larga, em frente à casa onde tínhamos um quarto alugado, havia uma igreja, ante de introduzir a chave na ranhura da fechadura, benzia-me, e perdia a Deus que me acompanhasse na derradeira viagem sobre a noite até a um quarto com uma velha cama estreita e sem janela, e um vidro sobre uma chaminé invertida, mostrava-me o céu quando rompia a manhã,

Éramos crianças com bibe no recreio da escola, quando chegava a casa, acompanhava-me a comichão do bichos do velho pinheiro, e do outro lado da rua, mesmo em frente à escola, tínhamos o mar, o cais ficava a uns quinhentos metros, e eu, em vez de olhar a professora com as explicações de geometria, preferia contemplar a felicidade dos barcos, apreciava-lhes a liberdade, e sobre o oceano, ninguém, ninguém lhes interrompia os grandes voos de gaivota de motor a diesel,

Subíamos encostados aos cordéis das esplanadas da calçada inclinada, ombro com ombro, eu amparava-te, e tu, imaginavas segurar-me a mão como dálias do mesmo canteiro olhando o sol, em pedaços de milímetro desperdiçados nos paralelos solitários, pegava-te e erguia-te, e já dentro do pequeno cubículo, despia-te, e ficava assim..., como quem observa uma tela acabada de pintar, olhava-te, e no teu corpo, escrevia poesia com o meu olhar, e com as minhas mãos, desenhava-te o mar, sentia-te respirar e sabia que estavas viva, dormias, sonhavas com carcaças de velhos petroleiros deambulando durante a noite corredor fora, debaixo de nós ouvíamos o bater de asas dos barcos em pequenos voos rasantes, éramos novos ainda

Tínhamos um bibe com pintinhas,

Brincávamos no recreio, ouvíamos as poucas migalhas que a insónia deixava em nós como acontecia com os candeeiros em alumínio debaixo da nossa janela da casa de banho, durante a noite um corredio de chinelos entre o corredor e o Hall de entrada, que muitas das vezes, a porta ficava num estado de medo, assustava-se o corrimão de acesso ao nosso andar, e nunca percebemos a razão de tanta desgraça, e se havia fome entre as caixilharias, nunca o percebemos, como hoje, não percebo o teu nome murmurado enquanto dormes, e apenas sei que o teu cabelo ocupa a minha almofada, alimenta-se dela, vive nela, como viviam as palavras engasgadas da tua garganta recheada com melódicas canções e poemas por declamar,

Estávamos no recreio, sentia a tua voz, éramos do tempo do Bar um (em Vila Real) e os dois, de bibe, ficávamos até que toda a gente se evaporasse, até que tu e eu ficávamos frente a frente, mergulhados em vapores de iodo, como velhos sonhos em velhas camas, elas, rangiam, e percebíamos que dos orgasmos delas, uma apenas almofada, guardava o perfume do teu cabelo,

A professora chamava-nos, saíamos do Bar Um e voltávamos às lições de geometria, e um dia, aprendemos que o teu corpo era como os poemas de AL Berto; quantas mais vezes os líamos, mais apetecido ele era, é, e hoje, nós, sem os bibes, limitamos-nos a

Olá, estás bom?

Olá, como estás!

Vou, vou andando...

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:28

30
Abr 13

foto: A&M ART and Photos

 

Não tenham pressa da minha presença, talvez um dia, talvez, regresse, talvez, um dia, decida levantar voo e andar, e andar, até encontrar o planalto das rochas encarnadas, não, pressa não, porque um dia, eu, regressarei dos finos cortinados de espuma,

uma camisa furtada do estendal da vizinha Amélia, as calças, são do cigano Mário Zé, especialista em auto-rádios e carros de pequena cilindrada, e eu, desiludida, contigo, comigo, connosco, e os velhos sapatos pertenciam ao primo Justino,

A cabeça balança entre as mãos frígidas dos lilases argumentos sem palavras de amor, palavras de dor, ou

não às palavras,

Havia dentro de nós circos, roulotes e malabaristas, o meu pai era trapezista e a minha mãe, entre os intervalos de bailarina esfomeada, tinha um pequeno número de ilusionismo, e

nunca me esqueci do sucesso número dela, quando me colocava dentro de uma caixa de cartão, batia as palmas, e eu

