Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

14
Set 11

Encostou-se às mimosas estacionadas junto às rochas e desceu vagarosamente o fecho-éclair das nuvens, começou a chamar por ele, Sai, Sai, Vem cá, Vem, mas o Sol não aparecia e com dois dedinhos afastou as espessas nuvens, procurou, procurou, procurou mas o Sol tinha desparecido,

 

Os dedinhos entre as estrelas e milhões de sorrisos espreitavam pela janela do tempo, as mimosas sacudiam silêncios e de vez em quando choviam pequeníssimas bolinhas de sabão, ele sorria, e não se cansando de procurar pensou que talvez fosse melhor colocar um anúncio no jornal, perdidos e achados, Procura-se o Sol, ofereço boa recompensa, e um desempregado ao ler o jornal depara-se com uma morada e um telefone e deslocou-se a casa da hipotética pessoa ou pessoas que procuravam desenfreadamente o Sol,

 

- Boa recompensa? Era mesmo isso que eu precisava e pelo Sol sou capaz de amealhar algumas notas de euro, algumas não, muitas,

 

Muitas vezes procuramos e não encontramos, colocamos anúncios em jornais, escrevemos na ardósia da tarde centenas de vezes Desenfreadamente o Sol, boa recompensa…

 

Bato à porta, aparentemente ninguém em casa, bato novamente e oiço uma voz sibilante mais parecendo um trovão nos fins de tarde de maio Quem É,

 

- Venho por causa do anúncio sobre o Sol,

 

Sol, qual Sol? Respondem-lhe de dentro da casa seminua da rua 3 de dezembro e número quarenta, e a voz sibilante a explicar que não colocou anúncio nenhum nem tão pouco sabe alguma coisa sobre o Sol Não coloquei nenhum anúncio nem tão pouco sei o que quer que seja sobre o Sol!,

 

- Mas aqui no jornal diz Procura-se o Sol, ofereço boa recompensa, contactar a rua 3 de dezembro número quarenta, e até tem o telefone,

 

Só pode ser engano,

 

- Engano? Andam a gozar com os desempregados, é o que é,

 

Encostou-se às mimosas estacionadas junto às rochas e desceu vagarosamente o fecho-éclair das nuvens, começou a chamar por ele, Engano? Deito-lhe a porta abaixo e o senhor já vai ver o engano, Duvida?,

 

As nuvens desenhavam no céu um semicírculo de fios de seda e ele com dois dedinhos ia afastando os finíssimos fios de luz, alguns deles enrolavam-se-lhe nos dedinhos pintados pelo fumo dos cigarros que engolia enquanto não chegava o comboio da madrugada, dos lábios o sabor a alecrim pendurado nas estrelas em milhões de sorrisos, e a madrugada ao mesmo tempo que se afastava da porta de entrada da noite sussurrava Estes desempregados são malucos… desesperados, Que Sol, procurar o Sol à noite?,

 

- Engano? Andam a gozar com os desempregados, é o que é,

 

A noite estica os olhinhos no sentido do relógio que a acompanhava no estreito pulso do cansaço, e não percebendo à primeira que horas eram, porque o mostrador estava embaciado pelo nevoeiro, olhou novamente Três da madrugada dizia a noite para as nuvens,

 

E ainda temos tempo, vamos deixar que o Sol durma mais algumas horas,

 

- Mas aqui no jornal diz Procura-se o Sol, ofereço boa recompensa, contactar a rua 3 de dezembro número quarenta, e até tem o telefone,

 

Pelo menos mais duas respondem as nuvens para a noite, e enquanto a lua cerrava o fecho-éclair das nuvens as mimosas começaram a abrir os bracinhos, umas esfregavam os olhinhos, e outras, outas brincavam com as pequeníssimas bolinhas de sabão…

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:26

30
Jul 11

A força cansa-se no finíssimo cacimbo

De luanda

E os meus braços começam a evaporar-se na avenida

Nua e crua junto à baía

O vento sopra e com ele vem o invisível perfume da madrugada

E uma manga desprende-se do céu,

 

O mar vem até mim e entra-me pela algibeira

O velhote barco enferrujado ancora nas poucas moedas

E o sol prende-se ao infinito

Um miúdo grita-me,

 

Uma gaivota alicerça-se nos meus lábios

E na chuva miudinha da tarde

A terra em mergulhos no capim

E some-se-me dos dedos…

 

