Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

31
Mai 13

foto: A&M ART and Photos

 

(não foi por falta de tempo que ainda não escrevi sobre o teu corpo, mão porque o teu corpo seja desajeitado, não, porque ele é lindo, belo, desejado, não foi por falta de tempo, como os livros em fila de espera, como os textos em círculos dentro da minha cabeça, à espera de uma mão e de uma caneta, e claro, papel, não é por falta de tempo, mas confesso, que do teu corpo, sairá um dos mais belos textos, prometo, e não é, não foi, por, falta, de tempo, porque tempo, é certamente o que mais tenho...)

Não observava a luz natural desde que por decreto Real mandaram encerrar todas as janelas com vista para o mar, assim, deixamos de olhar os peixes em cardumes fingindo brincadeiras num qualquer jardim de uma aldeia encastrada na montanha bela adormecida, suas árvores diurnas caminhavam como pedras descendo ravinas, subindo escadas, galgando socalcos e olhando o Douro curvilíneo entre sombras e barcos imaginários, sentávamos-nos nas mãos flácidas dos pássaros negros com pintinhas brancas, recordavam-nos os velhos lençóis de areia que deixamos sobre a mesa da cozinha, quando também por decreto Real, tivemos de abandonar a cabana na margem direita da ribeira, pescávamos, às vezes, entre intervalos, entre palavras, oferecia-te um beijo, desenhava-te um abraço no teu corpo, aquele que espera pelas minhas palavras, que por falta de tempo, preguiça, quiçá... MEDO, ainda não o escrevi, sobre ele, olhando-o como se eu fosse o espelho de olhos verdes que te vê subindo as paredes do desejo, e esse belo corpo uma árvore semi-nua esperando o vento para se baloiçar nas cordas da manhã quando acorda, e as persianas do teu olhar, meias estonteantes, embriagadas pelo sono vernáculo que as palavras provocam no esqueleto feminino...

Tenho fome,

De ti?

Do medo, de olhar-te sem roupa e de não ser capaz de resistir à mais bela imagem a preto-e-branco, pendurada nas garras de um cortinado, velas parecendo lâmpadas, fósforos sobre o lava-loiças como silêncios em alumínio panelas, a sopa, o bacalhau esfriado, insosso, demolhado,

(apetecia-me um cigarro)

Invento nomes de objectos estranhos, lembro-me do hipercubo e de todas as histórias à sua volta, o porquê de ele ter nascido dentro de mim, das pessoas que me acompanharam, apadrinharam, coitadas delas, a paciência para me ouvirem sobre uma coisa quase estranha, mas real, lógica, geométrica, penso

Poderá o corpo nu ser um hipercubo?

E se

Penso, como serás quando todas as lâmpadas estiverem silenciadas, como as pessoas, de boca cerrada por um cortina de fogo, penso, como serás dentro das minhas mãos, quando eu, por uma mera suposição, manuseasse esse teu corpo de hipercubo, complexo, vagabundo no sentido poético, em desejo, eu,

E se, eu? E se eu transformar o teu corpo de hipercubo em flores com pétalas de papel, como as gaivotas, quando sobrevoam os teus seios...

Perceberás as minhas palavras, e dir-me-ás que sou louco, e dir-me-ás que já não queres, que eu, escreva sobre o teu corpo, o mesmo, aquele que é desejado e durante a noite se veste de hipercubo, sobe ao telhado e fica... assim, como eu, imune às imagens de marinheiros escrevendo nas paredes da madrugada...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:08

26
Mai 13

foto: A&M ART and Photos

 

Mostra-me onde fica o mar, sussurra-me poemas como quando sinto os cortinados da minha janela, porque acorda o dia, a cintilarem, dançam entre vidros e sombras de luar, mostra-me, se não tiveres medo, onde fica a casa do amor, o silêncio do desejo, mostra-me, sem pudor das imagens, o mar, as palavras do mar, fica, não vás agora para a distante solidão dos desejos de amar, mostra-me, mostra-me o que é o amor, e eu, oferecer-te-ei este desenho, este desenho das minhas mãos, quando eu, ainda tinha mãos, e tu, vagueavas dentro da minha cabeça como os peixes no aquário da paixão; amar-me-ás? E se eu confessar-te entre murmúrios e sons melódicos que te amo... zangar-te-ás como fazem os pássaros quando lhes retiramos os cobertores nocturnos da geada? Guarda-o, e não tenhas medo, deste, dos outros, de tantos e tantos... desenhos meus, porque teus fantasmas são,

o branco negro da solidão, precisarei de lágrimas como tormentos meus para perceberes que a minha pobre embarcação, velha, cansada, começa, aos poucos de nada, a meter água, enche-se de medo, desassossego, e eu, espero-te desde ontem na ponte dos camuflados soldados de chocolate, lembras-te de mim, ainda?

