Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

29
Mar 15

Os colchões de areia do Mussulo

A hipotenusa brincando no quadrado

E num pulo

O mar

Esboçado nas trincheiras da melancolia

A dor

Adquiríamos as ventosas do desejo

Debaixo dos abraços cinzentos

Nos telhados de vento

O tempo indisponível

Tente mais tarde

Ouvia-a depois da luz se extinguir

Nos rochedos negros do púbis

Havia música nas janelas que o luar desenhou

Nas tuas coxas

Deus brincava nos teus pincelados lábios

Pedia-lhe

Não me respondia

A fala

A palavra prometida

Assustava-me

E fugia

Libertava-me do incenso

E das canetas de prata

Alimentava-me dos brinquedos em plástico

Entre as sombras das mangueiras

Os homens

As mulheres

Ao portão…

Abraçava-me

Beijava-me

E no entanto

Era apenas uma fotografia

Sem pátria

Que gemia

E não sentia

E havia

Nos seus ombros

Um triciclo envenenado pela fogueira da paixão

Eu

Eu tremia

Sem saber que o barco me levava

Nunca mais me trazia

A esta terra sem capim

Nem árvores de veludo

O teu corpo imaginava-se nos tristes arvoredos do sonho

Antes de adormecer

Eu… eu escrevia

Olhávamos as almas

E os becos escondidos na cidade

O Tejo entre azulejos

E livros

O caderno junto aos teus seios

Tão pequenos

Como as estrelas

Como os cinzeiros

Semeados na minha secretária

Papéis orvalhados nos condomínios de luxo

As portas do inferno

Comendo os teus geométricos olhos

Vai caminhando na voz enrouquecida das abelhas

E dos veleiros nocturnos da solidão

Hoje recordo-te nos colchões de areia do Mussulo

Como recordo as avenidas embriagadas

Pelo silêncio obscuro

Sempre tive medo dos teus cabelos

Abraçava-me

Beijava-me

E era apenas uma fotografia

Tão triste

Tão triste que durante o dia

Ardia…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 29 de Março de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:27

22
Mar 15

O gatilho da paixão

uma bala vestida de palavra

entranha-se no meu peito

grito

grito o poema assassinado pelo poeta

a espingarda da saudade

nos lábios tristes da madrugada

o gatilho da paixão

em pausa

suspenso na minha mão

disparo

não disparo...

 

mato

morro

não sei...

quando o papel arde

no pôr-do-sol da solidão

o amor

o amor das clandestinas manhãs

e o uivo da boca

no beijo cansado das nuvens de algodão

não paro

caminho em direcção às equações do sono

é amanhecer

 

vejo a cidade em lágrimas

chove

nos cabelos da maré

invento-me nos teus braços

como um louco esqueleto de pano...

o piano

dança junto à lareira do adeus

a despedida

a partida

uma mala vazia

quase vazia

porque lá... habitam os socalcos do sonho.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 22 de Março de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:39

07
Dez 14

Todos nós

somos anfíbios poetas,

algas de acariciar...

todos nós somos estrelas em solidão

nuvens por catalogar...

palavras sem paixão...

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 7 de Dezembro de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 13:12

18
Nov 14

Um corpo flutuante nas arcadas nocturnas do medo

o fumo negro da saudade

que sobeja de um cigarro embriagado

tu

tu não vês... que há pássaros poemas

e poetas pássaros

tu

tu não vês... que há palavras disparadas de uma espingarda

um soldado que tomba

e sonha

e flutua...

o corpo flutuante sobe ao cimo da montanha,

 

grita

chora...

e ausenta-se da neblina cinzenta,

 

são horas de adormecer

o cansaço espera o corpo flutuante que aos poucos se solta das cordas do silêncio...

parece sofrer

mas... mas o medo permanece impávido

na parada da insónia

são horas do corpo flutuante renascer

brincar

e... e... e deambular sem correntes calçada abaixo

em direcção ao mar

grita

chora...

e ausenta-se da neblina cinzenta.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 18 de Novembro de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:44

09
Mar 14

foto de: A&M ART and Photos

 

