Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

17
Dez 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Aqui sei que me esperas como janelas envenenadas

aqui sei que me amas

e desejas

sempre que o cortinado tomba e dele se derrama o líquido chamado de solidão...

aqui tenho-te dentro de mim

aqui sou eu

aqui... aqui somos livres de amar

desejar

possuir esqueletos com asas em papel

e és gira com vestidos de napa

derretida nos límpidos tecidos do teu insignificante corpo encurvado

ao leme o velho monstro de quatro cabeças...

 

Confessas-me que tens velas de seda

… e desejas tanto o vento como a sombra da minha mão...

vaidosa

pareces uma pomba com sandálias de porcelana

Princesa

invejosa...

 

Aqui confundo-me com as árvores envelhecidas

onde poisam pássaros recheados de reumatismo

e bicos de papagaio...

aqui sou feliz

aqui

aqui vivo percebendo que a vida é uma roldana

uma velha roda dentada

gasta

sem dentes

sem nada

aqui sei que me esperas como janelas envenenadas

e quando desce a lua sobre os teus seios... apenas oiço o suspiro das calçadas

 

Aqui já fui o Príncipe das Avenidas gastas

o velho escorpião dos bares nocturnos do prazer

aqui fui o velho marinheiro

o cachimbo de água do confuso poeta escritor aldrabão e impostor...

aqui vivo

e aqui morrerei como uma serpente enrolada no pescoço da saudade

 

Aqui

aqui... serei o teu cadáver depois de travestido em fúnebre jarra parda com flores plastificadas

cansadas e tristes e aqui...

aqui... perdi-me de ti enquanto voavam as gaivotas dos círios cabelos castanhos da montanha.

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 17 de Dezembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:57

28
Jul 13

foto de: Francisco Luís Fontinha

 

Um silêncio de espuma com sabor a areia branca, o mar, as gaivotas poisadas em mastros invisíveis, brincando, correndo, sentado, inventando..., sonhando com um ferrugento triciclo com assento em madeira, pobre, apodrecida, um silêncio de espuma, saltitando os círculos da infância, com sabor a areia branca,

Mentiras descendo a calçada, abraços, como velhos guindastes de aço, perdidos entre a cidade dos vidros, mentiras, correndo, dançando, brincando como as crianças, que somos, ontem, que fomos, hoje, doces, vaidades imperfeitas, de espuma, os olhos brilhando entre mim e a minha pobre sombra, a criança, eu, imagino papagaios em papel descendo a calçada

As mentiras?

Também, como eles, chegando até mim, cansados, fartos de me ver pendurado na nuvem número cinco do primeiro andar esquerdo, as escadas, muitas, cansadas, assobiavam como quando eu imaginava acariciar-te a pele de luminosidade sonsa, insossa, acabada de transcrever as últimas palavras de ti, o teclado preso nas minhas mãos, o papel prendia-se-me nos dedos, e eu

Nada fazia, em vez de tentar libertar-me..., sonhava beijar-te debaixo das acácias em flor, e eu, nada, fértil, as palavras deambulando sobre a velhíssima máquina de escrever, o teu corpo transpirava de prazer, a fita prendia-se nos teus seios, brotava pingos de tinta, o preto e o vermelho, misturavam-se nas janelas do palheiro de Carvalhais, ouvíamos um som esquisito, tonto, como as pedras descendo violentamente a montanha do Adeus, eu, eu desejava-te no meio de toda aquela canalhada porcaria de velharias, máquina de escrever sobre o teu peito, o zurrar da Singer comendo pedaços de tecido, os livros, esses, chorando como crianças, que fomos e que éramos, um dia seremos como os cacos cerâmicos que brincam na nossa sala de jantar, um dia, um dia

Tu e eu,

Seremos os espelhos desprovidos de quaisquer imagem nocturna, o preto e o vermelho, sobre o teu corpo, a fita desenrolada da máquina de escrever, o teclado, esse, mais pezorro do que as tuas coxas de rosa perfumada, deixavas o papel entalado na ranhura, batíamos as teclas como se estivéssemos a destruir a espessa e dura casca da amêndoa encontrada no sótão da casa que tínhamos inventado dentro de nós,

Tu e eu?

Nunca,

Tu e eu, dentro do silêncio de espuma com sabor a areia branca, o mar, as gaivotas poisadas em mastros invisíveis, brincando, correndo, sentado, inventando..., sonhando com um ferrugento triciclo com assento em madeira, pobre, apodrecida, um silêncio de espuma, saltitando os círculos da infância, com sabor a areia branca, eu, a criança brincando com a máquina de escrever que mais tarde, muitos anos depois, me foi oferecida, o teclado teus seios rangiam durante a ténue luz do quarto nu embebido no divã com a colcha azul com flores em sorrisos doirado, o papel, na ranhura, amarrotado, como hoje, a pele do teu corpo, deitado, sobre uma das prateleiras da biblioteca, estás misturada em três partes de ti e uma de livro, pareces o inferno quando corríamos calçada abaixo, quando o teclado de ti escrevia palavras lindas, como imagens a preto-e-branco, sempre, sempre antes de acordar o pôr-do-sol...