Desapareceste da minha vida naquela fatídica manhã de Sábado junto ao Tejo acabado de assassinar-se, os motivos, ainda hoje desconhecidos, morte incógnita, mas presente entre nós, e tu

Eu desaparecia, ela abria cuidadosamente a caixa de cartão, remexia, remexia, virava de um lado, mostrava o outro, e o rapaz

Desapareceu de casa de seus pais, digo, desapareceu da roulote onde vivia com os seus pais um rapaz do sexo masculino, cerca de seis anos de idade, cabelo castanho e olhos verdes, vestia calções e uma camisola antiquada, calçava umas velhas sandálias de couro, e levava na mão esquerda, sim, penso que sim, espere, não sei, quase que tenho a certeza, e levava não mão esquerda um cavalo

cavalo?

Perdão, um caderno de capa ondulada e escuro, sem imagens, apenas com palavras semeadas numa tarde de vento quando os bancos de jardim ainda tinham ripas de madeira, não podres, ripas de madeira a sério, e já agora pergunto-me – Onde raio fui eu buscar o cavalo? - há cada coisa, em cada hora, a cada momento, numa rua deserta da cidade, uma feira de velharias, uma boina de um soldado da EX-URSS, compro, não compro, pensei

deve ter piolhos,

Não comprei, depois, mostraram-me os cachimbos, compro, não compro, não comprei

lembrei-me da quantidade de saliva – Do tipo... um milímetro por segundo! - desisti

Pensei,

Vou comprar um livro,

que livro – Que tipo de livro deseja? - respondi, talvez de AL Berto

Ela, Como? Quem?

pensei, que raio, nem ela conhece o AL Berto...

Desisto, desisto, e desisti, hoje sou feliz, finalmente apareci dentro de uma das caixas de cartão que a minha mãe fez um dia, num lindo espectáculo, desaparecer, cresci algures, e o meu pai hoje não trapezista, reformou-se e vive desafogadamente com uma linda reforma da Caixa, não, não aquela de cartão onde a minha mãe me fez desaparecer, é a outra caixa, e a minha mãe, hoje, abre a janela da roulote e conta o número de comboios machos que passam em frente à árvore dos telhados bolorentos, porque os comboios fêmeas, ela, deixa-as seguir, sossegadamente, como se fossem o vento numa noite de cavalos...

cavalos?

Quais cavalos, menino?

Uma tarde, numa linda tarde, estava eu com uma das mãos prisioneira de uma das barras de ferro do portão de entrada, o quintal era enorme, tinha mangueiras, e ao fundo, nas traseiras da casa, havia um galinheiro, tínhamos galinhas, patos e pombas, às vezes, passeava-se por lá um velho triciclo, outras, escondia-se debaixo da sombra, e, e nessa linda tarde, repentinamente e no intervalo entre o depois do lanche e a chegada do meu avô, vi passar em frente a mim...

Como não sabe quem foi o poeta AL Berto?

Uma menina vestida de branco, montando um lindíssimo cavalo branco,

Tem ao menos alguma coisa do Pacheco?

ele, o cavalo olhou-me, e desde então, pertence-me, e anda dentro de mim até que um dia

Qual Pacheco? O Luiz, minha senhora, o Luiz,

que não, não sabe dessas coisas, ora agora..., um cavalo

Qual cavalo, menino?

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:13

19
Abr 13

foto: A&M ART and Photos

 

Andávamos de terra em terra, andávamos de luar em luar, éramos dois mutantes fugitivos aos arautos das marés de inverno, sonhávamos, desesperávamos-nos quando encalhávamos sobre as fragas frágeis das aldeias em flor, e tínhamos medo do dia seguinte, e quando acordávamos, continuava tudo igual ao dia de ontem, amanhã, dizem, amanhã é Sábado, levantarmos-nos não muito cedo, o duche, o pequeno-almoço, e uma torrada para o REX, tomar café, de preferência DELTA RUBY, e depois de enganar-me com as sombras de cigarros apagados desde Maio de 2012, regresso a casa, ligo o portátil e escolho o Ubuntu como Sistema Operativo, fartei-me do Windows e das suas birras, parecendo às vezes certas mulheres, chatinhas, tão chatinhas que as prefiro a elas do que a ele, mas enquanto existir o Linux não o trocarei por outro qualquer, porque há coisas inconfundíveis, incontornáveis, amores eternos, amores como o das pessoas, amores