Aparecias no descampado morro da solidão,

trazias vestido o perfume da paixão,

e nos seios a cansada poesia do louco poeta,

depois... depois desaparecias na escuridão de uma porta sem fechadura,

deixavas-me suspenso nas amoreiras do desejo,

e entre um beijo,

e entre a saliva do silêncio...

nada mais do que a tua sombra transposta como a matriz ranhura,

ouvíamos o mar galgar as tempestades da tua pele,

e pergaminhos de suor, pequenas gotículas de gemidos ais...

alicerçavam-se à minha mão descarnada, como uma árvore esquecida na madrugada,

e percebia de ti as inconstantes locomotivas do amor,

 

(tínhamos dentro de nós o beijo e as sílabas desenfreadas com dentes afiados,

não havia em nós as coloridas paredes de verniz,

não havia em nós os sonâmbulos cubos do amanhecer...

e mesmo assim, quase sempre, desejava-te como a caneta de tinta permanente deseja o papel nu,

ausente,

de ti, de mim... de nós, quando se acendiam os candeeiros das avenidas com palheiros de prata)

 

Aparecias, e desaparecias...

acorrentada a uma fotografia junto ao lago com cisnes circulares e olhos de noite,

procurávamos nas janelas das camas ensonadas os cortinados do Adeus,

ausentávamos-nos, e regressávamos anos depois...

tudo como dantes, tudo tão igual em pequenas fotocópias de prazer,

e sentíamos em nós os tristes pilares do edifício amarelo,

descíamos as escadas, íamos à cave dos sótãos com zincados tectos, e sabia que habitava em ti a fuga, fugias, regressavas... e quando me apercebia, lá estavas tu sentada em mim,

eu era a tua estátua de marfim,

e entre lágrimas e alguns poemas..., nada nos pertencia,

tínhamos dois corpos ancorados aos rochedos de Belém,

e entretínhamos-nos a contar os comboios em corridas apressadas para Cascais,

e depois..., e depois adormecias nos meus braços como uma boneca de porcelana...

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 9 de Março de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:24

25
Ago 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Porquê?

Os navios em fúria de apitos, amontoavam-se à porta de casa, lá dentro, eu e ele, tentávamos esconder as amarras dentro da gaveta da cómoda, eles cá fora, gritavam

Porquê?

Marinheiros famintos, procuravam qualquer objecto que servisse para derrubar a frágil porta, escondemos-nos junto ao corredor que dava acesso à casa de banho, o peitoril fumegava, alguém já nos tinha lançado algo de combustível, algo de destruidor, abracei-me a ele, e com toda a minha força

Porquê?

Fiquei não sei quantas noites pensando que nunca mais terminaria a sangrenta guerra de palavras da cidade dos desejos, multipliquei abraços, dividi beijos, e hoje

Porquê?

Hoje pareço um íngreme cavalo de areia correndo sobre o mar,

E com toda a minha força apertei-o como quem aperta o único filho, e pela madrugada, não sei qual delas, ele partiu, consegui desembaraçar-se dos meus abraços, e

Nunca mais o branco fumo dele nos meus lábios,

Nunca mais

Porquê?

O silêncio pergaminho das suas mãos no meu rosto,

Nunca mais a voz desajeitada dele no espelho da casa de banho, irritava-me

Vens jantar logo, meu querido?

Irritava-me

Três torradas chegam, meu querido?

Assim não, assim sentia dentro de mim uma escada rolante em direcção ao poço profundo da tristeza, irritava-me

Querido

Sim, diz?

Querido, logo chegas cedo a casa?

E apetecia-me gritar, não regressar, nunca, irritava-me

Sim, diz?

Que coisa... a tua...

Os navios em fúria de apitos, amontoavam-se à porta de casa, lá dentro, eu e ele, tentávamos esconder as amarras dentro da gaveta da cómoda, eles cá fora, gritavam

Porquê?

Eles cá fora pareciam um exército de mendigos, procuram-nos como quem procura o vento antes de levantar âncora, o veleiro poisava-se sobre um banco de areia, rodopiava em pequenos círculos... e dali não zarpava nunca,

Porquê?

