Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

15
Nov 11

Cresci na proibição de prenunciar a palavra Mar, e antes de morrer a minha mãe chamou-me ao silêncio do leito e segredou-me,

- Meu filho Quero que me prometas uma coisa e eu sem saber do que se tratava prometi-lhe Sim mãe prometo,

E desde então deixei de prenunciar a palavra mar, e desde então cerrei completamente os olhos com um pedacinho de linho para resistir à tentação de dizer o que via, porque não vá o diabo tecê-las e eu dizer o que via e que eles não queriam que eu dissesse, e assim cresci, cresci fingindo que onde brincava o mar habitavam plátanos, e assim cresci, porque há cerca de vinte anos lhe prometi que nunca prenunciaria a palavra mar nem dizia aquilo que os meus olhos viam,

- Prometes? E eu antes de saber o quê Sim mãe prometo,

Sentia-lhe a mão na minha mão e percebia-lhe o cansaço do coração, fraco, muito fraco, e eu prometi que nunca mais prenunciava a palavra mar nem dizia o que os meus olhos viam, e cresci, e cresci acreditando que onde brincava o mar habitavam plátanos,

Sentia-lhe a mão na minha mão e percebi-lhe um pequenos murmúrio que aos poucos despregava-se-lhe dos lábios e alicerçava-se no silêncio do leito,

- Porque eles não querem que prenuncies a palavra mar nem digas aquilo que os teus olhos veem,

E eu prometi-lhe,

- Sim mãe Prometo,

E vinte anos depois e que eles estão a padecer e a enfraquecer e a morrer, e hoje, hoje abri a janela e consegui ver o mar, porque ver é uma coisa e imaginar é outra, e eu cresci na proibição de prenunciar a palavra mar,

 E é tão lindo Mãe…

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:05

12
Nov 11

Caiem sobre o meu corpo as lágrimas dos plátanos

E ao olhar-me no espelho da noite

Sou um plátano que se desprega lentamente do mar

E nem o vento faz balançar o meu tronco

E nem a chuva cessa as lágrimas dos plátanos

Que caiem lentamente sobre o meu corpo

 

Sento-me sobre a areia molhada

E com a minha mão faço desenhos nas lágrimas dos plátanos

Desenhos e desenhos e desenhos

Um dos plátanos agacha-se e toca-me

E eu olho-o como se fosse o amanhecer

Embrulhado na toalha da madrugada

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:44

06
Mai 11

O Alex em círculos concêntricos à volta de um ponto imaginário, cigarro na boca e braços abertos em gritos histéricos,

- sou um pássaro,

Eu sentado numa cadeira a fumar cigarros imaginários, olhava pela janela, e eu lá fora a brincar com os pássaros junto aos pinheiros, e o Alex à minha volta em voos rasantes, cada vez mais pequeninos… poisava a mão no meu ombro, pegava no cigarro com a mão direita, e,

- sou um pássaro, sou um pássaro e sei voar…

E eu olhava pela janela e ele poisado nos pinheiros de cigarro ao canto da boca, e ele olhava-me e acenava-me, livre, voava, saltitava, e eu sentado na cadeira junto à janela, e eu lá fora a brincar com os pinheiros, e o Alex,

- sei voar e sou livre,

Livre e eu fechado dentro da sala de chuto a contar os cigarros que sobejavam quando eu dormia e o plátano do jardim vinha até mim, poisava a mão nos meus ombros, e eu com dores, o meu esqueleto catalogado e preso com arames, sinto a falta de um osso, não sei se o perdi no corredor ou… talvez na sala de chuto,

- sou um pássaro e sei voar,

E não na sala de chuto, e não no jardim junto aos pinheiros, quando entrei aqui já não o trazia, talvez o tenha perdido junto ao rio, quando os carris se revoltam e desaparecem com a luz do dia, talvez na sala de chuto, quando os cigarros adormeciam na minha mão, dava um salto, e

- foda-se… queimei-me,

Sou um pássaro e sei voar, sou livre…

- Vai-te foder, Alex.

 

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

6 de Maio de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:52

Agosto 2020
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1

2
3
4
5
6
7
8

9
12
13
14
15

16
17
19
20
21
22

23
24
25
26
27
28
29

30
31


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

mais sobre mim
pesquisar
 
blogs SAPO