Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

26
Set 13

foto de: A&M ART and Photos

 

as coisas sem nome

que absorvem o meu cansaço

as coisas longínquas entre pedaços de esperma

e insignificantes abraços

 

as coisas sem nome

que vivem tristemente no silêncio da neblina

à coisa pouca que o meu olhar ilumina...

as coisas que tu escondes

os nomes que inventas nas páginas de um livro

as letras doentes

às letras dormentes

sofredoras no peito da paixão

as coisas mortas e mornas

quando a lareira dos teus lábios

desce às profundezas da demência...

e um corpo amorfo flutua no tecto da noite embriagada

 

as coisas sem nome

as coisas disfarçadas de fome

que vivem e sobrevivem às tempestades dos abraços

em laços

sem nome

as coisas

as coisas imperfeitas dos muros da cidade dos queijos...

as coisas das coisas em planícies agrestes

 

os beijos

das coisas

em coisas...

caminhos pedestres

bocas magoadas

inchadas

dos fumos cinzentos das plantas sem nome

as coisas das coisas em coisas às coisas com fome

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 26 de Setembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:20

31
Jan 13

Uma casa com quatro janelas voava sobre a manhã apodrecida que do Douro acordava, devagarinho, e aos poucos, pedaços milímetros de saudade subiam os pinheiros vadios e os pássaros bebés brincavam solitariamente com minhocas e azeitonas em compota, eu ainda não era nascido, e dizia-se baixinho que as paredes tinham ouvidos,

O vento era tão forte naquela manhã que tivemos de nos acorrentar aos poucos muros em xisto que sobejaram das tempestades de areia vindas do outro lado da rua, o quintal benzia-se e rezava, e um crucifixo de areia prendia-se voluntariamente a uma árvore enfeitiçada pelo silêncio do amor proibido, havia claridade suficiente para que eles se vestissem e zarpassem como barcos encapuçados fugindo da polícia politica que o Estado tinha inventado, e eu que ainda não era nascido não podia dizer que o Presidente do Conselho era

“Um grande filho da puta”,

Às vezes tinha medo da escuridão quando caia a noite em Luanda, olhava o céu nocturno e sentia os limites entre quatro parêntesis e a casa da aldeia com quatro janelas, em círculos procurava os ouvidos das paredes, e em vão

Nada, nunca os vi, mas apercebia-me que às vezes em nossa casa os adultos conversavam baixinho, e muito devagar, eu questionava-os, e eles diziam que eram conversas de adultos, perguntava-lhes porque só eu é que jantava e eles

Não temos fome,

Curiosamente, nunca tinham fome, e curiosamente hoje percebo que o faziam para que o jantar chegasse para mim, e eu que ainda não era nascido não podia dizer que o Presidente do Conselho era

“Um grande filho da puta”,

Como todos os Presidentes do Conselho de todas as ditaduras, e curiosamente

Não temos fome meu filho,

Mergulhávamos sonambulamente nos barcos com algarismos pintados com restos de tinta que uma lata de sardinhas trazia na algibeira, e quase tenho a certeza que o mar queria comer-nos, mas nós éramos fortes e estávamos acorrentados a um fio invisível de aço que prendia-nos a tenda de lona ao muro anão de xisto com artrose e percebia-se que da coluna vertebral vinha um perfume estranho, como as palavras que o rio reflectia antes de chegarmos ao mar, e a chuva tomava conta de nós, e a chuva misturava-se nas garras dos senhores residentes do Conselhos de todas as ditaduras, os assassinos

Também amam e sofrem de desamor, respondiam-nos eles quando viemos encaixotados dentro de uma casa com quatro janelas, atravessamos o oceano como pássaros dentro de uma gaiola de vidro, e quando regressava a noite eu ouvia-os

Não temos fome,

E eu sabia que tinham, e eu sabia que a casa com quatro janelas de vidro voava sobre a manhã apodrecida que do Douro acordava, devagarinho, e aos poucos, pedaços milímetros de saudade subiam os pinheiros vadios e os pássaros bebés brincavam solitariamente com minhocas e azeitonas em compota, eu ainda não era nascido, e dizia-se baixinho que as paredes tinham ouvidos,

E hoje sei que tinham, e hoje ainda têm,

Quatro janelas e voam sobre o Douro.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:40

05
Dez 12

As veias que não tenho

porque vendi-as para comer

as mãos que me tremem

porque também as vendi

não para comer

apenas porque senti

vontade

desejo

de deixar de escrever

morrer caminhando suavemente sobre a neve invisível

que desce a montanha

as veias que não tenho

e que ninguém amanha

estas palavras poucas

ou loucas

bocas em revolta

que este povo apanha

porrada

desemprego

fome

medo

medo de quê?

revolta-te se ainda tens veias

revolta-te se ainda não vendeste as tuas veias

para comer

para escrever

ou simplesmente para amar

mas revolta-te por favor

revolta-te homem do mar...

medo de quê?

porrada

desemprego

fome

medo

medo de quê?

não há medo que adormeça um homem

não há palavras que acorrentem os braços do homem

que não se deixa adormecer

pelo medo

pela fome

medo de quê?

revolta-te homem.