Os marinheiros famintos, o azedume dos versos que o poeta louco tinha deixado sobre a mesa-de-cabeceira no quarto da amante voavam porque o vento que antes se fazia sentir no corredor começou aos poucos a avançar em direcção ao quarto, a amante tinha desaparecido, ele e o amante, também desaparecidos, apenas os famintos marinheiros enrolados em poemas de “merda” que o louco poeta ante de suicidar-se tinha esquecido, tal como a janela aberta

Porquê? Esta chuva de papeis com pequenas palavras...

Os marinheiros

Porquê?

O poeta louco

Onde está ele?

A amante do poeta louco

Irritava-se com as palavras do seu amado, algo de destruidor, abracei-me a ele, e com toda a minha força

Porquê?

Porque hoje é Domingo, porque hoje há quitetas e cerveja Cuca...

Porquê?

Porque uivam os navios quando estão em sossego?

 

 

(não revisto – ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 25 de Agosto de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:22

11
Fev 13

Uma fresta da noite copia-se e cola-se no branco papel com pontos de suor, chamavas-me parvalhão, estúpido, ou

Paspalho?

Nunca me interessaram as alcunhas, porque são apenas palavras, e com o vento, elas, voam como voaram as gaivotas do teu curto cabelo nas sombras do Tejo, nos jardins uma fina camada de relvas onde nos deitávamos, e olhávamos o céu nocturno das mãos entrelaçadas, ouvíamos

Paspalho, eu?

Ouvíamos os gemidos das árvores em cio, e dentro de água sentíamos os alicerces dos corações de aço a derreterem, como derretem as nuvens de açúcar na boca de uma criança, como derretiam as nuvens de açúcar na tua boca fingindo Primaveras e rosas de abelha, éramos os únicos habitantes do planeta X-321 e

Parvalhão, estúpido, ou

Paspalho?

E acreditávamos nas cartas perfumadas que enviávamos ao final da tarde nos olhos de uma andorinha, e

Eu?

Três dias depois ela regressava, estava cá, na caixa de chapa zincada com uma portinha mínima, e mal dava para entrarem os dedos, finos, meus, como os varões de aço no estômago de um pilar ou de uma viga, levantávamos-nos cedo, como se as máscaras de Carnaval que na noite anterior tínhamos deixado em cima da mesa-de-cabeceira fossem um espelho que saltara do guarda-fato, e dávamos conta que eram apenas os nossos rostos disfarçados de meninas do mar,

No nosso planeta X-321 não havia nada, água, vento, pássaros ou barcos com asas, apenas dois corpos se misturavam no salitre húmido das madrugadas acabadas de fazer, e ainda quentes, comíamos-as, todas, sem percebermos que elas

Eu?

Que elas eram filhas de um Deus poderoso, teimoso, arrogante, como as paixões entrelaçadas nos céus do planeta X-321, como os pregos do leito da morte das flores embalsamadas, e tínhamos dentro de nós pedaços de vidro, em placas, finas, que serviam para quando viesse a noite, nós, eu, tu, eu e tu, rasparmos o velho mármore dos muros que o sono deixava sobre os versos em arame forjado, tristes, nós, à procura do sossego, e das acácias em flor,

Hoje,

Uma fresta da noite copia-se e cola-se no branco papel com pontos de suor, chamavas-me parvalhão, estúpido, ou

Dois cadáveres dissecados pela caneta de um poeta, inventa-nos quando a solidão o abraça e a insónia lhe bate à porta, quase que me atrevo a afirmar que

Eu e tu, nós,

Somos as lágrimas de fantasia dele, somos os restos de tinta e papel mata-borrão, como duas candeias de poemas suspensos nas janelas do planeta X-321, um espaço vazio, eu e tu, nós,

Que este poeta nos ama, como nos amávamos sentados junto à margem do Tejo a cilindrar cigarros e a diluirmos cerveja e vodka nas nossas bocas cansadas dos tormentos que vagueavam nos pinheiros entre xistos e socalcos, os vidros, em placas, finas, começavam a romperem-nos como o poeta rompia as pequenas folhas de papel e destruía os poemas escritos, e percebíamos que também nós, eu, tu, nós