São, todos teus, os tristes desenhos meus, porcarias sem nexo, e avança sobre mim a vergonha, a língua de fogo que a manhã transforma em dor, em poeira,

ai a poeira...!,

E não, não o digas mais, que a culpa foi dos morcegos, das equações de Einstein... porque não, não são os tectos da relatividade os culpados pela ausência de barcos na nossa cama, se ainda temos cama, sono, tempo para abraços, não, não foram os cansaços, culpados, prendam-me se for necessário, acorrentem-me a um cais de embarque, que eu, eu lanço-me ao mar, rio, onde vocês quiserem, mas... não culpes o Einstein

havíamos construído um casulo circular na profundidade do silêncio da areia, vestias-te de encarnado, a blusa, e das tuas velhas calças de ganga, ouviam-se-lhes ainda os gemidos da noite anterior, tínhamos medo, nós éramos o medo disfarçado de poesia, e inventávamos poemas nas descamadas conchas perfumadas dos moluscos envenenados por algas, ruídos de automóveis em confrontos desnecessários com os vizinhos do rés-do-chão, e tu, dizias-me

Amo-te,

eu, parvamente, engolia palavras, comia-as, como hoje almoço os livros que leio, como ontem dormíamos sobre os lençóis de seda com desejos prometidos, Amo-te, dizias-me tu, eu, e nós acreditávamos no largo das palmeiras, e enquanto te sentavas junto ao lago víamos os cisnes a dançarem nas encostas socalcos do Douro, havíamos

Amava-te, digo-o hoje, e comia-as, alimentavas-te de pequenas gotas de suor que o teu finíssimo corpo transbordava quando as minhas mãos

escrevias no meu corpo palavras, desenhavas-me e dizias-me que a tela dos meus seios, pequenos, ínfimos, tinham sussurrado o teu nome enquanto esperávamos pelo comboio para Alcântara, havia barcos estranhos nas nossas costas, crestados abraços, milímetros quadrados de tristeza, a saudade, escrevo-te, escrevo e peço-te que,

As minhas mãos, inventávamos sonhos e Primaveras, que

peço-te que não culpes o Einstein...

Que, e dizias-me, onde ficava o mar, sussurravas-me poemas como quando sinto os cortinados da minha janela, porque acorda o dia, a cintilarem, dançam entre vidros e sombras de luar, mostra-me, se não tiveres medo, onde fica a casa do amor, o silêncio do desejo, mostra-me, sem pudor das imagens, o mar, as palavras do mar, fica, não vás agora para a distante solidão dos desejos de amar, mostra-me, mostra-me o que é o amor, e eu, oferecer-te-ei este desenho, este desenho das minhas mãos, quando eu, ainda tinha mãos, e tu, vagueavas dentro da minha cabeça como os peixes no aquário da paixão; amar-me-ás?

peço-te que não culpes o Einstein... , e havíamos de cruzar os Oceanos arbustos que Belém aconchegava, e um rio,

Chorava,

tu choravas ensanguentando os meus braços de cinzentas lágrimas...

E choravas, sentia-te dentro dos lenços de papel.

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:27

24
Mai 13

foto: A&M ART and Photos

 

Saudades são gotas de água

que descem da imensidão da pele ensonada como bocas em despedida

saudades são pergaminhos enrolados nas tuas mãos de andorinha

quando acorda a Primavera

saudades das palavras pronunciadas como migalhas de sílabas

nas pálpebras das vogais adormecidas,

 

Saudades como as tenho

pensando acreditar nas manhãs de sábado

aquelas que ainda não acordaram

que nem sequer sabem se vão acordar

saudades de ti quando te sentavas num banco de jardim a passear livros

ou inventando a resolução de integrais numa sebenta envelhecida,

 

Saudades as tuas quando dos teus lábios de madrugada

sonhavam os beijos salivais com perfume a hortelã...

saudades são gotas de água

são rios

e ribeiras

são palavras e imagens a preto-e-branco numa janela sem vidros.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:23

