Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

29
Dez 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Não tínhamos sabão para lavarmos os pecados cometidos durante a noite, da torneira do lavatório, um objecto quase em putrefacção devido ao estado de abandono a que foi submetido durante os últimos anos de permanência do habitante caquéctico a que dizem ser meu tio, apenas um fino fio de ferrugem, abria-a, fechava-a, e na esperança que de pequeno fio se transformasse em grande novelo..., mas... nada, sempre pingos de ferrugem, e mais nada,

Vida desgraçada, dizem alguns de vocês,

Vida alegre e de felicidade, acho-o eu, porque feliz feliz é aquele que não sabe o que diz, como eu, e voltando ao sabão, em falta dele temos sempre a fé para nos redimirmos, e claro, começamos a rezar, rezamos tanto que quando terminamos... tinham passado quase trinta e cinco dias, sem comer, sem beber, sem beijos, sem abraços... apenas rezávamos e de vez em quando...

Vida desgraçada, dizem alguns de vocês,

Olhávamos a torre da velha Igreja e sentíamos o vento baloiçar nos corpos nossos caídos no soalho da solidão, dizias-me que

Amanhã tudo será melhor,

E hoje, que é o teu amanhã, não tudo melhor, mas... da torneira do lavatório apenas um pequeno fio de ferrugem e sabão, não sabão para lavarmos os pecados cometidos durante a última noite, perguntei à ferrugem se sabia quando tínhamos água

Que

Não o sei, nada percebo disso e apenas respondo ao senhor seu tio, e eu respondia-lhe que

O senhor meu tio foi-se, esfumou-se... voou enquanto dormíamos... como dois lençóis embebidos em sémen e gemidos roucos dos cigarros acabados de fumar,

Que, ainda fumas?

Que

Não o sei, não o sei..., Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor... que

Não, deixei de fumar e pecar,

Não preciso de sabão, não preciso da água do lavatório nem dos lençóis embebidos em sémen e velhos gemidos, o senhor meu tio?

Foi-se,

Que..., que bicho mordeu ao seu namorado?

Saudades, apenas,

Ciumes?

Da

Da vida desgraçada, dizem alguns de vocês, ou...

Ou da noite em que tínhamos a certeza que nunca mais terminaria, perguntei à ferrugem, sentei-me na sanita e pasmei-me em perceber que dentro de nossa casa habitava uma comandita de trombudos deambulantes clandestinos pássaros que nos habituamos a apelidar de ferrugem e de ferrugem

O quê?

E de ferrugem nada tinham, sempre asseados, sempre penteados, sempre..., APRUMADOS,

Não tínhamos nada, parecíamos dois voyagers em busca dos caminhos perdidos, perguntava-lhe se ainda se recordava da tarde quando caiu sobre nós uma gaivota encharcada e com pequenos pedaços de

Ferrugem?

Lama, madeira da Índia e tílias falidas depois da tempestade lhes derrubar todo o telhado em zinco, a palhota a descoberto destruiu os poucos tarecos que sobraram do regresso a casa, e num caixote semelhante a uma pequena caixa de sapatos conseguíamos meter o que tínhamos de tão pouco o ser...

Algumas da cabras deixámos-las no pasto, lá ficaram, por lá ainda devem andar, quantos às vacas, essas, já devem ter morrido, passou tanto tempo meu querido filho

Tempo demais mãe, tempo é muito e às vezes é tão pouco,

A não ser que alguém nos empreste uma barra de sabão e um alguidar com água limpa, talvez a vizinha do quarto esquerdo

Essa não, essa não... tem a mania que é rica... todo cheia de coisas, não, essa não,

Então esperamos pelo regresso do barco que à quase quarenta e dois anos ficou de vir, e ainda não veio, e quem nos garante que ainda exista?

Ninguém, ninguém...

Tempo demais mãe, tempo é muito e às vezes é tão pouco, não tínhamos sabão para lavarmos os pecados cometidos durante a noite, da torneira do lavatório, um objecto quase em putrefacção devido ao estado de abandono a que foi submetido durante os últimos anos de permanência do,

Do VELHO?

Do minguante espelho com lábios rosados e seios de neblina, hoje sabemos que tudo foi uma mentira, mas ontem

Amanhã tudo melhor, meu filho, tudo melhor...