Dois poemas escritos pelo louco poeta.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:39

09
Fev 13

Conheci um velho, fumava cachimbo e tinha como hobby encantar e desencantar as serpentes invisíveis de um circo ambulante, apaixonei-me pelo circo desde muito novo, fascinava-me olhar as luzes, as mulheres que voavam sobre a circunferência em formato de palco, no chão apenas um tapete de lona, sobre as cadeiras uma penumbra de giz brincava nas ardósias masculinas que acompanhavam os filhos, e as filhas, e as mulheres, e as namoradas, e os namorados, e todas as moscas devido à presença de animais domesticados que o domador ia desenhando numa parede verde com flores amarelas, conheci o velho Domingos e desde esse dia

Nunca mais o esqueceu, iam passear para os descampados longínquos das casas de madeira e zincadas, como as chaves de casa, ou quando se abriam os portões dos quintais com mesas de madeira, e cadeiras de cimento, e sobre as mesas, garrafas vazias de cerveja Cuca, botões em decomposição que saltavam das camisas que aos poucos inchavam como pedaços de esponja com as chuvas de fim de tarde, e ele entre voos e fantasias, acreditava que um dia ia ser artista de circo, malabarista, trapezista ou encantador de serpentes como o velho Domingos, acabou por ser mordomo e apaixonou-se pela patroa,

Saboreava as quitetas com o molho de sombra de mangueira, de olhos vendados, noite e dia, lembrava-se das ondas do mar de barcos em fila para entrarem na barra, um triste rebocador puxava-o até que ele depois de encostar na plateia, sentava-se, alinhava-se na cadeira e empurrava as pernas até encontrar os silêncios de capim do recinto onde tinham atracado o circo dos sonhos, os barcos misturados com as bailarinas, em círculos concêntricos, e acabavam a noite a extrair a raiz quadrada dos seios da menina Augusta, que sobre as mesas de madeira dos quintais, e cadeiras de cimento, e sobre as mesas, garrafas vazias de cerveja Cuca, botões em decomposição que saltavam das camisas que aos poucos inchavam como pedaços de esponja com as chuvas de fim de tarde, ela só, e só ela, abraçava-se à serpente que só o velho Domingos com os seus dedos de arame sabia entreter,

Eu era um menino húmido com pétalas de papel crepe,

(fico triste, muito deprimido, quando termino a leitura de um livro e começo a leitura de um novo, e fico com a sensação que algo dentro de mim se perdeu, morreu, enterro as personagens antigas e visto-me com as novas, apago com o apagador o giz da história de ontem e recomeço esta noite com uma nova história, e às vezes tenho a necessidade de deixar uma história em suspenso, hoje não sei, se recomeço “O Ano Em que Zumbi Tomou o Rio” de José Eduardo Agualusa, ou comece um novo que espera por mim há tempos infinitos e que por falta de tempo ou paciência fui deixando para o futuro, e hoje, hoje talvez pegue no “Livro do Desassossego”, porque não? Terminado o livro “Dentro do Segredo” de José Luís Peixoto, que dizer? Que uma tristeza se apoderou de mim como os tentáculos de um polvo em volta do meu pescoço de cana de açúcar; e por mais que eu tente, não consigo imaginar-me a viver num País como a Coreia do Norte),

Prefiro ser mordomo e loucamente apaixonado pela minha patroa, senhora distinta, frágil como uma semente de girassol, foi artista de circo, trapezista nas nocturnas noites de Luanda, sobre o arame não havia igual, e tal como as serpentes do velho Domingos, também ela necessita de uns dedos de arame com sabor a baunilha, e beijos e beterraba, e

Havia flores no cabelo da Patroa, o mordomo, loucamente apaixonado pelos circos ambulantes que aportam nas cidades e aldeias e vilas e mares clandestinos das avenidas mortas pelo tédio das grandes e longas mãos que engolem a flauta do velho Domingos, e a serpente de areia saltita em pedaços de milímetros amarrotados nas manhãs antes de acordarem as sombras do tio Francisco, o amor, o amor e a velha paixão de amar o desconhecido poema com palavras de vidro, e