17
Mai 13

foto: A&M ART and Photos

 

Descobríamos o sono na literatura das imagens, inventávamos silêncios, desenhávamos beijos nas montanhas do desejo, queríamos voar sobre o mar seara de argamassas em sofrimentos das flores em finas peles de areia, que o sonífero coração envenenado pela solidão, gritava como gargantas envidraçadas, como chuva emprestada, a salsa, a cebola, e os alhos..., acreditávamos que existia além da palavra amor, um corpo, braços, pernas, cabelos, olhos, olhos..., asas, montes e videiras, nuvens, casas, ruas e hospedarias, sentava-me na cadeira da barbearia

é para desfazer a barba,

Adormecia, sentia os relógios do vizinho em horários gemidos, nocturnas horas como pêssegos acabados de colher, subíamos e descíamos, abraçávamos-nos, como ervas, troncos, madeira prensada, apaixonados, nós,

eles diziam-nos para desistirmos,

Acorrentados, tubos de néon assobiavam como lanternas mágicas num espectáculo de circo, encharcados, eles, os artistas, o público, o silêncio, todos, e todas, riem-se porquê? que as imagens deixam o suor sobre a mesa-de-cabeceira, e havíamos de enganar o medo, como se engana a fome, o amor, e a paixão, e todos os corpos possíveis e impossíveis de desejar, e comiam-mos-nos como serpentes correndo em corredores que depois de cremadas, elas, voltavam à plateia, sentavam-se numa simples e singela cadeira de vime, no palco, dois pilares trapezistas vestidos como milhafres anónimos, caminhavam sobre um finíssimo fio de luz, e do outro lado, da tenda, as roulotes miseráveis que o homem de casaco branco deixou ficar como forma de pagamento, em demandada partida, desejou a todos

um santo e feliz natal,

E ainda hoje, o detesto, ao homem e ao natal, sinto-me frágil, como um caixote em madeira, nas minhas costas escrita a palavra “Frágil” e uma seta indicava o sentido único da posição correcta, não tínhamos o Kamasutra dos caixotes que transportavam as nossas bicuatas, e quando cá chegávamos, tudo, quase tudo “fodido”, os pratos, as jarras, e toda a porcaria comestível, tudo, ou quase tudo, em cacos, a vida

em cacos, a nossa vida,

Oh! dó... escroque vidente da literatura, da tua máquina de fazer imagens, eu vivia lá dentro, feliz, como eles, a preto-e-branco, cortinados encarnados, folhas de loiro suspensas sobre a padieira, e uma ténue luz, meramente indicativa, desejava-nos felizes cobertores de espuma, ouvíamos do fundo do corredor, os apitos de barcos como eu, frágeis, de corpo engomado

dói, dói tanto, pensar que se está morto,

Engomado, nós, comíamos-nos como loucos animais acorrentados na jaula do desassossego, ela, ele, e toda a porcaria, aqueles que mal dizem de mim, e da minha vida, todos, como dizia o cineasta “quero que eles se fodam”, claro, só aqueles que falam nas minhas costas, onde tenho inscrita a palavra frágil

eu, um caixote de madeira, pouca coisa, bicuatas, um velho fogão, meia dúzia de pratos, roupa, pouca, calções, sandálias de couro, um parvalhão de um boneco baptizado de chapelhudo, se fosse hoje chamar-lhe-ia de

Orelhudo,

pançudo,

Mudo, porque não ouvimos a sinfonia de cacos, e mesmo assim, em mim, o dito frágil, e uma seta que apontava para o céu, tinha seis anos, e já desconfiava de tudo o que existia acima de mim, abrimo-lo,

E tudo, tudo “fodido”, e tudo, tudo... partido, cacos, eles, elas, nós, a nossa vida, a nossa história, que história, João?

abrimo-lo, e sabes, querido João?

Diz-me,

abrimo-lo como que abre o peito de um corpo em putrefacção, e lá dentro, cacos, cacos e vidas em pequenas fotografias, que vivem, que dormem, dentro, fora, em ti, de ti

Até às tuas coxas e comiam-mos como pássaros loucos nos corredores da morte,

diz-me tu, se amanhã estarás dento de mim, como ainda permanecem todos estes cacos, paquetes, barcos, areia branca, pássaros, gaivotas e coqueiros, ai... ai o hóquei nos finais de tarde, deixei de o ter,

“abrimo-lo, e sabes, querido João?