E não melhor, e não melhor, porque a ferrugem nunca cessou de crescer em nós, porque o lavatório ainda hoje chora as lágrimas negras das noites frias de Inverno, porque

Do VELHO?

Porque o VELHO... o VELHO era em aço laminado... a quente, a quente.

 

 

(não revisto – ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 29 de Dezembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:18

23
Dez 13

foto de: A&M ART and Photos

 

A noite destrói todas as palavras de papel que o invisível destino escreve

a noite inventa-se na algibeira do clandestino miúdo com suspensórios de vidro

o miúdo estupidamente apaixonado por uma uma gaivota...

… chora

transpira como lâminas de aço quando a lareira acesa derrete o silêncio

há uma pauta sobre a mesa da sala de jantar

na pauta brincam notas musicais órfãs

crianças das ruas sem nome não vivem... mas também não choram

crianças com mastros ao peito... vivem navegam choram e morrem...

e bandeiras de cetim sobre os cabelos cinzentos da tristeza dizem-lhes o que é a saudade

a noite embriaga-se como pedaços de xisto descendo os socalcos com as penumbras das sonâmbulas cambotas correndo e as bielas... as bielas nas mãos do miúdo estupidamente apaixonado...

… que chora... elas imóveis elas silabadas elas... elas são as bielas dos covis iluminados pela loucura neblina que o desejo procura no corpo nu sem nome as bielas fodem...

Alimentam-se dos sombreados tectos de verniz que às esplanadas de areia acordam como tecidos mortos e envenenados e doirados e... e a noite em papel dissolve-se na garganta do condenado

hoje há moelas

moedas de prata

lágrimas de crocodilo

e dentes de marfim

A janela do muro envidraçado abre-se e a noite começa a comer o miúdo depois de destruir todas as palavras de papel que o invisível destino escreveu

e o pobrezinho menino prostitui-se no cais de embarque dos petroleiros ofegantes

a gravata esgana o pescoço dos homens de mini-saia

os sapatos de três andares... adormecem noite adentro num sótão abandonado

a gaivota do amor

não dorme

não vive

chora

chora... chora... parvo... porque choras tu?

e era capaz de acreditar nos objectos negros das portas com triângulos desenhados...

com... com coxas cosidas pelas mãos da Avelã costureira...

Peneirenta

rafeira

e ordinária...

a noite é uma puta desgraçada

e feia...

a noite fode-nos como cinzeiros em prata nas mãos de um drogado...

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 23 de Dezembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:33

05
Dez 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Tristemente invadido pelas análises clínicas dos perfumados jardins das jangadas embebidas em cianeto e outras

Escadas?

Palavras, não o sei, não o consigo perceber, talvez este verso alimentado pela inveja encontre dos triângulos dos dias tristes as algas masturbadas dos rios envenenados pelo doce odor da paixão, do cinismo...

As escadas...

Nunca tive Sábados, e à Sexta-feira tínhamos Açorda de Marisco, pão, vinho e sobremesa,

A sério?

Tristemente invadido pelos machimbombos da insónia, escondia-me de ti, debaixo da mesa no quintal das bananeiras, mangueiras e outras … eiras

Carvalhais,

Sexta-feira,

Eles não sabiam que tínhamos almoçado, traziam-nos coisas estranhas, comíamos tardíssimo porque acreditávamos que havia fantasmas que roubavam a comida dos pobre, e as tuas mãos abraçavam-se à minha cintura rechuxuda, hirta... fria como a geada de hoje à noite, e dizias-me que todas as árvores são como os pássaros quando são velhos...

Não voam, não voam mas também não andam, não bebem... e também não pagam, e também,

As escadas?

Sexta-feira,

Tristemente...

Aquele beijo que ficou esquecido sobre a mesa-de-cabeceira, aquele sorriso impregnado na vidraça estilhaçada da janela com fotografia para o quelho, aquele abraço perdido dentro dos cobertores da inocência, aquele beijo, aqueles teus lábios em pétalas que o desejo sobejou das tardes perdidas, aqueles livros poeirentos abandonados na estante do corredor, aquele teu alicerçado seio sobre a minha solidão, claro... imortal na cama em tardes de neblina, imortal no jardim dos clandestinos Domingos...