E

Eu era um menino húmido com pétalas de papel crepe,

E

Nunca mais o esqueceu, iam passear para os descampados longínquos das casas de madeira e zincadas, como as chaves de casa, ou quando se abriam os portões dos quintais com mesas de madeira, e cadeiras de cimento, e sobre as mesas, garrafas vazias de cerveja Cuca, botões em decomposição que saltavam das camisas que aos poucos inchavam como pedaços de esponja com as chuvas de fim de tarde, numa parede verde com flores amarelas.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:48

19
Jan 13

Melódica a cor das tuas mãos, poética, poética do silêncio das tuas palavras, e hoje, tudo parece arder na fogueira da vida, invento-te, hoje, invento-te a partir da poeira insónia da noite passada, invento-te da música que escorre pelos vidros das janelas e aqui e ali, acolá, um rosto de porcelana acorda das lilases bocas que a chuva deixa ficar sobre os telhados de zinco,

Vêm dos poisados cansados versos do teu amor os primeiros desejos que a noite esconde dentro de um cinzeiro de vidro, o falso vidro, a falsa palavra, o falso amor, do beijo, falsificados todos os beijos que o poeta lança sobre a terra agreste dos corpos húmidos sobre as arestas finíssimas que as ranhuras de um coração de diamante traça na espuma do mar depois dos sexos se cruzarem nos infinitos carris paralelos até que a morte os separe, os falsos lemes das enguias e dos patos bravos, as falsas velas agarrando os mastros em verdejantes carícias que um cego lança contra os rochedos e pacientemente aguarda a passagem do vermelho a verde para atravessar a passadeira sombria das mágoas despenhadas entre os candeeiros a petróleo e as nuvens de seda morta, as palavras, as falsas palavras que oiço da tua boca

Que a chuva deixa ficar sobre os telhados de zinco,

Dizias-me que amanhã entrariam de mãos dadas, a esperança e o acreditar, e os “cabrões” nunca chegaram, e os “filhos da puta” ignoraram-me, ausentaram-se, fugiram, escondem-se tomara eu saber onde, que a chuva

Palavras que oiço da tua alegre boca que eu desenhei nas madrugadas enquanto dormias sem perceberes que nas minhas mãos de cor melódica ardiam cigarros velozmente como os carros de corrida numa pista de brincar construída por uma criança, retirava todos os objectos que viviam na mesa da sala de jantar, de troço em troço, as curvaturas, as rectas, todo o circuito ia tomando forma tal como as árvores à medida que vão crescendo, colocava as pilhas numa caixinha de plástico, e ligava o interruptor, os carros a principio pareciam ter sono, mas aos poucos rodopiavam em voltas de caracol até parecerem adultos à procura de clientes nos jardins de Belém

Vai uma voltinha “filho”?

OS arbustos tombavam como balas de sabão quando tocam a roupa molhada pelas mãos da lavadeira, e eu respondia-lhes Dizias-me que amanhã entrariam de mãos dadas, a esperança e o acreditar, e os “cabrões” nunca chegaram, e os “filhos da puta” ignoraram-me, ausentaram-se, fugiram, escondem-se tomara eu saber onde, que a chuva

Não vai, Não gosto de voltinhas, círculos, quadrados, tômbolas e poemas de gajos e gajas apaixonados, choramingas, lágrimas de crocodilo em rostos de vidro, como os cinzeiros da mãe Arminda, à procura de poiso quando dos jardins de Belém ouviam-se os nus arbustos que o silêncio deixa ficar nas jangadas que o papelão dos lojistas serviria, um dia, de cobertor, desde que, não, não vai e não gosto de voltinhas e se não me doessem os dentes, juro

“Fodia-te os cornos, seu grande cabrão”,

Juro que a melódica cor das tuas mãos, poética, poética do silêncio das tuas palavras, e hoje, tudo parece arder na fogueira da vida, invento-te, hoje, invento-te a partir da poeira insónia da noite passada, invento-te da música que escorre pelos vidros das janelas e aqui e ali, acolá, um rosto de porcelana acorda das lilases bocas que a chuva deixa ficar sobre os telhados de zinco, e às vezes dizias-me que o piano fumava cachimbo, outras vezes