Diz-me”

perdemos-nos nos semáforos de uma avenida, chamavam-lhe baía, eu, não lhe chamava nada, e tu, e tu, querido João, imaginavas-me, como os cacos, dentro de um caixote,

Frágil, com uma seta apontando o céu.

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:55

28
Abr 13

foto: A&M ART and Photos

 

(ao Rei dos Sonhos)



Sabia-te quando terminavas nos sonhos e caminhavas no corredor da saudade, ouvia-te dançar sobre o mosaico porcelana da piscina em forma de rua, perdida, tu, corrias em direcção às escadas de acesso da rua dos pequenos beijos de porcelana, dormias entretanto, profundamente, pensava eu, quando olhava nos teu olhos cerrados as imagens reflectidas de uma louca e antiga máquina de slides, o picotado desenhado numa fina película de plástico retirada a um saco incolor de supermercado, finíssima, ela não maior do que um carro de linhas, que servia de carreto que com uma manivela de arame fazia rodar as imagens em frente de uma lâmpada, dormias, dormias, ainda dormes, e eu, permanentemente às voltas com a manivela a inventar imagens picotadas numa tira de plástico com uma agulha esquecida juntamente com o dedal da minha mãe,

a inventar imagens desde 1976,

Fundiam-se-lhe lâmpadas que só posteriormente percebíamos a escuridão das equações diferenciais que tínhamos para resolver, elas, como eles, poisavam sobre a mesa da sala de jantar, ficavam lá, perdidas, fazíamos-las esquecidas, e às vezes, poucas, só com a ajuda de drageias, elas, as equações (macho e fêmea) acordavam do sono incrédulo que Deus nunca acreditou e aos berros

preguiçosos,

preguiçosas,

Sabia-te quando terminavas, acordavas, abrias as janelas do teu corpo, e deixavas entrar a luz que o espelho do guarda-fato absorvia da velha máquina de slides, havia imagens dentro de ti, e só quando te acariciava os seios, e só quando te beijava os lábios de sonâmbulo cravo vermelho, e só

que desenhos mais esquisitos, como corredores, pássaros, migalhas de aço e sobras de vento,

E só quando deitava a minha cabeça nas tuas coxas, sentia eu, sentias tu, as imagens todas, as de ontem, as de antes de ontem, e as imagens de infância, saíam do espelho do guarda-fato, sentavam-se um pouco sobre a mesa-de-cabeceira, apenas para nos contemplarem, e só depois, começavam a entrar em ti, e no fim, eu entrava também, e tinha como missão, encerrar a porta, hermeticamente, e dentro de ti, saltava, brincava, dormia, como tu

a inventar imagens desde 1976,

Como tu, dentro de uma piscina, caminhando a passos apressados como se a rua estive quase a fechar-se, e a carapaça de tartaruga aos poucos, em pequeninos milímetros de cada vez, até todo o tecto baixar, e tu, desapareceres, em corrida, dentro de água com o cheiro a saudade, com o silêncio dos cobertores suspensos nas pálpebras tuas, que dormias, sossegadamente como um anjo louco, de caligrafia como pequenas mandíbulas de areia, como eu, desesperado procurando por ti, dentro de água, dentro de uma caixa de sapatos

onde funcionava uma pequena máquina de slides,

Com refrigeração,

a fundir lâmpadas desde1983,

E tubos de néons sobre a porta de entrada, “sabia-te quando terminavas nos sonhos e caminhavas no corredor da saudade, ouvia-te dançar sobre o mosaico porcelana da piscina em forma de rua, perdida, tu, corrias em direcção às escadas de acesso da rua dos pequenos beijos de porcelana, dormias entretanto, profundamente, pensava eu, quando olhava nos teu olhos cerrados as imagens reflectidas de uma louca e antiga máquina de slides, o picotado desenhado numa fina película de plástico retirada a um saco incolor de supermercado”, e uma campainha de serviço, um gajo feio, como eu, devidamente fardado a preencher os impressos para a atribuição de subsídios para a construção de máquinas de slides, e eles

apenas com uma caixa de sapatos, uma lâmpada, duas pilhas de volte e meio, alguns fios eléctricos, um pedaço de vidro que fazia de lente, e cerca de cinquenta centímetros de plástico com cerca de seis centímetros de largura, e um carrinho de linhas, e claro, a manivela em arame... e um pedaço de pano que apelidamos de lençol,

Com refrigeração?

e desenhos pacientemente desenhados com uma agulha,

A fundir lâmpadas desde1983,

pacientemente eu, a perder parafusos desde Janeiro de 1966.

