Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

29
Mar 20

(…)

 

Um par de cornos, um avental e uma faca do tamanho de um beijo, uma merda, a minha vida, a dela e a vida de quem não dorme…

Conhecia-a numa noite de Inverno, no planalto do desassossego habitavam as planícies da solidão, dias a fio encurralado numa jaula, à janela tinha a companhia da Gaivota Desejo, conheci-a numa noite de Inverno enquanto acendia a lareia, confesso, nunca tive, não tenho… apetências para lareiras, o meu caso é mais de insónias, tardes confusas

Confusas?

Sim, confundo o triste olhar do céu com os beijos da geada, sim, confundo os plátanos nus com a tua nudez… e que desperdício, o desgosto de acordar tarde, e tu

Sofrias de sinusite aguda, durante a noite não dormias, já dormes, meu querido? Não, não durmo, e de sinusite aguda transformou-se numa loba, tinha asas e voava sobre o Tejo,

E tu, e tu acreditavas que eu era marinheiro de profissão, tinha dois filhos e morava num cubículo recheado de velharias, alguns livros, dois ou três pratos e uma colher, a sopa infestada de sono, a sopa entranhada entre o ontem e o amanhã, não, não meu querido, não acredito numa só palavra tua,

Confusas?

Distantes e abstractas todas as minhas manhãs, conheci-a numa noite de Inverno, algas mortas, as profundezas da palavra acorrentada à lareira, bêbado, sou bêbado… cambaleava sobre a areia fina do destino, tinha dois filhos e morava num cubículo recheado de velharias, alguns livros, dois ou três pratos e uma colher, a sopa infestada de sono, o sono enfestado de sopa, e nunca vi o mar, meu querido, o mar…

Durmo!

À meia-noite regressava o eléctrico, descalça com os sapatos de salto alto suspensos no cansaço, vomitavas as dores do teu camuflado esqueleto pela manhã, vomitavas

Ela já foi dormir…

Vomitavas todos os gemidos da Sinfonia da paixão, acreditas, meu querido?

Fui despedido

Durmo! Ela foi dormir, ela quase nem me olhou

Boa noite…

Fui despedido e agora vou viver de esmolas e serviçais serviços, boa noite, ela já foi dormir, fui despedido como são despedidos todos os poetas, dizem que as mulheres têm o prazer de despedir poetas,

Foda-se o poema,

Boa noite…, nada mais, boa noite e partiu sem deixar rasto, algumas roupas, uma pequena pasta com alguns papeis e uma esferográfica, talvez comece a escrever, escrever-me definitivamente com o meu nome, endereço e rua,

Ela partiu, boa noite, cansaço o caraças…,

Um par de cornos

O caraças, tu andas é com algum Mânio, iletrado, dormir, fui despedido acreditando que levaria a vida de escritor,

Uma merda, escrevo uma merda e merda

Um par de cornos, um avental e uma faca do tamanho de um beijo, uma merda, a minha vida, a dela e a vida de quem não dorme…

A via não regressa mais aos teus braços, meu amor, sentíamos os gonzos da insónia acorrentados aos nossos lábios, o dia consegue alimentar-se das ardósias sonsas do olhar, a noite envergonha-se nos nossos medos, de amar, ser amado, amarmo-nos sem percebermos que amanhã o amor é uma lápide de lágrima, tive um sonho esta noite, estávamos sentados na saudade

Saudade, meu amor? Sim, sim meu amor, sentados na saudade, as cancelas da morte entreabertas, sentados na saudade,

Amanhã, meu amor, os pássaros brincando na janela virada para a Quinta, ao fundo o Rio, o Douro envergonhado galgando os socalcos do desejo, a vida

Não, não regressa mais aos teus braços

Meus amor?

Sim, claro, amanhã, amanhã sentiremos o odor dos sufixos aprisionados ao Dicionário da paixão, a encosta, o medo de perder-te, meu querido, enquanto lá fora a noite vomitava fotografias da tua infância,

Saudade?

Os brinquedos, os primeiros beijos e cartas de amor, o papel, os poemas em pequenos suicídios, milímetros de suicídio, aos poucos, a partida, o Adeus, a brincadeira,

Não, não meu amor, amanhã não

Não consigo absorver-te como te absorve a noite, as laminadas fragâncias enferrujadas no cabelo da invisível maré de Azoto,

Saudade?