 

(não revisto)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:39

25
Out 12

Diziam que ele atravessava as paredes da insónia

quando os holofotes da fome desciam sobre o leito de madeira

e pedacinhos de xisto embrulhados em lágrimas de incenso,

 

Havia frestas nos silêncios pegajosos dos beijos em construção

desmesuradamente cansados da ausência tempestuosa dos sorrisos envergonhados

das rosas vermelhas em perfume cintilante com bolinhas cor de amêndoa,

 

Diziam que ele conversava com as sombras da cidade

e bebia o suor do rio solitário escondido nas ilhargas flutuantes do sono,

 

Diziam que ele era homem em corpo de mulher

à procura dos paralelepípedos da Ajuda

e cerrava os olhos

e escondia as lágrimas dentro da neblina do primeiro amor...

 

(poema não revisto)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:59

06
Jul 11

… Ou a puta da mania de quem se julgava, julga, mais esperto do que os outros,

O Chico esperto de mãos na algibeira, a imersa lentidão dos cigarros avulso nas clareiras da manhã, o fio de sémen em remoinhos que se desprega dos lábios de uma gaivota, o murro no estômago, pluf pum pum, e testículos abraçados à janela, o tecto sorri e o cuspo de gesso em estalidos que dos intestinos começa a sair e de imediato se ajoelha no soalho, o prato da sopa inclinado, a mesa da cozinha em três pernas e a quarta perna, falta-me a quarta perna grita a mulher, a quarta perna engessada do mergulho da cerejeira abaixo, só temos sopa, pensa ele enquanto em esforços conturbados discute com a colher em punho e apontada à porta de acesso à despensa, a mediocridade da fome, a despensa despida, seios ao léu, púbis emagrecido no interruptor na parede, os seios chupadinhos como as tetas de uma cadela vadia, falta-me a quarta perna da mesa, falta-me pão, falta-me a paciência para te aturar, ouve ele enquanto em manobras de reanimação tenta equilibrar o prato da sopa,

- Três quilogramas de saliva e os dentes que mastigam em seco,

A pobrezinha da sopa tomba e escorrega milímetro a milímetro pela toalha de plástico aos quadradinhos, falta-me tudo na voz rouca da noite ela de sorriso espetado na lareira, e ele furiosíssimo numa luta de galos a tentar estancar o derrame, o sangue a dilatar e das veias a mortalha dos cigarros avulso misturados com o murro no estômago,

- E a língua amarfanhada ao céu-da-boca, a secura dos dias esquecidos no sofá a olhar os retratos pendurados na parede da sala, e ele em voz alta, e o avô tal foi-se, e o outro avô também se foi, e eu, e eu também me vou,

Encosto as mãos à barriga e vou-me corredor fora,

A dor intensa que os pássaros deixam pela manhã, as asas que batem e se debatem contra o rápido das cinco horas, Porto-Lisboa, Lisboa-Porto, Lisboa-Lisboa, Tejo-Tejo, a cacilheiro em movimento curvilíneo a assustar os peixes, a tia à minha espera no Pinhal dos Frades e eu dentro do Tejo algemado à maré,

- Que saudades meu filho…

O cheiro dos pinheiros em mim, emagreci tia diz ele, evaporaram-se de mim cerca de dez quilogramas de argamassa, três sacos de cimento e cem litros de água, é a fome tia, é a fome, sabe tia, a fome é como o cacimbo em Angola, começa a descer em nós lentamente e quando damos conta, tia, os ossos tia, lembra-se?, o cacimbo a entranhar-se-lhes e eles em gemidos quando a insónia não nos deixa adormecer,

- Há quanto tempo,

Os ricos com insónias e o medo de perderem o dinheiro, e os miseráveis tia, os miseráveis com insónias porque não têm dinheiro para comer, porque os ricos tia, os ricos podem levar murros no estômagos,

- E os pobres filho?,

Os pobres tia, os pobres há muito que deixaram de ter estômago, é como o cacimbo em Angola tia, lembra-se tia?, desce devagarinho e entranh...

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:50

10
Jun 11

O cansaço apodera-se do meu corpo, o ritmo da escrita aos poucos engasga-se nas minhas mãos trémulas, e eu, definitivamente não sou um gajo de sorte. Dizem que a sorte procura-se, mas comigo ela nada quer.