 

(não revisto; parte deste texto não é de ficção e aconteceu com o meu amigo de infância - infelizmente já falecido - JÚLIO)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:25

21
Abr 13

Estranhas imagens que o corpo absorve

depois de regressar a tempestade

e a fina areia mergulhar

nas profundezas mãos de sabão,

 

Estávamos loucos quando imaginámos sombras nas janelas do amanhecer

e via-se perfeitamente um cortinado de amargura

rompido e ensanguentado

desértico do amor apodrecido,

 

Descia a noite

e as imagens negras voltavam às tuas mãos

havia uma ressonância de cigarros

embainhados debaixo do tecto das gaivotas que diziam-se perdidamente apaixonadas,

 

Perdidamente

perdidas entre vãos de escadas

e portas emagrecidas

… portas com corações de oiro e olhos madrugadas.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:13

18
Abr 13

foto: A&M ART and Photos

 

Três tristes rostos

embrulhados em três tristes madrugadas

com três indefinidos tigres coloridos

nas três primeiras semanas do mês,

 

Três mulheres desalmadas

sós

apaixonadas

três... rostos sombras espelhos ou montras de incenso...

 

Três horas

em três relógios trigémeos

nas três madrugadas tristes

embrulhadas,

 

Três tristes rostos

com três lindos pincéis de areia

três barcos e três Marias

e... três... três gramas de paciência.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:50

15
Abr 13

foto: A&M ART and Photos

 

Não me toques, meu amor, não toques nas minhas pétalas, não, por favor, não toques nas minhas imagens, invenções minhas quando a noite mergulha no teu corpo desassoreado, desassossegado, embriagado por palavras e palavras, por luzes, e pelas eternas árvores, não amor, por amor, não me toques,

(três pequenas malas separavam-nos da paixão das almas embalsamadas, tínhamos asas, e tínhamos onde esconder os pequenos sobejos de nós, simples coisas, poucas, das tuas mãos, apenas uma máquina fotográfica, com imagens dentro, e de mim, nada, não esperavas absolutamente nada, a não ser, meia dúzia de livros com bolor, e alguns poemas escritos sobre os teus joelhos, e confesso, sabendo que não me estás a ouvir, e a ver, que esses – Queimaste-os? - claro, assim, despedi-me do teu corpo, como alguns corpos, se despedem suspensos dos ramos de árvore, algumas frágeis, tão frágeis que vergam e partem, e morrem...)

Não, não meu amor, por favor, não toques em mim, não, não me toque – Que dia é hoje, meu querido? - não sei, não, deixei de contar os dias, deixei de apontar as horas na parede em gesso do quarto minúsculo e húmido, e com uma também minúscula janela virada para um quintal de areia, desértico, tão pobre, quase, como os móveis que habitam esta tão acorrentada casa de sonhos, grãos de milho sobre uma eira sem nome, sem destino, sem terra, e queimaste-os dizes-me tu, e claro que te mentia, minto-te, porque sou incapaz de queimar palavras, talvez tivesse coragem de queimar

(corpos?)

Mas destruir palavras, nunca, meu amor, não me toques, por favor, deixa-me, deixa-me...

(corpos, o meu, o teu, o dele, corpos, corpos entre imagens a preto-e-branco, janelas intactas, que depois das tempestades, lá, estão sossegadamente lá, como o estavam antes, como o continuaram depois, e o fotografia não é mais do que uma janela, fixa, sem vidros e inquebrável . Queimaste-os? - baixava a cabeça e não respondia, e pensava, como poderia queimar os teus joelhos... - impossível queimar os teu belos joelhos, meu amor! - e no entanto, mentia-te, dizendo-o quando não o tinha feito, e tu, acreditaste, sempre, que todos os poemas escritos sobre os teus joelhos, coitados, foram todos queimados numa sexta-feira, era Verão, talvez uma tarde de Agosto, e depois, semeei as cinzas sobre a lápide encarnada do batom que passaste a usar nos lábios, sabia-me bem, não sei a quê, talvez – A chocolate? - não, não era a chocolate, talvez fosse a saudade)

Deixa-me, que um dia vais perceber que dentro das minhas imagens existem sonhos, os nossos sonhos, um dia vais perceber que da árvore que morreu devido ao peso de um corpo, outro corpo nascerá, - acreditarás em mim? - e outro, e outro, e outro corpo mergulhará nas imagens que escondo dentro das minhas férteis coxas de silêncio, tu um dia, vais

(corpos – Queimaste-os? - sim, meu amor, sim, sim, queimei-os a todos...)