Os brinquedos…

 

 

(…)

 

Francisco Luís Fontinha

In “Amargos lábios do Poema”

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:14

28
Mar 20

O tempo que passa,

Desassossega o desespero,

Finto a vaidade,

Perco o emprego,

Vagueio na distância,

Ilumino-me,

E, perco-me no cansaço dia.

Tenho pena,

Daqueles que por lá passaram,

E, desavergonhadamente,

Lá continuam,

Esperando as pedras que caiem do silêncio,

Aos poucos,

Em cio,

Os pássaros loucos,

No desvaneio da solidão.

O tempo passa,

A fome aperta,

Neste desespero acontecimento,

Dos novos marinheiros,

Entre sexos e chapas de zinco,

O rio, comem-me,

Quando a maré se abraça ao cansaço.

Todas as vezes, algumas, o tempo passa,

O mar envaidece-se de sonolências madrugadas,

Calcárias manhãs de Primavera,

Ao deitar,

Sobre o travesseiro da insónia,

Esqueço-me de acordar,

Tomo café, todos os dias,

E, vejo no jornal, a minha foto,

Necrologia,

Perdidos e achados,

Despeço-me,

Até logo,

Abraços.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

28/03/2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:26

18
Mar 20

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Francisco Luís Fontinha – Alijó

Ficção – Final do Mês

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:19

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Mar 20

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Brevemente

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:06

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publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:05

29
Fev 20

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publicado por Francisco Luís Fontinha às 13:19

27
Fev 20

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Novo livro de Francisco Luís Fontinha

Preço – 14,90€

Para encomendas, mensagem privada.

À venda na papelaria miminho – Alijó.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:24

24
Fev 20

Acordava do sono emagrecido,

O homem da nuvem embriagada,

Cansado,

Perdido,

E, reclamava,

E, gritava,

A palavra enfeitiçada.

E, hoje, nas camufladas ruas da cidade esquecida,

Embrenhado na poesia, a canção do adormecido,

O homem, cansado, denegrido,

Escreve sem ânimo,

Desiludido…

Dos alicerces envergonhados.

Rezam pela sua alma,

Coitado,

Sem nome,

Degolado pela tempestade,

O homem, o mesmo homem, o cansado,

Pegas nas palavras da reza em seu poder,

Desorganiza-se,

Veste-se de negro,

Negro, negrito, negrinho,

Como o gato do vizinho,

Dançando na eira das espigas adormecidas.

As sombras do silêncio,

A alvorada da sinfonia que jaz na ribeira,

O rio, em delírio,

O rio, desconectado da vida,

E, corre,

E, dorme,

Nas almas do mar.

O mar tudo engole, e, tudo mastiga,

Pessoas, lixo, palavras, o vento…

Uma laranja, sofre,

E, vive,

E, morre,

Dentro da laranja adormecida.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

24/02/2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:57

31
Jan 20

O suspiro da noite, enquanto a morte vagueia nas sílabas loucas da paixão.

O silêncio das palavras, perdidas nos livros invisíveis da solidão,

Um poema chora,

Alicerça-se na confusão da cidade,

Soltam-se todos os caninos vadios,

Correm em direcção ao petroleiro estacionado junto ao Tejo,

E, um soldado, procurando alimento, senta-se na sombra da neblina.

Todos os pássaros são felizes, ainda que sejam transparentes,

Nas paredes de xisto,

Olhando o Douro,

Desenhando socalcos no bico;

A jangada, afunda-se, como a mão do mendigo,

Quando fundeada na sopa trazida pela tempestade.

Chove, ouvem-se os ruídos da manhã,

Automóveis esfomeados levitam sobre as palmeiras,

Os transeuntes sofrem de pasmo,

Riem, como loucos,

Dentro de quatro paredes de vidro.

O suspiro da noite, sempre em alerta máximo,

Esconde as palavras na algibeira,

E bebe pequenos tragos de nada.

Hoje é sexta, noite como tantas outras,

Não interessa,

É noite, é triste a noite, quando se despede da tarde.

Os amantes fogem como fogem os mortos da sombra,

De roupa engomada, os tristes mortos, riem-se do silêncio amargurado que transporta o desassossego,

Tenho medo, dizia-me ele, quando acordava olhando quatro janelas de cartão,

Perdia-se na imensidão do espaço,

Cansado da vida,

Cansado da noite;

O suspiro. O suspiro da noite.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

31/01/2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:47

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Novo livro de Francisco Luís Fontinha. Brevemente.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:02

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