Sábados à tarde,

Sexta-feira à noite,

Aquele beijo, aquela melodia adormecida sobre os abajures da melancolia, aquele dia com palavras de luar, aquela madrugada com talheres em prata, e corpos, corpos de nata...

E ouvíamos o beijo esquecido das gaivotas em cio, e ouvíamos os tristes carris da liberdade mergulharem nas montanhas de papel como lagartas e outros bichos, coitados

Procurando,

Coitados...

Caminhando..., o beijo esquecido das gaivotas em cio, procurando as cinzas do casebre abandonado depois de partirem todas as árvores do destino que acompanhavam as alegres palavras comedidas pelas mãos de giz... aquele divã onde te deitavas, e eu, eu sobre ti entranhava-me nos teus gemidos invisíveis dos xistos borboletas em voos de andorinha, coitados...

De nós...

Deles...

O beijo esquecido das gaivotas em cio, o barco apodrecido no cais que alguém pintou nas paredes do velho bar de marujo embriagado, dizes-me que não, e eu, eu sinto-me dentro de ti como se eu fosse o teu feto indesejado, aquele que não queres, nunca quiseste... a gaivota dilacerada nas velhas nuvens de oiro... imortal no jardim dos clandestinos

Domingos...

Sábados à tarde,

Sexta-feira à noite,

E não bebem, e não pagam, não dormem mas... também não sonham,

As escadas?

Tristemente tristes, tristemente... sós, sós, talvez só às vezes tristemente sós...

O beijo dilacerava-se, o beijo derretia-se como chocolate, a Açorda de Marisco, uma simples sopa de hortaliça, pão e o vinho, tudo pela módica quantia de

Os beijos pareciam migalhas de pão abandonadas sobre a mesa de ébano, cheirava a naftalina, a toalha pertencia aos objectos escondidos como as pratas que deixaram de existir desde eu criança, como as porcelanas e todo o marfim, tínhamos falido, e vivíamos como Príncipes imperfeitos vestidos de carrancudos criados sem ofensa para vossemecê meu grande amigo

As escadas?

E pela módica quantia de dois beijos e uma sexta-feira...

Açorda de Marisco, uma simples sopa de hortaliça, pão e o vinho, tudo a estrear, excepto o vinho, que esse, esse já era em quarta ou quinta mão,

Sexta-feira, amanhã, a estrear, o beijo esquecido das gaivotas em cio, o barco apodrecido no cais que alguém pintou nas paredes do velho bar de marujo embriagado, dizes-me que não, e eu, eu sinto-me dentro de ti como se eu fosse o teu feto indesejado, aquele que não queres, nunca quiseste... a gaivota dilacerada nas velhas nuvens de oiro, e eu, eu inventado Açordas de Marisco, sopa, pão... e o vinho, e o vinho parecendo água depois das tempestades de...

Sexta-feira, Sábado, e Sexta-feira temos

Açorda de Marisco... e vinho, e vinho, tristemente... só. Só.

(onde está a sobremesa, raios?)

 

 

(não revisto – ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 5 de Dezembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:56

04
Dez 13

foto de: A&M ART and Photos

 

não tenho vida

como as outras pessoas

com vida...

agacho-me e sinto nos tornozelos o silêncio do capim em delírio

e aos beijos

sento-me e oiço as pontes invisíveis da solidão que esperam o regresso das gaivotas

os barcos

e os caixões de aveia

não tenho

e nunca tive

vida como as outras pessoas

com... vida desenhada num pedaço de papel e transcrita no espelho... da vida

 

não tenho vida

como as outras árvores plantada na vida

com vida...

desisto

e invento labaredas de palavras para alicerçar os cacos restantes da...

… da minha não vida

não tenho

não quero... capas de pano sobre os meus joelhos de tédio

havia uma mão enfeitada com a aurora boreal das madrugadas vãs

entre escadas e varandas

há janelas como também... sem vida

tristes tristes porque a vida não vive em pessoas como nós... em pessoas de pedra com olhos de noz

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 4 de Dezembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:31

30
Nov 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Ofereceu a bala inseminada com as impressões digitais do poema em construção, poisou os cotovelos sobre a iluminada folha de papel com meia dúzia de palavras, leu e releu e puxou o gatilho da caneta de tinta permanente sobre a secretária em pinho, voaram sobre a biblioteca todas as gaivotas de porcelana que permaneciam entre os livros e outras bugigangas, aos poucos, como silêncios de um pêndulo cansado, foram cessando as agonias do homem poeta da caneta de prata, uma bala silenciada adormecia-se como flores numa jarra, dentro dele apenas se ouviam as esquina de luz do espelho prateado,