(sou a favor do software livre e aberto a todos)

E depois de tantos amores, e depois de portátil ligado, vou à minha caixa do correio, - Levanto-me, abro a porta da biblioteca, passo pelo corredor, atravesso em bicos de pés a sala de jantar, mergulho num pequeno Hall e depois de ultrapassar a cozinha, entro definitivamente no quintal, e cerca de quinze metros depois, abro a caixa, e correio... nenhum – quem é que tinha o atrevimento de me escrever, digam-me – Quem? - só o “Fisco”,

(andávamos de abraço em abraço, andávamos de gemido em gemido)

Faço uma visita breve ao meu blogue, talvez escreva alguma coisa, depende dos sábados e do estado da caneta Parker de tinta permanente, até à data nunca ame deixou ficar mal, escreve sempre aquilo que quero e desejo, e Às vezes, até me obriga a escrever aquilo que não quero, mas ela é assim, e assim me vai acompanhar até ao fim

(fim de mim, fim de ti, ou fim de um texto qualquer ou poema)

Copiam tudo, aqueles sacanas, e de “O Medo” de AL Berto, na mão, abro-o, e verifico que é uma edição de Outubro de 1991, Contexto-Círculo de Leitores, e com o número de edição do Círculo de Leitores 3138, nada disto importa, apenas que este livro vale algum dinheiro – Talvez cento e vinte euros – mas a minha curiosidade está na contracapa onde vive um pequeno texto meu, de 9 de Maio de 1994, em Vila Real e digo ser esse o dia mais feliz da minha vida,

E reza assim,

“Não tenho medo

de estar só...

não tenho medo de morrer,

mas... sinto medo de estar vivo!

E se eu morrer,

Que seja sozinho;

tenho medo da multidão,

e sei que não estarás ao meu lado!



Claro que eu percebo estas palavras e porque as escrevi naquela data, mas já não importa, e copiam tudo, aqueles sacanas, copiam os poemas, copiam-me os textos, copiam tudo, aqueles estúpidos pássaros de bico amarelo e negros como a noite, recordo-me em miúdo de ver um em casa do meu avô, dentro de uma gaiola, e já na altura, ficava confuso ver alguém com asas dentro de um pedaço de rede, sem liberdade, apenas porque canta lindamente,

(e se um dia, um louco, fizer o mesmo comigo, isto é, construírem à minha volta uma rede invisível, onde me aprisionam, apenas porque escrevo, apenas porque gosto de ler, apenas... porque sou eu)

Andávamos de terra em terra, andávamos de luar em luar, éramos dois mutantes fugitivos aos arautos das marés de inverno, sonhávamos, desesperávamos-nos quando encalhávamos sobre as fragas frágeis das aldeias em flor, sem flores, sem janelas, depois, depois voaram-nos as palavras e os bancos de jardim com meninas de livro na mão, sentadas, cruzavam a perna, e de saia meio de chita, meio de qualquer coisa, esqueciam-se que eu era um pássaro esquecido dentro de uma gaiola numa aldeia do Concelho de S. Pedro do Sul,

(- Tens saudades minhas, meu querido amigo? - e só sei que era Sábado, e que depois de escrever qualquer coisa, deixava o portátil ligado, música em sons melódicos para os fantasmas da livraria, e antes do meio-dia, todos os Sábados, dirijo-me à barbearia do senhor António, desfazem-me a barba e venho descontraidamente almoçar, com o meu querido AL Berto sempre à minha espera, sobre uma secretária de madeira)

Uma das meninas levantou-se do banco onde estava ancorada, colocou o livro debaixo do braço, o olhar dela cruzou o meu, e hoje, hoje acompanha-me todos os dias e todas as noites dentro da roulote da alegria.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:30

02
Abr 13

foto: A&M ART and Photos

 

