As sanzalas de vidro,
O silêncio suspenso nas sanzalas de vidro quando a manhã se suicida contra os rochedos do medo,
Os musseques que brotam sangue, os musseques que dormem na tua mão, meu amor,
São palavras escritas no vento,
Na despedida do sofrimento.
As maçãs da madrugada sobre as pálpebras do cansaço, digo-o enquanto habita no teu corpo uma serpente de aço,
As ratazanas que brincam com os meninos nas sanzalas de vidro,
O pequeno-almoço penhorado pelas Finanças, e lá fora a tua sombra encurralada nos livros,
Assim, como quem esquece a vida,
Ou se esquece da vida, como tu, meu amor, como tu…
Silabas tenho-as quantas quero, guardadas nos meus braços, no longínquo ângulo recto, o tecto da noite empobrecido, como eu, como tu.
As sanzalas de vidro, meu amor, os pequenos trapos das bonecas de areia que o mar alimenta, e há sempre um barco entre nós.
E há sempre um poema em nós, meu amor,
As pedras,
As pedras assassinas descendo a montanha,
O sigilo bancário nas barbas das Finanças, o horror, o terror, a torrente aventura de partir para o teu colo, meu amor, telegrama insignificante; STOP. MORREU. STOP.
E que sim, que fugia das cavernas que habitavam as sanzalas de vidro,
A chuva que não cai, a chuva que cai, o trémulo beijo no leite da manhã,
A literatura, tua, na minha cama,
Adormecida, cansada,
E desperto ao som de um velho relógio com engrenagens MADE in CHINA…
STOP.
MORTE. STOP.
Nas sanzalas de vidro.
Há caracóis, cerveja choca, poesia embriagada…
Dia,
A noite,
Na despedida da MORTE. STOP.
Encerro a luz, ficam tristes as sanzalas de vidro,
E mesmo assim, desenho-as nos teus lábios.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 30 de Março de 2018