A saudade submergiu do corpo caído sobre a secretária, ouvias as minhas preces como quem escreve um livro infinito, uma estória que só termina quando duas rectas tristes e sós se encontram

No infinito,

Dizem-me, eles,

A saudade é filha da balda da caneta de prata, as palavras morreram como morreram os teus sorrisos e como morreram as tuas caricias e como morreram as tuas mãos sobre o meu peito em feitiço... e como morreram

Quem quem morreu?

Como morreram os fantasmas dos roseirais de Luanda, e há uma filme escondido nas paredes de um casebre, na parede traseira uma placa com a inscrição de “FIM” aparece

Desaparece

E morreram os teus lábios nos meus lábios quando entrelaçados nos meus cabelos as lições de piano, o som melódico das teclas borbulham nos alicerces da madrugada, ofereceu a bala e suicidou-se com a caneta de prata

Sentia o cheiro intenso da tinta derramada nas alvenarias como desenhos abstractos que os teus olhos inventaram nas prateleiras velhas, nas prateleiras caducas, morreram os teu seios nos meus lábios, morreram as tuas cintilantes pálpebras nos cadeados de estanho, e ouvia-te das lágrimas os aplausos nas cantigas dos rabugentos e enferrujados barcos,

O aço é um corpo só, velho, flácido... o aço vive cambaleando suaves beijos em desleais palavras em mendigas sílabas de verdes olhos procurando a noite reconstruída e morreram os teus dedos que procuravam em mim

Quem quem morreu?

A bala, procuravam em mim a caneta de prata o suicídio fictício das palavras,

Quem quem morreu?

A bala, procuravam em mim as sombras desnorteadas das tardes de Segunda-feira, e eu, eu sabia-o, admitia-o... que um dia, tu, a bala e a caneta de prata... invadiriam o meu silêncio, um dia, tu, eu, que um dia, tu, a bala e a caneta de prata... invadiriam o meu sofrimento de lírio apaixonado, deitado sobre a secretária da

Saudade?

Que morreram as tuas peugadas absorvidas pelo meu pesadíssimo corpo em aço, só, velho, flácido... o aço vive cambaleando suaves beijos em desleais palavras em mendigas sílabas de verdes olhos procurando a noite reconstruída e morreram os teus dedos que procuravam em mim

Quem quem morreu?

A saudade,

(só, velho, flácido... o aço vive cambaleando suaves beijos em desleais palavras em mendigas sílabas de verdes olhos procurando a noite reconstruída e morreram os teus dedos que procuravam em mim)

Quem quem morreu?

Quem quem morreu?

O amor das pedras cinzentas...

FIM.

 

 

(não revisto – ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 30 de Novembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:41

29
Nov 13

Aquele beijo que ficou esquecido sobre a mesa-de-cabeceira, aquele sorriso impregnado na vidraça estilhaçada da janela com fotografia para o quelho, aquele abraço perdido dentro dos cobertores da inocência, aquele beijo, aqueles teus lábios em pétalas que o desejo sobejou das tardes perdidas, aqueles livros poeirentos abandonados na estante do corredor, aquele teu alicerçado seio sobre a minha solidão, claro... imortal na cama em tardes de neblina, imortal no jardim dos clandestinos Domingos...

Sábados à tarde,

Sexta-feira à noite,

Aquele beijo, aquela melodia adormecida sobre os abajures da melancolia, aquele dia com palavras de luar, aquela madrugada com talheres em prata, e corpos, corpos de nata...

E ouvíamos o beijo esquecido das gaivotas em cio, e ouvíamos os tristes carris da liberdade mergulharem nas montanhas de papel como lagartas e outros bichos, coitados

Procurando,

Coitados...

Caminhando..., o beijo esquecido das gaivotas em cio, procurando as cinzas do casebre abandonado depois de partirem todas as árvores do destino que acompanhavam as alegres palavras comedidas pelas mãos de giz... aquele divã onde te deitavas, e eu, eu sobre ti entranhava-me nos teus gemidos invisíveis dos xistos borboletas em voos de andorinha, coitados...

De nós...