A demolição do meu corpo dentro do cubo de silêncio que as andorinhas constroem nas triangulares janelas da casa dos fantasmas-sombra que desde a infância vivem no quarto ao fundo do corredor, sem portas, o tecto descia até não caberem mais os medos entre o pavimento e o candeeiro retrovisor do quarto das traseiras,

Chamavas-me durante a noite para beber o leite, eu recusava-me a acordar, eu recusava-me a abrir a boca, ele recusava-se a levitar sobre o jardim das flores de corpo-doirado, durante o processo de construção, levantava-me pensando que não me levantava, por exemplo, quando hoje estava a ouvir a Antena 3 e repentinamente, entra-me no ouvido a Radio Regional de Resende, confesso, por ignorância, desconhecia a sua existência, É para dedicar? Sim, para o primo Francisco, Para o Pai Francisco, e Para o avô Francisco, E o tema... “O Malhão do Beijo – Zé Amaro”, e eu

(sabia lá quem era o Zé Amaro...)

E ainda agora desconheço a quem pertencem os pássaros que não cessam de refilar, refilam, refilam, e eu

(penso)

Será uma reunião sindical? Será uma manifestação? Não percebo, não entendo porque berram estes malditos pássaros que vivem nas árvores do jardim emprestado onde habito... sem bancos de madeira...

(dedico a todos)

A prisão do nobre silêncio às algemas dos fios de cobre que o sucateiro da esquina derreteu depois do dependurado João & João ter fanado do monte dos arbustos bravos, o telefone silenciou-se, e todos os sorrisos das câmara de vídeo perderam-se nas conferências de parvos a venderem pipocas na praça, melhor dizendo, junto aos Paços do Concelho, de meia-calça, sapato alto, e brincos de prata nas orelhas furadas como o crivo do passe-vite herdado da avó Silvina, e confesso-lhe querida senhora, ver não vi, mas pareceu-me que do outro lado da rua um senhor fugiu com um dos candeeiros de jardim estacionado junto ao largo onde passeiam elas, e mão dada, como andorinhas de Primavera,

(dedico ao meu pai, dedico à minha tia, e a todos os Membros do Governo, e já agora, para todos os desempregados...)

É tudo? Falta a frase... Pois carago... a frase... “Passos, Passos, é no sucateiro dos abraços” desde 1756, E a música? “O Malhão do Beijo – Zé Amaro”,

Muito obrigado e uma excelente tarde,

(excelente tarde, só se for para ti)

A prisão, os fios de cobre a saltarem de mão em mão, e uma Polícia Política de espada na mão à procura de palavras e canções, de textos e gravatas, palavras, paralelepípedos recheados com os olhares da calçada do João & João, rapazola sabichão, salteador de amêndoas depois de levantar voo a Páscoa

(Aleluia, Aleluia, Aleluia)

Invoquem o artigo 21 da constituição, façam-no, não tenham medo, pior do que isso é a fome e a miséria,

E agora, depois de se erguer e dirigir-se para outras paragens, resta-nos os buracos das estradas mal alcatroadas, que brevemente vão ser devidamente tapados, pois este é ano de eleições Autárquicas, e eu, pergunto-vos, Porquê?

Se eu estava descansadinho a ouvir a Antena 3, tinha não mão o livro de poemas de AL Berto “Vigílias” e entra-me casa adentro o “Malhão do Beijo – Zé Amaro”, sem que alguém tenha mexido no radio, sem que uma única alma, que eu saiba, estivesse ao meu lado, e o estupor do radio vai até Resende, veja vossemecê, Resende, ao menos ficava-se por Carrazeda de Ansiães, ou por Vila Real, ou... pelos Paços do Concelho, mas não, quis o destino que hoje eu, sem perceber porquê, conhecesse a Radio Regional de Resende, por acaso, e imagino se o AL Berto fosse vivo