Vais, vais bater a uma porta com um pedaço de vidro, do outro lado, alguém, mulher, homem ou criança, ou todos, perguntar-te-ão pelos poemas escritos sobre os meus poemas, e tu, responderás

(queimaste-os?)

Não, por favor, não me toque, meu querido, e responderás que os tens dentro de uma caixa de cartão, melhor dizendo, três perdidas caixas de cartão, em que numa delas, três, talve... talvez meia dúzia de imagens, guardas, de mim, do meu rosto, da minha pele, e

(teus joelhos)

Não, não, por favor,

E esqueci como era o teu rosto.

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:33

07
Abr 13

foto: A&M ART and Photos

 

Descia a rua e ninguém a cruzar-se comigo, sentia-me estranho e só, e todas as montras dos estabelecimentos comerciais, tapadas com jornais velhos, provavelmente encerradas, por ventura, há muito, pois as teias de aranha transpareciam para o exterior, havia um cheiro bafiento, penumbro, um cheiro a abandono, como aquele característico cheiro de quando somos abandonados por alguém e ao passarmos na rua – Coitado, cheira a abandonado – e aos poucos a tarde mergulhava no papel-químico para ser reutilizado na tarde seguinte, talvez amanhã, talvez depois de amanhã, ou... talvez nunca,

Tínhamos um cão rafeiro com olhos castanhos, pêlo curto, dentes afiados como lâminas de barbear, e quando se chateava comigo, eram os meus tornozelos que o pagavam, a fúria e o rancor, a maldição sobre a minha presença, e parece que nunca gosto muito da minha sombra, berrava-me e quando eu regressava tardíssimo a casa, lá esta ele à minha espera, como se eu precisasse de alguma coisa, ele, ele ajudar-me-ia... coitado do infeliz, coitado daquele que acredita que pode, e no entanto, pouco ou nada poderá fazer, a não ser, ladrar, ladrar e ladrar... coitado do Noqui I, como todos os cães, ladrar, ladrar e ladrar – Havia sorrisos de açúcar sobre a mesa das toalhas brancas – e hoje pergunto-me a razão de todos os rafeiros pertencerem a uma classe de fanfarrões, que não aguentam com um estalo no focinho, como os homens, e as pombas e as formigas

Pegava no papel-químico de anteontem, e colocava-lhe em cima um laço azul-escuro, e depois abria a janela e mergulhava-os no Sol de fim de tarde, regressavam as imperiais e o prato com tremoços, quatro o cinco, às vezes, seis, marinheiros sem embarcação definida – Queres dizer... desempregados? - não, não, marinheiros apenas de patente, marinheiros de esplanada, e quase no encerramento do dia, quando Deus com os seus assessores, faziam a contabilidade do dia... tínhamos sobre uma mesa redonda, e frágil, “cuidado – Frágil - “ aproximadamente oitenta copos de vidro, vazios, solitáriamente como andorinhas e botões de rosa,

E as formigas subiam árvore acima até encontrarem o fruto embrulhado em papel-químico, este, o de ontem, reviam o dia, visionavam as imagens sombreadas pelos lápis de cor das crianças da rua dos Alecrins, e uma senhora de bengala e óculos de sol, a que todos chamávamos de Dona Maria Dona, que vivia só, sem parentesco conhecido, pegava na bengala e corríamos como se fossemos moscas disfarçadas de gaivotas, deixávamos cair os lápis e quando chegávamos a casa, as nossas mães ao questionarem-nos – Os lápis de cor? - em uníssono respondíamos que...