Procuro os cigarros agachados entre as madeixas do meu cabelo

E no meu corpo ergue-se uma nuvem e das lagrimas de cera

Acende-se a manhã

E quando os ponteiros do relógio caminham para a noite

O musseque que brilha no zinco do amanhecer

Funde-se nos meus olhos,

 

E percebo que o meu destino…

Ver o dia caminhar na solidão das minhas mãos

Viver miseravelmente miserável…

E ser covarde.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:59

28
Jul 11

Há qualquer coisa de estranho,

E que se entranha no meu corpo como as ervas do terreiro, o mar deixou de ter ondas e o vento cansou-se de soprar, as árvores adormeceram eternamente nas sombras da noite, e os pássaros suicidam-se contra os postes de iluminação, há qualquer coisa de estranho que me puxa para dentro da terra, e o buraco negro da vida engole a minha massa e a luz torna-se opaca, e os meus olhos emagrecem nas pedras calibradas das ruas de mãos entrelaçadas na poeira da lua, há qualquer coisa de estranho quando incendeio o quarto de eletrões, quando abro a janela e em vez de olhar o mar vejo uma parede invisível que me tapa a paisagem, o teto começa a descer e eu começo a encolher e as paredes começam a vibrar e em frestas desfazem-se em migalhas de pão,

- Há qualquer coisa de estranho quando os pedacinhos do almoço se interrogam no talher e as mãos começam a inchar, levantam-se da mesa guardanapos com gripe e a água em escuridões de azoto evapora-se do copo amargurado, o peito em saliva dilata-se nas nuvens antes da chuva miudinha, pieguices modernas, loucuras de hoje, o almoço amarrotado nos intestinos como se fosse o xisto da vinha, e os cachos de uvas agridem-se em bofetadas de mel, o doutor levanta os olhos, olha-o e diz-lhe que ele só pode estar louco,

Sinto muito mas o senhor está maluco, o homem discute e argumenta que não, e o doutor continua a explicar-lhe O senhor precisa de ser internado!, e o homem pergunta-lhe Porquê?,

- O senhor não distingue a realidade do sonho!, o homem enfurece-se e pergunta-lhe que se explique O senhor doutor explique-me lá isso muito bem!, O seu problema é que não distingue a realidade do sonho, isto é, ao sonho chama realidade e à realidade sonho,

Não percebi responde-lhe o homem,

- O senhor vive dentro de um sonho, Percebe?, e eu, finjo que sim, Percebi!, O senhor construiu um sonho onde está sem trabalho e sem dinheiro Entende-me?, Espere aí doutor, espere aí, Quer dizer que não estou desempregado e sem dinheiro?, Claro que não homem é tudo um sonho…

Desculpe-me doutor mas não percebi, eu sei que sou um pouco estúpido mas é-me difícil perceber o que o doutor está para aí a escrevinhar na ardósia, Não se preocupe, uns dias em isolamento na enfermaria e tudo volta ao normal!, Normal? Que normal?, ao normal explica-lhe o doutor dos malucos,

- Volta ao seu emprego, E qual era?, O senhor é administrador de uma empresa do burgo, Ai sou!, É, e ganha muito bem, Ganho?, claro que sim responde-lhe o doutor,

Há qualquer coisa de estranho quando releio este texto encostado aos umbrais do silêncio, o doutor dos malucos sentado à minha beira a fabricar papagaios de papel e eu entretido nas fotografias a olhar o mar de luanda, os cordéis enrodilham-se nos tornozelos da secretária e uma nuvem sorri da fotografia,  batem à porta,

- O senhor administrador e o senhor doutor dos malucos ao refeitório se fazem favor, em voz grossa o enfermeiro,

E o estranho é que chovia em agosto, e era noite, e o jantar meia dúzia de pilulas a dividir por dois…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:52

13
Jul 11

As estrelas,

Pintadas de fresco no teto da sala, a placa metalizada onde se lia “não tocar”, frente aos correios o banco de jardim em madeira engolido pelos anos e anos e anos, e foi há tanto tempo, “não tocar”, e ele tocou, a mão impressa numa nuvem de fumo, os cigarros quando acordam mal dispostos e a dor no estômago, o batimento das ripas de pinho entre os parafusos das tuas coxas, recorda-se ele, as conversas que tínhamos, murmura a silaba folheando livros e acariciando a pétala de rosa que o ponto de interrogação de ofereceu, há tanto tempo, e foi há tanto tempo que as estrelas deixaram de se embrulhar nos lençóis de sombra da tarde, e da noite, e da noite depois da noite, na madrugada,