Tu, e, eu,

Nunca.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:28

24
Jul 13

Desenho de: Francisco Luís Fontinha

 

Há uma cidade com janelas de vidro

tem ruas e pessoas

há uma cidade com jardins invisíveis

e marés transparentes... que nem todas as pessoas

as pessoas dessa cidade

… há uma cidade

que nem todas as conseguem olhar

como persianas marteladas em papel hortelã,

 

Há marinheiros

filhos da cidade

vagabundos dos mares inavegáveis como rochas íngremes nas estradas de brincar...

há uma pobre cidade com braços de porcelana

e palmeiras

e pássaros...

há uma cidade em penumbras madrugadas

uma cidade embriagada,

 

Há uma cidade que renasceu do teu olhar sobre a ponte inoxidável...

uma cidade com seios prateados e coxas de plátano...

há conversas perdidas nas sombras desta cidade

uma cidade com beijos de lábios em néon imaginário

e pássaros

e palmeiras

há uma cidade com janelas de vidro

e toalhas de linho... sobre a mesa nocturna dos sexos débeis das flores perdidas na calçada...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:37

23
Mai 11

Chove torrencialmente e na rua as pedras transpiram pelas frestas da calçada, um roedor espreita-me de relance à entrada da sarjeta e tira-me as medidas, 1,75 m e 72 kg, estás tão magro Francisco, eu magro, não, sempre fui assim, e sempre fui assim, o roedor fixou-se em mim, não me admira, às vezes pergunto-me se eu terei mel porque as abelhas sempre à minha volta, e eu não flor, eu não mel, eu uma árvore onde poisam pássaros e cagam nos meus braços, sempre fui assim, os pássaros sempre adoraram cagar sobre as folhas que cobrem o meu tronco, já fizeste alguma coisa hoje, não nada, isto tá fodido é a crise, eu bem estendo as mãos mas as mãos sempre vazias, qualquer coisinha para comer, vai trabalhar pá, amigo ao menos um cigarrinho, vai-te foder, e eu vou à procura do abrigo das platibandas, e enquanto vou eu fornicado, perco os clientes que correm apressadamente e fogem dos pingos que a tarde constrói nos ponteiros do relógio, isto tá mesmo fodido hoje só cinco euros, e não dá para nada…

 

Chove, chove e eu não me dou conta, eu tão magro que os pingos atravessam o meu corpo como se eu fosse um passe-vite enferrujado e pendurado nas paredes da cozinha comidas pelo tempo, a cozinha vazia, não cozinha, a cozinha à minha espera, e eu entro em casa e vou directo ao quarto, deito-me sobre a cama, o meu corpo parece um objecto que acaba de sair da água, o meu corpo suspenso nos olhos do roedor, estás tão magro Francisco, eu magro, não, sempre fui assim, e sempre fui assim, e nas pedras da rua vejo o silêncio do meu corpo e a ausência das minhas mãos, hoje tá fodido, é a crise, só ainda fiz cinco euros, e eu nem isso amigo, hoje nem isso…hoje os pingos que a tarde constrói nos ponteiros do relógio.

 

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

23 de Maio de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 14:23

07
Abr 11

O peso do meu corpo evapora-se por entre o fumo do meu cigarro, sinto-me aos poucos levitar por entre as águas de um velho com lágrimas, e no seu rosto poisa a minha mão, peço-lhe ajuda, e na calçada a minha sombra percorrendo as tasquinhas pedindo esmola, eu descalço, eu sem roupa vagueando junto ao Tejo, chamam-me do rio que desaparece ao fundo da calçada, na esquina o meu corpo transformado em vapor, suores numa madrugada de Agosto, o frio entra-me nos ossos e adormece os meus olhos, e perco a noção de beleza.

Odeio as flores.

Odeio o mar.

Odeio o rio que aos poucos me viu nascer e ainda hoje espera por mim junto à calçada.

Odeio as gaivotas e os livros e odeio a poesia e a literatura.

O peso do meu corpo evapora-se por entre o fumo do meu cigarro, sinto-me aos poucos levitar na mão de um mendigo, percorro as tasquinhas pedindo esmola, e da ajuda apenas me vem à lembrança os paralelos da calçada e um candeeiro na esquina junto ao museu dos coches.

Odeio as flores.

 

 

(texto de ficção)

FLRF

7 de Abril de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:14

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