Deles...

O beijo esquecido das gaivotas em cio, o barco apodrecido no cais que alguém pintou nas paredes do velho bar de marujo embriagado, dizes-me que não, e eu, eu sinto-me dentro de ti como se eu fosse o teu feto indesejado, aquele que não queres, nunca quiseste... a gaivota dilacerada nas velhas nuvens de oiro... imortal no jardim dos clandestinos

Domingos...

Sábados à tarde,

Sexta-feira à noite,



(….........)

@Francisco Luís Fontinha - Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:14

03
Nov 13

Foto de: A&M ART and Photos

 

acreditava que eras em pedra maciça e que tinhas no cabelo uma seara de trigo

havia nuvens de poeira que envolviam o teu olhar

e sempre que chovia

uma janela acordava no teu peito

acreditava que não choravas porque as flores não choram

e eu

acreditava

que eras em pedra maciça

e eu

acreditava

que eras uma flor

com perfume de desejo

 

acreditava que pertencias às gaivotas de asas em papel

que vivias no mastro dos barcos doentes

e que amavas os homens como eu

esqueletos vadios

rolando as calçadas em direcção ao Tejo

acreditava que tu eras diferente

e que a escuridão da tua pele sangrava espinhos de chocolate...

doces desenhos no suor cuticular da vaidade solar

e tinhas na boca as palavras de vento que vomitavam bandeiras brancas em dias de tristeza...

acreditava

que eras uma flor

acreditava

 

que eras... um desejo

um corpo

um beijo de sílabas enlouquecidas numa tarde de Sábado

e no entanto

a tua escura pele adormeceu nos agrestes desenhos do Baleizão

que eras uma flor

lábios pintados de encarnado

beijos doirados

acreditava

e tudo parecia a mão da Inquisição sobre o púbis da saudade

havia ruas da cidade submersas em ti

como cordas de nylon aprisionando pêssegos carcomidos dos pássaros pretos

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 3 de Novembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:29

20
Out 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Preciso dos teus beijos,

Dizes-me tu,

E não percebes, e não entendes, e

Nunca tive beijos para dar, que nunca tive beijos para oferecer, vender... que sou um imbecil desgovernado caminhando sobre os carris da solidão, não percebo, não entendo, como tu

Para que precisamos de beijos?

Tudo à minha volta estremece, a imagem do meu portátil enlouqueceu, treme... treme como varas verdes depois do vento entrar pela janela, treme como tu, quando ouves, ou ouvias, ou sei lá o quê

A minha voz?

A tua voz parece um esconderijo em papel, as vogais mal pronunciadas, as sílabas amedrontadas com os meus olhos escondem-se nas clandestinas palavras que um muro da cidade acolhe como quem acolhe o mendigo do rés-do-chão

Oiço-os

(Nunca tivemos sorte nenhuma)

Oiço-os balançar como esqueletos de vidro pendurados nas árvores com cavernas de granito e as vozes que se entranham nas algibeiras da ganga gasta e desgasta nas Primaveras em construção são-o e talvez não o pareçam

(Orgasmos sonolentos de velhos recheados com artroses e reumático)

Preciso dos teus beijos,

Dizes-me tu,

E não percebes, e não entendes, e desconheces que em mim nada de bom existe, sou uma nuvem pintada com tinta acrílica negra, esponjoso o meu coro absorve todas as lágrimas dos jardins sem capitão, ao leme um vulto que todos apelidam de O Senhor Das Montanhas Do Sol Adormecido, e assim vamos correndo entre o aço paralelo, e assim vamos

Vivendo?

Diz-me tu, se isto é vida? Os veados encurralados nas ardósias da tarde, começam a voar e daqui a nada estão novamente junto dos alegres dias com chuva e uma lareira na sala de estar a derreter livros, palavras e afins...

Vivendo, como?

Diz-me tu como é o outro lado da muralha, se há árvores, pássaros, se há rios e gaivotas e barcos e ilhas e mulheres bonitas

Gajas?

Diz-me tu porque tombaram os versos das crateras de centeio nos campos de Carvalhais? E oiço-os como se eles estivem à minha frente

Quem são eles?

Voilá... POP DEL ARTE... e voláteis pasteis de Belém nas catacumbas da solidão adormecem como cadáveres de silicone,

(o rabo, as mamas, a cabeça... a massa encefálica... tudo é em silicone... e coitadas)

Dançam como ventoinhas na pinta de dança, as meninas não pagam...