- Kafka embainhado no PROCESSO, e os olhos da vogal tingiam-se de negro,

A silaba em gemidos de desejo nas mãos do ponto de interrogação, um silencioso Ai despe-se e os seios em queda livre no peito dele, a mão direita do ponto de interrogação em palmos milimétricos, percorrem a pele fina e escura da silaba, uma pausa no umbigo, abre o vidro e lança a beata de cigarro de encontro ao pavimento do envelhecido paralelo granítico, fecha o vidro, destrava a mão e em acelerações de lesma recomeça a viagem até ao púbis encolhido nas calças de ganga, um obstáculo, e a mão entalada no cinto de couro,

- E agora?, pensa o ponto de interrogação,

A mão emagrece e contorna o obstáculo, a silaba em gemidos aumentados, PÁRA, POR FAVOR, eu começo a reduzir a velocidade até me imobilizar numa zona semeada de arbustos espessos, A relva do jardim?, o ponto de exclamação que ia a passar nesse momento acena-me com a cabeça que não, não é relva, POR FAVOR, PÁRA, e eu pensava, Eu estou parado!,

- A mão desprega-se do meu corpo e entra dentro das calças dele, e desgovernada como um automóvel pela rabina até ao rio, cambalhotas e cambalhotas, e quase quando ela chega à água finíssima do douro, uma coisa cilíndrica grossa e dura, o xisto humedecido sobre as fendas da terra,

Entro na garganta das coxas dela, e a silaba uma enguia quando sai do rio, a silaba suspira e transpira, a silaba engolida pelo ponto de interrogação, a frase move-se no texto encolhido na noite, a frase um amontoado de gemidos e latidos, e do texto pedacinhos de letras começam a saltitar, o xisto humedecido sobre as fendas da terra, e os minutos intermináveis de silêncio,

- Kafka era louco, a vogal para mim,

O ponto de exclamação diz que não, estrelas pintadas de fresco no teto da sala, Se estou a vê-las!, e eu não acredito nas palavras da vogal,

- Era só o que faltava, estrelas pintadas de fresco no teto da sala!,

Frente aos correios o banco de jardim em madeira engolido pelos anos e anos e anos, e foi há tanto tempo, e foi há tanto tempo que a primavera deixou de viver…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 14:07

05
Jul 11

Vou roer-te os tornozelos seu “monte de esterco” sentenciou o rafeiro enquanto me aproximava, e assim fez, com dois dentes presos por arames ao muro de vedação, zás, a picada minuciosa nas minhas pernas de árvore centenária, das queixadas abertas como a garganta de um vulcão as palavras errantes que se fixavam às minhas calças, a ganga arranhada no silvado de pêlo curto e génio entrelaçado na sombra das bananeiras, e escondia-me e pensava, levas um pontapé nos queixos que até vais ver estrelas, e nem as estrelas caíram do céu, nem o meu pé conseguiu tocar nas queixadas do rafeiro, ele um cagalhão que cabe na algibeira e tão ranhoso e tão guerreiro, e faz-me lembrar aqueles que gritam e gritam e gritam e com um tabefe aterram no pavimentos com a fuça desfeitas em pedacinhos de papel pela gatinha da vizinha,

- Tão gira ela,

A gatinha ou a vizinha?, para mim o rafeiro em sorrisos parvos, e que posso eu responder, que nem uma coisa nem outra, e que não tenho vizinhos, os metros quadrados de quintal começam a encolher na tarde, juntamente com a noite os estorninhos que regressam de mais um dia laboral, as filas intermináveis, os berros das buzinas camufladas debaixo das asas, a paragem obrigatórias nos semáforos com tosse e rouquidão, a poluição da descarga incontrolada de nuvens em decomposição, e passo ao de leve a mão pela cabeça e o cheiro intenso a palha e urina, e escrevo nas paredes,

- Malditos estorninhos,

Os plátanos esperam-nos e o rafeiro louco a correr em círculos desajeitados, grito-lhe anda cá REX, e REX nada, como se eu fosse um “monte de esterco”, e percebo que ele,

- Vai-te foder e deixa-me correr,

A língua pendurada ao canto da boca e o cigarro de lambidela em lambidela extingue-se-lhe e sobram-lhe as cinzas com o cheiro a cio, cabrão de cão, e eu anda cá REX, e o REX levanta a pata e com os dedos constrói uma figa, FOCK YOU,

- E escrevo nas paredes malditos estorninhos que vacilam em todos os finais de tarde,