Fugiram, mãezinha,

Hoje desço a rua e ninguém a cruzar-se comigo, sentia-me estranho e só, e todas as montras dos estabelecimentos comerciais, tapadas com jornais velhos, provavelmente encerradas, por ventura, há muito, pois as teias de aranha transpareciam para o exterior, havia um cheiro bafiento, penumbro, um cheiro a abandono, como aquele característico cheiro de quando somos abandonados por alguém e ao passarmos na rua – Coitado, cheira a abandonado – e quem nunca foi abandonado que atire a primeira pedra – É o atiras... -, e continuam lá, as frágeis mesas de esplanada, e continuam lá, as frágeis resmas de papel-químico dos dias passados desde mil novecentos e oitenta e sete, lá, como continuam lá, frágeis os queridos homens desesperados na ânsia de encontrarem companhia para as noites frias de Inverno, como continuam lá, as frágeis mulheres, com flores ao peito, com cabelos de chocolate, que se comiam nos intervalos do cinema,

Fugiram, mãezinha,

Olá, sou o Francisco – Muito prazer, sou a Maria André! - mas entre, entre e esteja à sua vontade, faça de conta que está em sua casa – Sim, claro, sim – e as frágeis formigas, como os lápis de cor, que quase sempre se perdiam – Os lápis de cor? - respondia-lhe

Fugiram mãezinha, fugiram,

Que se comiam nos intervalos do cinema, à luz dos candeeiros a petróleo, - Sopa? - não, não gosto de sopa, nunca gostei, detesto, como detestava as formigas do quinto esquerdo, sós, sem acesso ao sótão, ele voltou, sinceramente, e hoje, ficava lá, e hoje não regressava, e hoje, pegava nas folhas de papel-químico do avô Domingos, que religiosamente guardava numa caixa, e confesso que nunca percebi para que serviam, e mais tarde vim a descobrir que eram a cópia dos dias passados, coitado, e pegava nas folhas de papel-químico e construía uma papagaio, o pulsar do cordel enrolado no pulso, como um cabo de aço a prender árvores à terra com cheiro a chuva e a fogo, ouvíamos o tilintar das carapaças dos caranguejos esquecidos junto ao circo – O que são mangueiras? - mesmo debaixo da roulote dos palhaços, sentia-lhes as patas da frente contra os rodados de borracha como tenazes nas lareiras de trás-os-montes, e estávamos tão longe, distante, e descíamos a rua, descia a rua e ninguém me cumprimentava – Bom dia senhor Francisco! - olá bom dia Dona Menina Dona, e seguia, olhava e não ninguém, não havia árvores naquela cidade, barulhos, pedras de encontro às montras escondidas pelas velhas folhas de jornal – Procura-se Francisco Luís Fontinha – e não acredito

(Olá, sou o Francisco – Muito prazer, sou a Maria André! - mas entre, entre e esteja à sua vontade, faça de conta que está em sua casa – Sim, claro, sim – e as frágeis formigas, como os lápis de cor, que quase sempre se perdiam – Os lápis de cor? - respondia-lhe

Fugiram mãezinha, fugiram),

E nunca mais o encontraram, e nunca mais regressou, e pergunto-me, se o jornal que enfeita a montra diz que “ Procura-se Francisco Luís Fontinha” e se isso aconteceu há mais de dez anos, logo

A cozinha não tinha janela para as traseiras – Não percebi – estava a brincar, porque se a cozinha fica na fachada da frente, isto é, a cozinha tem janela para o alçado principal, pela lógica, pela lógica a cozinha não tem janela para as traseiras do prédio, logo

Há mais de dez anos que este estabelecimento comercial está encerrado – Não percebi! - repara, logo a cozinha não tem janela, logo

Dou-me conta que caminho pelas ruas de uma cidade fantasma, uma cidade que existe e não existe, digamos que – Bom dia dia menino Francisco – olá bom dia, Dona Teresa, como está a netinha? - Crescida e preguiçosa – Pois, pois... - como os barcos esquecidos no Terminal de Cruzeiros da Rocha Conde de Óbidos, presos a um cordel e um velho parecido com o avô Domingos a passeá-los rua acima, rua abaixo, e ninguém, nenhuma pessoa, nenhuma sombra, nada

Que desinquietasse a cidade fantasma,

E nada, tal como os lápis de cor - Fugiram mãezinha, fugiram – e a cidade, quando começava a noite, embrulhava-se no papel-químico e entrava dentro da caixa de cartão, até que mais tarde, ele, quando se lhe entranhava a solidão nos ossos, a abria, retirava o papel-químico e começa a recordar imagens que nunca

Existiram,

E que ele acredita terem existido.