Mas... Também não bebem,

Voilá... Le POP DEL ARTE, e La Maisom quiçá, também ela em

Silicone?

Não aguento mais estes carris em aço, sempre paralelos, sempre abraçados, sempre...

Diz-me tu como é o outro lado da muralha, se há árvores, pássaros, se há rios e gaivotas e barcos e ilhas e mulheres bonitas

Gajas?

Bonitas, moças donzelas, meninas e meninos... O CIRCO TERMINOU...

 

(não revisto – ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 20 de Outubro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:41

04
Out 13

foto de: A&M ART and Photos

 

no rochedo da saudade vive o teu meu coração repatriado

escondíamos-nos do amanhecer quando todas as estrelas cessavam de brilhar

quando sentia o teu sorriso no espelho da paixão

comestíveis beijos insufláveis desciam das árvores em solidão

no rochedo da saudade

vivia

amava

e comestíveis beijos com esqueletos de prata

 

no rochedo da saudade vive o teu meu cansaço

quando tínhamos noites intermináveis sentados num banco de jardim

conversávamos sobre tudo e sobre nada

e sentia o brilho do teu olhar

como uma donzela tela

pincelada com acrílicas cores

depois tínhamos a sombra dos plátanos

de livro na mão

 

liam-nos poemas

escrevíamos-lhes poemas

sentados num banco de jardim...

e imaginávamos à nossa frente o palpitar do rio furioso por ter perdido o mar

víamos veleiros pintados na claridade da aurora boreal em comestíveis chamas de suor

liam-nos poemas

escondidos caracteres minúsculos sobejavam das rosas de papel

e diziam-nos que a lua amava o silêncio

 

como nós

um piano vadio brincava no soalho da biblioteca

e tínhamos acabado de regressar das montanhas alicerçadas às gaivotas desgovernadas

sentadas

como nós

num simples banco em madeira

e liam-nos poemas

e escrevíamos-lhes poemas como se fossem migalhas de pão depois do pequeno-almoço...

 

não acordávamos porque a noite embriagava-nos com palavras

textos

e comestíveis beijos

e poemas

por comestíveis pinceladas acrílicas saborosas que os teus lábios iluminavam

e víamos o rochedo da saudade

chorar

e pigmentos sólidos de vento balançavam nos teus cabelos de limalha incandescente...

 

não sabíamos que existia a teoria da relatividade

e desconhecíamos a trigonometria

pensávamos que os círculos eram mulheres deitadas

nuas

sobre a geométrica cama com lençóis de porcelana

e lá

no teu peito

os rochedos da saudade vomitando cinza de velhos cigarros como poemas envenenados pelo ciume...

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 4 de Outubro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:56

09
Set 13

e a foto é de: A&M ART and Photos

 

acreditava que eras de pedra

e que tinha no olhar uma nuvem de luz

sentia-te vacilar nas searas da tristeza

voando sobre os tentáculos da solidão

dizias-me que eu pertencia às árvores de folha caduca

e em cada Outono

eu

tombava nas tuas mãos emagrecidas

os dedos esticados e finos

quando procuravas o mar nas clareiras do silêncio depois de partir a tarde

acreditava que eras de pedra

e percebia que amavas e percebi que tinhas no peito um coração de rosa dorida

 

(doente

dormente

ausente

e mente)

 

o amor depois da tempestade

fingia suspender-se nos teus dedos de verniz

compridos e longos

distantes como a madrugada

e vinha a noite

e tu acordada

esperavas

não dormias

abrias e fechavas

janelas

e ventanias

como sentias o meu corpo dentro do teu ventre

 

talvez

um dia percebas as fachadas dos meus olhos coloridos pelos pigmentos da insónia

memória tenho e nunca me faltou

corpo tenho e dou-me conta que me roubaram o esqueleto

em aço inoxidável

ao carbono

talvez percebas que o amor é uma treta como são todas as palavras

todos as imagens...

e um dia acredites nas gaivotas e nos barcos com dois braços meus

velas em teus cabelos

loucas

cinzentas que sobejaram do jardim teus lábios

 

(não revisto)

não datado (o hoje não existiu)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó (não tenho a certeza se sou eu)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:30

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