Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

16
Mar 12

Quando o céu se esconde na montanha

E na cidade

Entre as ruas em ruinas

Uma criança

Uma criança em lágrimas

Um candeeiro plantado no centro do passeio

Descendo a calçada

De olhar vazio

Dentro do rio

Um barco desgovernado

Nos seios da neblina

Quando o céu se esconde na montanha

 

Quando a noite

(E na cidade

A prostituta cansada

Doente)

Quando a noite dorme profundamente nos seios da neblina

E a prostituta contente

Engata o candeeiro plantado no centro do passeio

Como medo

Sem asseio

 

E na cidade

A prostituta cansada

Doente

Afaga o cabelo da criança em lágrimas

Procura os cigarros na algibeira

E finge caminhar junto ao mar

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:47

24
Ago 11

Anoitecias nos meus braços

Era eu criança

E sabia que vinhas buscar-me – Monstro das três cabeças

O silício da noite

E nos meus tornozelos enrolavas um cordel

E puxavas e puxavas e puxavas

Era eu criança

E a tua sombra pesava e pesava e pesava

Anoitecias nos meus braços

E eu achava-te graça

Sorria

E nunca tive medo dos teus olhos

 

Às vezes chovia

Anoitecias nos meus braços

E puxavas e puxavas e puxavas

O silêncio do dia

 

Às vezes trazias-me o cacimbo do entardecer

Anoitecias nos meus braços

E puxavas e puxavas e puxavas

O dia a morrer

 

Anoitecias nos meus braços

Era eu criança

E sabia que vinhas buscar-me – Monstro das três cabeças

O silício da noite

E puxavas e puxavas e puxavas

Os meus braços

E puxavas e puxavas e puxavas

Era eu criança

Criança em cansaços

E noitecias em mim

E chovia e chovia e chovia

E acordava o dia

 

E brincava no jardim

Anoitecias nos meus braços

Mostro de cetim

Era eu criança à sombra dos palhaços

 

Deitado no capim

Anoitecias nos meus braços

Era eu criança

E puxavas e puxavas e puxavas

O dia que acordava

Era eu criança

E adormecias nos meus braços

E eu te beijava e beijava e beijava…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:05

14
Ago 11

Das mãos de uma criança

Uma rosa em flor

Em cada dia a esperança

Na dor que lança

 

A espada do amor

Os sonhos agarrados à almofada

Das mãos de uma criança

Uma rosa em flor

 

Um sorriso inocente na madrugada

A gaivota que não se cansa de brincar

Das mãos de uma criança magoada

Esconde-se da manhã o mar…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:55

05
Ago 11

Vai o mar

E não volta

Em teus lábios de beijar

O sorriso da gaivota,

 

Em tua mão eu poisar

O meu silêncio neblina

Regressa o mar

Ao teu corpo de menina,

 

Vai o mar

E não volta

E se evapora ao acordar,

 

E do vento amanhecer

Grita no areal a revolta

A criança a sofrer…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 09:33

15
Jun 11

As enciclopédias hoje em dia são digitais; as estrangeiras podem escrever elas próprias o kamasutra ... resta-te os quadros. Pronto, agarra nas telas e pincéis, e tenta a sorte.

E a sorte procura-se nas ruas da cidade, junto aos candeeiros a petróleo, a sombra inimiga da solidão, o desespero disperso da manhã quando o automóvel se engasga e do semáforo incendeiam-se as cinzas de um cigarro pendurado nos lábios, a bicicleta embalada pela mão de uma criança cansada, o percorrer da linha do Tua a pé apenas para dar um beijo à mãe,

 

- As fraldas de pano embebidas no cocó quando depois das chuvas o musseque desprendia-se das lágrimas da tarde, o capim amaciava-lhe as pernas tenras e nas mãos o cheiro a mar, os pássaros que lhe poisavam e se afogavam nos gritos da dor, no triciclo uma das pombas em bicadas ao acento de madeira, os calções desciam-lhe lentamente até ancorarem nos tornozelos,

 

Os pincéis agachados dentro de uma lata de refrigerante, as tintas camufladas nos tubos a rastejarem como se fossem soldados, crianças que enganam o tempo a desenhar na terra húmida bonecos de cetim, a mãe à espera da chegada do filho, e ele, ele em peripécias no antigo Congo Belga, nas cartas frases mínimas, beijos, estou bem, regresso depois de morreres,

 