E dizia-lhes

(“Cesariny e o retrato rotativo de Genet em Lisboa

ao lusco-fusco mário
quando a branca égua flutua ali ao príncipe real
as bichas visitam-nos com as suas cabeças ocas
em forma de pêndulo abrem as bocas para mostrar
restos de esperma viperino debaixo das línguas e
com o dedo esticado acusam-nos de traição

sabemos que estamos vivos ou condenados a este corpo
cela provisória do riso onde leonores e chulos
trocam cíclicos olhares de tesão e
ficamos assim parados
sem tempo
o desejo diluindo-se no escuro à espera
que um qualquer varredor da alba anuncie
o funcionamento da forca para a última erecção

lá fora mário
longe da memória lisboa ressona esquecendo
quem perdeu o barco das duas ou se aquele que caminha
será atropelado ao amanhecer ou se o soldado
que falhou o degrau do eléctrico para a ajuda fode
ou ajuda ou não ajuda e se lisboa num vão de escadas
é isto
tão triste mário sobre o tejo um apito”

AL Berto)

E dizia-lhes o quanto é difícil viver desordenadamente sem a ajuda de ninguém, como os fantasmas-sombra que habitavam a casa de Carvalhais e morreram quando ela morreu, e ruíram quando ela ruiu, e solidariamente se suicidaram, quando ela se suicidou, e no entanto, hoje vivo feliz por saber que deixei de existir, tenho um nome, apenas, e um número de contribuinte, um número que não serve para nada, que de nada me serve, apenas um número, e números tive muitos, apaixonei-me por muitos, e hoje, vivo completamente na solidão dos números, e apenas posso ter esperança no

(viva, viva o artigo 21 da Constituição)

Dia de amanhã, a mesma esperança que tinha no dia de hoje, e pergunto-me

(não devia ser inconstitucional existirem reformas abaixo de trezentos euros e abaixo de duzentos e setenta e um euros?)

Dizem-me para não repetir o que disse...

Porque isso não se diz, porque inconstitucional é a Taxa de Solidariedade, isso sim, porque não usufruir qualquer rendimento ainda não é nem será inconstitucional...

É tudo? Falta a frase... Pois carago... a frase... “Passos, Passos, é no sucateiro dos abraços” desde 1756, E a música? “O Malhão do Beijo – Zé Amaro”,

Muito obrigado e uma excelente tarde,

(excelente tarde, só se for para ti)

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:08

23
Mar 13

foto: A&M ART and Photos

 

Roubaste-me a noite e os espelhos do meu quarto nocturno

transformas-te as luzes em pontos negros de solidão

suspensos em árvores de Primavera

e sempre que uma janela se abre

um cinzento silêncio entranha-se em ti,

 

Nunca percebi quem eras

e de que material eras constituída

nunca percebi se eras de pedra

ou de água sangrenta

dos rios doentes quando morre o luar,

 

Havia um cigarro suspenso no teu olhar

quando o comboio para Belém desprendia-se do Cais do Sodré

e navegava entre esplanadas e pasteis

e putas

e chavalhos endiabrados como cavalos de batalha,

 

Entravas na água salgada pelos ventos em rochedos de insónia

e um imaginário corredor de prata

sombreava-te as nádegas e as coxas e os seios

que a areia desenhava

e o mar engolia como morcegos dentro da gruta húmida da tempestade,

 

Havia sempre noite

e sabia-te ensanguentada nas mortalhas dos orgasmos infindáveis

que os poemas de AL Berto provocavam em nós

olhávamos o rio e os barcos e a outra cidade

quando se encolhia na neblina dos fins de tarde,

 

E os cigarros morriam nas flores dos jardins em plantio

às palavras pedíamos perdão

e sílabas de sabor adocicado como as mulheres que dançavam sobre as mesas da noite

desciam em cordas de suor

até encontrarmos os beijos prometidos...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:43

20
Mar 13

Havia o corredor de silêncio quando ela se vestia de palavras e caminhava, corria, caminhava, corria até que aos poucos, devagarinho, as luzes suspensas no tecto falso, ensurdeciam, enlouqueciam, e do vermelho abrupto sussurro das transversais linhas com poemas de areia, voavam, voavam até desaparecerem no final do corredor, a mulher, desesperava-se com a lentidão dos relógios e dos calendários, os dias tinham parado, e as horas e os minutos e os segundos,