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:17

28
Mar 13

foto: A&M ART and Photos

 

Imagens, solstícios de imagens descem metodicamente do tecto do impostor prazer que a luz provoca nos corpos negros, absorvidos pelos espelhos e pelos cortinados de espuma, onde te ajoelhas, onde te deitas, onde

(me masturbo)

Imersas minhas mãos nos solavancos que os vidros de areia escrevem nas paredes de barro depois das chuvas dos finais de tarde, lamento informá-lo mas

(ela morreu de tédio, desassossego, ou)

Mas ficou-nos sobre a mesa-de-cabeceira as fingidas pétalas dos perfumes embriagadas depois de caírem sobre as lajes de granito os melancólicos ossos da paixão dos peixes, havíamos construído e declarado guerra aos apaixonados cansaços vestidos de sobretudo encarnado, circulavam pela cidade, durante a noite, em busca de imagens, comida e simples jornais desvairados que alguém tinha deixado nos caixotes do lixo, um dos títulos anunciava a possibilidade da queda do governo, e se ele cair, que caia, mas que não se aleije, salvo seja, senhores das imagens que entram pelos meus olhos, eu nua, eu com uma câmara fotográfica em busca de um passado desperdiçado nas clareiras águas salgadas das praias com varanda para as traseiras, íamos à janela, e suspendíamos os seios no peitoril cinzento com saliva esverdeada, perguntávamos-lhe o que tinha, e ela respondia-nos

Fígado,

(ela morreu de tédio, desassossego, ou)

(me masturbo)

Imagens, muitas, loucas e loucos, como as árvores do Outono mergulhadas em rochas de iodo, e tédio, e cansaço... todos, temos, lamento informá-lo mas... cessaram as imagens a preto-e-branco, e se eles caírem, paciência, uns vão dizer que vamos melhorar, outros que nada mudará, eu nem sei o que lhe dizer Dona Menina Amélia... olhe

Seja o que Deus quiser,

E se ele não quiser, paciência, venham as imagens esquecidas, venham os bancos de jardim com ripas de madeira, venham eles e elas, todos e todas, a luz e a escuridão, o silêncio e a algazarra, o branco e o negro, e as pedras, e

(os barcos de papel com melodias entrelaçadas nos dedos)

E as flores, todas as flores, não falando nas algibeiras com a laje apodrecida, as moedas, poucas, caem até se estatelarem na cave, sombria, e sem janelas e sem abraços, coitadas, infelizes, aqueles e aquelas, pobres miúdos de porcelana com sorriso de nuvem embebida no sono longínquo das amendoeiras em flor, e se eles caírem?

(Imagens, muitas, loucas e loucos, como as árvores do Outono mergulhadas em rochas de iodo, e tédio, e cansaço... todos, temos, lamento informá-lo mas... cessaram as imagens a preto-e-branco, e se eles caírem, paciência, uns vão dizer que vamos melhorar, outros que nada mudará, eu nem sei o que lhe dizer Dona Menina Amélia... olhe), um dia perceberás a minha cabeça, um dia perceberás que sou tão normal como todas as outras pessoas que circulam à nossa volta, como são as moscas, como são as abelhas, como são todas as imagens, e todas as palavras

Normais,

Sou normal como qualquer árvore do jardim de Luanda, ou como qualquer machimbombo ou como o Mussulo, normal, sou, como a estrada para o Grafanil, ou

Normais,

Ou o cheiro da terra depois da chuva, e um dia, um dia perceberás que apenas a mulher da máquina fotográfica, essa sim, louca como os comboios em direcção ao Tua

(pare, escute, olhe... atenção aos comboios)

Proibido fumar, peço desculpe PROIBIDO O TRÂNSITO PELA LINHA,

E o Tua morto,

É como lhe digo Dona Menina Amélia, se cair

Caiu como vão cair os finos fios de luz das mandíbulas empobrecidas, loucas, loucas, loucas como uma montanha de areia, com braços de aço e olhos de plástico, simplesmente, se caírem que não o façam sobre mim,

(É como lhe digo Dona Menina Amélia, se cair)

O importante são as imagens, e por muito que eu o descreva, acredite em mim, só vendo, consegue vossemecê imaginar uma mulher nua dentro de um quarto escura a fotografar sombras? E junto à mulher um escadote com acesso ao infinito? Consegue?

É claro que não, Fígado,

(ela morreu de tédio, desassossego, ou)

(me masturbo),

Ou por falta de luz...

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:18

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