- Em bicadas ao acento de madeira, as estrangeiras poisam a roupa no sorriso das gaivotas, nuas encostam-se à tela, riscos sobrepõem-se e nascem poemas à beira mar, as fraldas de pano embebidas no cocó e na alcofa um pequeníssimo rádio a pilhas semeando palavras sobre os lençóis, o bebé de olhos verdes no colo do pai que pausadamente caminha pela linha do comboio e na mão, na mão a bicicleta a pedal, os sapatos desgastados e nus, buraquinhos junto às fivelas, e o vale do Tua aos poucos mergulha na escuridão,

 

As enciclopédias hoje em dia são digitais; as estrangeiras podem escrever elas próprias o kamasutra ... resta-te os quadros. Pronto, agarra nas telas e pincéis, e tenta a sorte, resta-te o fim da vida, resta-te o corpo desossado e mergulhado no telhado de um casebre, resta-te a paisagem que dorme dentro de ti, resta-te as ruas silenciosas de Luanda, resta-te…, resta-te a baía de Luanda onde te vais sentar e olhar o mar.

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

15 de Junho de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:02

05
Jun 11

Mãe, as dálias emagrecem, porquê mãe, e o senhor cansado de olho no rapaz que se pendurava na cerejeira, espreitava-o pelos buraquinhos dos ramos, o miúdo mais parecido com um primata, galgava até ao céu os braços da árvore aprisionada ao chão do quintal. Um cão corpulento suspirava na sombra de uma bananeira, e o senhor cansado de enxada na mão gritava com o miúdo, a professora de cana-da-índia em vergastas nas orelhas dos desatentos, o miúdo empoleirado no telhado, e das cerejas acordavam silêncios, tremiam-lhe as pernas, as mãos começavam a descansar e os ramos aos poucos ficavam esquecidos, o miúdo na rua da frente e os ramos na retaguarda, o senhor cansado enfurecido com os óculos e de cigarro ao canto do lábio,

 

- Desce já malvado

 

Malvado seja Deus, e o miúdo em dois passos a trás, toma balanço, e num salto de lince começa a voar e aterra precisamente junto ao cão corpulento, estou safo diz ele, aqui o velho nunca me vai fazer mal,

 

- E agora apanhei-te seu malandro

 

Era o apanhas, deu corda às sapatilhas e nunca mais ninguém o viu, as dálias emagrecem, e porquê mãe, e o velho enraivecido começa a perseguir a sombra do miúdo, mas a distância começa a envolver-se com a tarde, as calças começam a descer-lhe até aos tornozelos, e a enxada agarra-se aos torrões espalhados pelo quintal, suspira,

 

- Desisto… não consigo correr mais

 

O cigarro desfaz-se e um dos dentes sorrateiramente trinca o lábio, as dálias olham-no e conforme o movimento dos ponteiros do relógio de braços abertos na parede da cozinha, as dálias diminuem e tornam-se invisíveis, escondem-se nos calções do miúdo em fuga, e porquê mãe, porque emagrecem as dálias, o corpulento cão faz troça da figura do velho, calças descidas e pernas a afagar o senhor cansado, e pensava, maldito miúdo, grande malandro,

 

- A terra é de quem a trabalha, mas o fruto, o fruto é de quem o colhe,

 

Maldito miúdo.

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

5 de Junho de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:24

01
Jun 11

Também eu fui criança, fazia desenhos na terra e escrevia nas paredes da casa, construía papagaios de papel, deitava-me de barriga para o ar, e sonhava, e nas mangueiras via nuvens que aumentavam e diminuíam de tamanho, adormecia, corria no quintal como se fosse uma gaivota, e no céu, no céu pássaros em roncos acelerados rumo ao aeroporto, escrevia frases nas paredes da casa, um Marxista em construção, e nos tempos livres, quando os tinha, nos tempos livres enfiava pregos nas tomadas da cozinha,

 

- O meu cabelo parecia um ouriço-cacheiro, e da ponta dos dedinhos até à cabeleira um formigueiro de abelhas caminhando dentro de mim, e eu criança, e eu sem perceber o significado de electrões, as minhas mãos tremiam e nos lábios penduravam-se silêncios de fim de tarde,

 

E nos tempos livres enfiava pregos nas tomadas da cozinha, agarrava-me ao pescoço da minha mãe e chorava, tinha medo do mar não medo do mar do Mussulo, no Mussulo não lágrimas, sorrisos que se perdiam no areal, e hoje, e hoje como será a ilha do Mussulo, estará mais gorda, será que emagreceu?