 

A palavra solidariedade, apenas uma palavra como tantas outras no dicionário, apenas uma palavra, e se eu disser tenho fome, a minha voz perde-se na noite e ninguém a ouve, ou se a ouvem, fingem que não ouvem, mas se um outro prenuncia a mesma frase tenho fome, uma multidão ocorre em seu auxilio.

 

É tudo uma questão de sorte, e às vezes até para se ser miserável é preciso ter sorte, e eu, definitivamente não sou um gajo de sorte.

 

Mesmo que eu grite com um megafone, tenho fome, ninguém, ninguém me ouvirá.

 

Há miseráveis com sorte, mas eu, eu sou um miserável definitivamente sem sorte.

 

Sou definitivamente um gajo sem sorte, e a solidariedade, essa, apenas sei que existe quando abro o maldito dicionário…

 

 

Luís Fontinha

Alijó

10 de Junho de 2011

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:55

01
Jun 11

Se ganhar o euromilhões envio-lhe um e-mail com cem corações, e às quartas e sábados ela desce as escadas, abre a caixa do correio, e corações nenhuns, não desista, continue a tentar, tenha fé, e às quartas e sábados temos petingas com arroz de feijão, e no tecto teias de aranha a olharem as toalhas de plástico e flores estampadas que cheiram a peixe frito, é quarta,

 

- Paciência… ainda não foi desta

 

Sobe as escadas, poisa-se no patamar para tomar fôlego, a luz adormeceu desde que o condomínio deixou de pagar a conta, o ascensor engripado, e à medida que ela sobe as escadas, os degraus multiplicam-se, em cada dois degraus nasce um novo rebento, a gravidez dos degraus, o aumento acelerado da população de degraus, os da direita a culparem os degraus pelo seu nascimento, como se o problema do prédio fosse o número excessivo de degraus,

 

- E o problema do prédio os alicerces

 

Os corações baloiçam no estendal que do quintal olham silenciosamente o e-mail, e nos alicerces do prédio sanguessugas agarram-se ao betão, os degraus sem culpa de serem degraus, os degraus com fome, e um cão raivoso quer-lhe colocar uma marquinha nos bracinhos, e assim, às quartas e sábados saberemos quem são os degraus pobres e os degraus ricos,

 

- Os degraus pobres de cruzinha no bracinho

 

Se ganhar o euromilhões envio-lhe um e-mail com cem corações, e às quartas e sábados ela desce as escadas, abre a caixa do correio, e corações nenhuns, e os degraus esperam pacientemente por um simples prato de sopa, e tal como os corações, sopa nenhuma, e os cabrões dos fascistas enraivecidos humilham os degraus, como se os problemas do prédio fossem apenas míseros degraus…

 

- Paciência… ainda não foi desta.

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

1 de Junho de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:19

16
Mai 11

Desencontro-me com a vida

Mas estou vivo

Vou vivendo assim assim…

Vou vivendo vivo

 

Com fome

Sem fome

Com ou sem dinheiro…

Estou vivo

 

Respiro

E quando acordo pela manhã

Estico os bracinhos e grito;

- sou tão feliz… vivo.

 

 

Luís Fontinha

16 de Maio de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:26

12
Mai 11

Sou um náufrago

Enrolado nas guelras do mar

Cada vez mais distante de terra

 

Não oiço as gaivotas

E nas minhas mãos crescem algas

Que não me deixam acenar à maré

 

Sou um náufrago

E agarro-me nas palavras que o vento transporta

Quando a tempestade emerge nos meus olhos

E no fundo do mar adormecem calmamente

 

Enterram-se na areia

Alimentam os peixes com fome

Brincam como se fossem crianças…

Mas a mim, as palavras, não servem de nada…

 

São apenas palavras

Bem escritas

Ou mal escritas

Palavras enterradas na areia

 

Palavras que alimentam peixes

E eu não como palavras…

Como os peixes.

 

 

Luís Fontinha

12 de Maio de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:13

19
Abr 11

(à in-perfeita)

 

A cidade perdida nas ruas embaciadas de lágrimas

O silêncio penetra entre as paredes de uma sombra

E a sombra tem voz

E da sombra acorda a imensidão de um olhar

 

Um poste verga-se na ruela da saudade

E uma casa geme na noite

Quando acorda o sorriso

De uma janela virada para o mar

 

E nas ondas vergam-se velas de um veleiro

Esquecido na maré do dia anterior…

Está vento

E a fome emerge nas mãos de quem trabalha

 

Nos olhos onde a cidade se perde

E a cidade brinca

Com os braços de uma roseira

E a cidade aos encontrões nas lágrimas de quem chora

 

Embaciada numa ardósia onde se amontoam sílabas

Infinitas nas encostas da montanha

Ao longe

Muito longe dorme a cidade.

 

 

FLRF

19 de Abril de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:29

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