E todos os finais de tarde este pelintra a roer-me os tornozelos, passa-me as calças a ferro, e quando tinha mais dentes até um par de botas conseguiu furar, sinto a agulha a tocar-me no dedo, e desde aí quando chove em demasia as inundações do costume, as sarjetas entupidas, as folhas que se entranham garganta abaixo, meia volta no estômago e do intestino uma pasta pegajosa, a que o povo apelida de merda,

O quintal agora apenas milímetros quadrados, e eu pergunto-me, e o resto do terreno?, e eu pergunto-me, e as árvores?, e eu pergunto-me e o REX?, e eu pergunto-me, e os estorninhos?, e respondem-me do portão de entrada,

- Todos mortos, na lápide a bravura heróica dos soldados em combate que na guerra das sombras defenderam todos eles, todos eles sem excepção, a missão que lhes tinha sido confiada,

Tão gira ela,

A manhã quando acorda e as gotinhas de orvalho lentamente na minha pele, e no quintal o insuportável do REX a roer-me os tornozelos que abanam na língua da ganga,

O pequeno-almoço na mesa,

E na TV em rodapé junto ao soalho ULTIMA HORA “Moody´s corta rating de Portugal para lixo”, e eu e o resto do terreno e as árvores e o REX e os estorninhos em voz alta, que novidade…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:52

20
Mai 11

No muro dos silêncios

A minha mão à procura de um buraco

Uma fenda uma nuvem

Pendurada na janela

 

No muro dos silêncios

Poiso durante a noite

A minha cabeça sem olhos…

E nos meus olhos a chuva da manhã

 

A tempestade das oito horas

Que procura na areia

O muro dos silêncios

Junto ao mar

 

Junto a uma sepultura de dor

Que me vai cobrir de sorrisos

Quando me olham

E me dizem que a manhã não existe

 

Amanhã uma mentira

Para me entreter

Para que nos meus olhos

A chuva não chuva…

 

Grãos de areia que se suspendem

Nas cordas que me prendem ao cais

Que me seguram quando na parede da sala

Um relógio tal como a manhã em mentira

 

E não oito horas

E não relógio…

E não manhã

Ou chuva

 

Andam a mentir-me desde que nasci.

 

 

 

Luís Fontinha

20 de Maio de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:41

14
Mai 11

Peço aos teus lábios a tranquilidade do amanhecer

Quando nas mangueiras do meu quintal

Os pássaros suspensos no teu olhar,

E dos teus lábios

 

Recebo um beijo.

 

Os pássaros suspensos no teu olhar

E dos teus lábios,

 

Dos teus lábios emergem nuvens

Construídas de algodão,

Nuvens com sorrisos de silêncio

Nuvens que se enrolam nos meus braços

 

Nas tardes de solidão.

 

 

Luís Fontinha

14 de Maio de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:14

10
Mai 11

Cessam as nuvens do amanhecer que tapam os meus olhos, cessa o néon encalhado na parede sobre as portas de entrada dos comércios, cessam os bancos do jardim e escondem-se por entre as sombras da rua, e logo pela manhã alicerçam-se nas minhas pernas as algas do rio que durante a noite entraram pela janela, tenho medo, fico preso ao chão, as minhas pernas ancoradas a um relógio de parede no silêncio do tempo engasgado e circular à volta do candeeiro, não ando, deixei de andar e também perdi a velocidade, quero esconder-me dentro de uma raio de sol, mas o sol é suficiente frio para aquecer o meu corpo gélido, verifico que sou de tungsténio, e cessam as nuvens do amanhecer que tapam os meus olhos, deixei de ver, deixei de observar as coisas belas e não belas, e há pedras tão belas, e belas tão flores, e mulheres incandescentes no limiar da conservação da massa, na aceleração gravítica, nos protões e electrões, e no infinito…

 

 

Luís Fontinha

10 de Maio de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:55

20
Abr 11

Hoje nas lágrimas das nuvens

Vi os teus olhos que me chamavam

E dos teus lábios em silêncio

O sol espreitava-me

 

Como se eu fosse uma janela

Suspensa na fachada do meu corpo

Entreaberta sonâmbula na noite…

 

(Hoje nas lágrimas das nuvens

Vi os teus olhos adormecidos no meu peito)

 

Entreaberta e virada para o mar

As lágrimas das nuvens que me irritam

O sol quer brilhar…

Os pássaros nas amoreiras gritam

 

E as lágrimas das nuvens vieram para ficar.

 

 

FLRF

20 de Abril de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:54

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