Enlouqueciam como as lâmpadas de halogênio que vieram de regresso da plataforma número três com carris de xisto, socalcos mergulhavam na sombra do Douro, homens e mulheres, comendo sandes mal passadas, pedaços de pão, chouriço, e claro, vinho, com a água que Deus envia de vez em quando, e por incrível que pareça, misturam-se, abraçam-se

Como dois amantes, loucamente entrelaçados, sós, eles, tal com Deus os desenhou nas ardósias húmidas das tardes sem Primavera, lá dentro, o palheiro vazio, uma cama nua e despida de preconceito, mistura-se-lhe nas pequenas mãos de linho, o algodão transpira na camisa adquirida num estilista famoso que o cigano André vendia a cinco Euros, e num dos cantos do palheiro, pequenas palhinhas de desejo a iluminarem os espaço prestes a ser inaugurado entre dois sexos vazios, dois sexos que partilham cada milímetro de sombra que desce do tecto com ripas de madeira, eles amam-se e misturam-se-lhe das grandes asas do ciúme

Adeus meu querido,

Amo-te,

E havia o corredor, sem portas nem janelas, apenas com um tecto falso, baixo, a luz fingia-se viva quando todos sabíamos que as lâmpadas de halogênio estavam mortas, como mortas estavam as frases inscritas nas paredes de gesso, e havia

Alegria muita alegria, felizes todas e elas, felizes as flores e eles, felizes, felizes, não felizes,

Aposto tudo em

Não felizes,

Mais ninguém aposta? Vou lançar os dados, e...

Ganhou

Ganhei, ganhei, não felizes, palpitava-me, sabia-o como sempre soube desde que nasceu este pequeno monstro com braços de aços e esqueleto laminado a frio de uma liga de carbono e ferro, e às vezes, uma pequeno dor de coluna, que quando saia de casa e se queixava, ouvia a dona Amélia

Ai vizinho, esse chiadouro nas cruzes, até parecem dobradiças com insónias,

E

Não

Eram,

Qual insónia?

Sabes, meu querido? Não, como posso saber se não me disseste o que era,

Medo,

Tens medo, medo de quê?

Do amor, da paixão, e das loucas gaivotas quando devoram o mar durante a noite, enquanto dormimos, desculpa, enquanto eu durmo, tu nunca dormes, porque tu não existes, porque tu,

Sou um corredor do corredor de silêncio quando ela se vestia de palavras e caminhava, corria, caminhava, corria até que aos poucos, devagarinho, as luzes suspensas no tecto falso, ensurdeciam, enlouqueciam, e do vermelho abrupto sussurro das transversais linhas com poemas de areia, voavam, voavam até desaparecerem no final do corredor, a mulher, desesperava-se com a lentidão dos relógios e dos calendários, os dias tinham parado, e as horas e os minutos e os segundos, e eu, e ele, e todos os nossos móveis deixavam de fazer sentido, pareciam velhos, e não o eram, pareciam vermelhos, e eram azuis, tinham o Céu desenhado com estrelas de chumbo, e não tinham nada, afinal não era o Céu, nem as estrelas, nem o chumbo, apenas a humidade no tecto devido às infiltrações do vizinho de cima, por baixo de nós vivia um casal de submarinos, também eles, velhos e sós, também eles, estátuas onde pássaros mal educados cagavam sobre as deles pobres cabeças de bronze

Nunca quis ser estátua,

Nem altar onde se ajoelhassem mulheres a rezarem, a pedirem-me coisas, e pergunto-me

O que teria um desgraçado de um desempregado para oferecer?

Por favor

Procurar outro santo,

Porque eu,

Desisto,

Porque eu

Não estou disponível para negociações, porque eu

Nada

Nunca,

Porque meu querido

AL Berto

E companhia limitada,

Se o Pacheco estivesse vivo

Di-lo-ia

Amigos, estamos todos fodidos e mal pagos.