 

- E hoje eu não criança, hoje um fantasma enrolado num pano negro, com asas de linho e boca de cacimbo, hoje uma cangalhada de ossos cansados de bater nas portas, e das portas o amontoado de corredores que procuram os ponteiros do relógio, depois da meia-noite eu já não criança, sem triciclo, sem quintal onde pastavam rebanhos de mangueiras, e depois da meia-noite termina o meu sonho, depois da meia-noite sentado junto ao rio, fumo cigarros que me fazem engasgar e de dentro de mim pedacinhos de lua cuspidos contra as árvores,

 

Também eu fui criança, fazia desenhos na terra e escrevia nas paredes da casa, construía papagaios de papel, passeava umas sandálias de couro e nos calções um boneco que nunca me deixava sozinho, parecia uma sombra a correr como Mercedes-Unimog em direcção ao Grafanil, filas intermináveis, e porquê, e porquê deixei de ser criança…

 

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

1 de Junho de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:02

05
Mai 11

 

 

Eu, um perfeito idiota de crucifixo ao peito, pulseirinha nos braços e um anel, eu, um perfeito idiota de chapéu na cabeça em pose de puta à espera de engate com dois dentinhos e sorriso de merda; o meu retrato.

 

- Ri-se de quê este palhaço?

 

Ri-se de quê este palhaço, eu, um perfeito idiota, perdido nas cânforas manhãs adormecidas da cidade, deambulando pelas ruas com um cordel na mão que suspende um papagaio de papel e com um sorriso espanta as gaivotas junto ao mar, eu, um perfeito idiota, eu sentado junto à estátua da Maria da Fonte, e hoje, hoje não sei o que é, ri-se de quê este palhaço,

 

- Eu, um perfeito idiota de crucifixo ao peito, pulseirinha nos braços e um anel, e hoje não crucifixo, e hoje não pulseiras, e hoje não anel, e hoje não sorriso, hoje à espera da chegada da maré e me leve para o infinito ao encontro de duas rectas paralelas, carris em perfeito estado de desolação, cansados, carruagens em desassossego que esperam transeuntes complicados, fodidos como eu com a vida,

 

E a vida ri-se de quê este palhaço, desempregado, fodido, humilhado, crucificado na freguesia do Carmo numa manhã de nevoeiro, as galinhas na capoeira, e as pombas deitadas no cansaço das galinhas, e ela, e ela encostada às mangueiras que faziam sombra sobre o meu quintal, não chove, ri-se de quê este palhaço deitado no capim e com medo do regresso, e porquê, e porquê me trouxeram, eu morto, eu enterrado, eu à espera do paquete, e como eu teria desejado que se afundasse na passagem do equador,

 

- Eu, um perfeito idiota de crucifixo ao peito, pulseirinha nos braços e um anel, empoleirado nas grades do navio, e ao longe, ao longe o meu triciclo que ficou lá, ao longe um papagaio de papel em brincadeiras na chuva,

 

Ri-se de quê este palhaço?

 

E a chuva a fugir-me, e a chuva a esconder-se na minha mão, e a minha mão encostada à mesinha, e pergunto, e pergunto-me,

 

- Ri-se de quê este palhaço?

 

O meu retrato.

 

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

5 de Maio de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:38

26
Abr 11

Uma criança imaginária

Brinca num sorriso imaginário

As mãos cobertas de pétalas encarnadas

Que poisam nos lábios imaginários

 

No teu rosto imaginário.

Uma criança espera pela partida do paquete

Num mar imaginário

Rumo ao continente perdido no oceano

 

Imaginário.

E eu uma sombra imaginária

Aguardo pela chegada da primavera

Que trazem pássaros imaginários…

 

 

FLRF

26 de Abril de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 10:37

16
Abr 11

Adormeço no teu olhar

E em tuas mãos o meu silêncio quero esconder,

Pego num livro de Gedeão

E perco-me no tempo,

Sem medo de viver

Sem pressa de amar,

Como um foguetão

Em movimento...

Uma criança a brincar.

 

Adormeço no teu olhar

Amanhecer sem madrugada,

Rosas que o vento faz brilhar

Na minha mão cansada.

 

Adormeço no teu olhar

Meu amor na alvorada,

Brincar,

Sorrir,

Nos teus braços adormecer

Quando não consegues dormir,

Sonhar que estás despida, cansada

De sofrer..

 

Adormeço no teu olhar

Nas manhãs de movimento,

O tempo a girar

Nas minhas asas de vento.

 

Adormeço no teu olhar

Sem pressa de acordar,

E sempre ao teu lado

Em sonho ou pensamento,

Ou na cama deitado

Tu... És o meu alimento.

 

 

Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:10

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