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:18

15
Mar 13

Sentavas-te sobre o vento, e iluminavas-me com aquele olhar frio, distante, híbrido, e humidamente longo... como todas as noites de Inverno, e como todas as lâmpadas semeadas pelo amor nos campos agrestes que as minhas mãos transportam, ouvia-te sabendo que te inventava, e sentia-o, e ouvia-o, percebendo que as manhã do meu sorriso tinham cessado de crescer, e mentia-te, e mentia-te quando dizia-te

Amo-te,

Sabendo-o que não, que nunca

Vi o mar e os barcos da Primavera,

E mesmo assim,

Dizia-te,

Amo-te, como amava as palavras do caderno negro, e mesmo assim, fabricava a morte em trista e seis prestações, suavemente..., até que um velho esqueleto de vidro,

Pumba... uma pedra de desejo estilhaçara-o, todo ele, como ele com os vidros do recreio na escola, pum..., e dizias-me

Amo-te,

Mentira, sabendo-a deitada dentro de uma laranja com circulares rodelas, simplesmente sós, simplesmente elas, todas, nas sílabas de Deus, quando acordava ela benzia-se e repetidamente

Obrigado meu Deus por mais um dia...

Um? E se o dia não terminar nunca? Contentavas-te apenas com um simples dia? Pobre, miserável, tépidamente como a água da chuva no interior de um velho conta-gotas, e inventavas o sono só para nós, e inventavas

A palavra amo-te, suavemente em trinta e seis prestações,

Anoitecia, escondiam-se-me as coisas moribundas que a montanha com coração de granito suspirava sobre as nádegas das canções que cantavas

Apenas para me embalar,

E inventavas-me dentro do sono, adormeceste, eu no teu colo, e pum... caí dos teus braços, e separei-me do teu honesto cansaço, choraste, tiveste medo por mim..., e rezaste, para quê? Talvez já tivesse partido, voado, dormido como dormem os longos sorrisos de orvalho, quando abrias a janela, e gritavas

Roubaram-nos o mar, roubaram...

E claro que nunca tivemos mar perto de nós, e claro que nunca vimos o mar, e claro..., pum... e tropeçamos nos paralelepípedos da saudade, dos relógios sem ponteiros, e das roldanas que faziam descer e levantar

O dia,

A noite,

E todas

Poucas

Coisas que tivemos, e perdemos, suavemente o amor em trinta e seis suaves

Palavras

Prestações com acesso ao sótão dos sonhos, inventavas-me o sono, e eu

E ele dizia-se-me em total liberdade, e fugia das palavras e dos sentidos obrigatórios das ruas da cidade empalidecida com as nuvens que eu lhe inventava, corria, não dormia

Sofrias de insónia?

Sabendo nunca que não dormia porque os holofotes com dentadura postiça magoavam-no, e ele dizia-se filho de um Deus esquisito, e com aspecto pérfido como as loucas salivas das bocas bocejando entre o pequeno-almoço e o jantar, dispensava o lanche, e o exame a matemática

E desde pequeno aprendeu a chorar, lágrimas verdadeiras, não as fingidas, nãos as invisíveis que se vêem como um fio de luz, depois de encerrada a janela, e

Palavras, poucas, como os teus lábios misturados no encarnado som da lua que a noite deixa ficar sobre os lençóis da paixão, inventavas-me, e inventaste o sono, e depois, o que ganhaste com

Isso, sim... o que ganhaste com essa invenção de sucesso?

A minha miséria? A vida de tédio que carrego num esqueleto frágil “cuidado”...

Entre a insónia e o desejo de existir, estar, voar, serás pássaro? Ou simplesmente nuvens livres sobre o mar..., apetece-me um cigarro de música ou um cachimbo de poesia, apetece-me ouvir-te, como deixei de o fazer sem perceber porquê

“Partir em caso de emergência”

Porquê, e parti-te como se partem os vidros dos jazigos que habitam nas cidades de espuma, e preciso tanto de ouvir-te, que perdi o sentido da tua voz, mesmo sabendo que já não pertences ao real, mas os teus livros, mas a tua voz, oiço-a sempre que posso, e nunca me canso de ouvir-te

Querido AL Berto, como ainda recordo as mangueiras de Luanda e a Baía e o Mussulo, adormeço, e oiço-vos, e vejo-vos, todos, a brincar nos sonhos de um menino que deixou de acreditar no amor

E nunca, nunca se cansou de ouvir-te.

 

(ficção não revisto)

Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:03

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