Há qualquer coisa estranha no nosso quarto amor,

Outras,

“Fodia-te os cornos, seu grande cabrão”,

Outras vezes, juro, que a chuva consegue desmatar os corações de aço que as árvores antes de morrerem dão para alimentar os poemas tristes dos poetas tristes que amam tristemente mulheres invisíveis, tristes, como as lágrimas do Inverno (Verão) quando nascia no longínquo continente uma criança fingindo ser um pássaro com asas em fibra de carbono, tinha na algibeira um motor a dois tempos com 3,5 CV, e quando deram por ele

Voava sobre a cidade imaginária que durante a noite crescia para além do mar, iam e vinham, as ondas, os peixes, as casas dos pobres pescadores, e tombavam as árvores com os corações de aço, e

Deram por ele,

3,5 CV a dois tempos, na algibeira um velhíssimo motor, e quando deram por ele

OS arbustos tombavam como balas de sabão quando tocam a roupa molhada pelas mãos da lavadeira, e eu respondia-lhes Dizias-me que amanhã entrariam de mãos dadas, a esperança e o acreditar, e os “cabrões” nunca chegaram, e os “filhos da puta” ignoraram-me, ausentaram-se, fugiram, escondem-se tomara eu saber onde, que a chuva trazia antes de ele tirar o motor da algibeira e elevar-se até desaparecer no cinzento abdómen da menina loira sentada na velha esplanada do Baleizão,

E voava sobre a cidade imaginária que durante a noite crescia para além do mar, mas muitas das vezes

Davam por ele,

Suspenso numa árvores de algodão com braços de açúcar.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:24

17
Jan 13

Entranhavas-te em mim como se fosses um seixo de aço com faces gretadas, dormias nos meus abraços enquanto lá fora brincavam as amoreiras de luz com as sombras amarguradas dos pinheiros doentes, havia lagartas nas tuas mãos, havia pétalas de ciúme que desciam da boca da lua, havia um circo pobre onde estava sentada uma menina sem cabeça, havia, uma boneca no chão ao lado da menina sem cabeça, e a boneca falava, e a boneca sorria, e a boneca

Aos tropeções nas cordas que amarravam o tecto do circo ao cais de embarque, havia cadeiras de espuma com cinzeiros de prata para os fumadores, havia cadeiras de espuma com clarabóias de vidro para os poetas e para os amantes dos poetas, aos tropeções, havia palavras no centro do palco de mão dada com os tigres e com os leões, imaginava-me na selva Africana, e ao longe sentia os gemidos dos mabecos quando a noite se despedia das sanzalas e entrava pelo corredor do prédio da rua das Naus, sexto andar, sem elevador, ofegante tu, quando me abraçavas e eu dormia nos teus abraços,

Entranhavas-te em mim como se fosses um seixo de aço com faces gretadas, dormias nos meus abraços enquanto lá fora brincavam as amoreiras de luz com as sombras amarguradas dos pinheiros doentes, achava-te magro ao ponto de me perguntar até quando

E respondias-me que enquanto deus quiser,

E se deus não quiser, e se deus definitivamente desistir dos telegramas que te mantêm em pé como os cristais da mesa da sala antes de os levarem para a derradeira penhora, se eu pudesse, se eu pudesse penhorava-te, porque és apenas meia dúzia de ossos sem cabeça, e eu via a cidade engordar com os sobejos de luz que os dias deixavam esvoaçar das asas de papel das gaivotas embriagadas, se eu pudesse penhorava-te, porque és apenas uma mão recheada de pedras que um miúdo aproveita para partir os vidros da velha escola com olhar para os plátanos de algodão, e respondias-me que

Aos tropeções nas cordas que amarravam o tecto do circo ao cais de embarque, havia cadeiras de espuma com cinzeiros de prata,

Os abraços onde eu dormia não sentindo os sons tropeços dos rolamentos constipados pelas correntes de ar que atravessavam a montanha e escondiam-se nas traseiras da avenida vinte e cinco de Abril, todas as cidades, aldeias, todas as vilas

Um avenida vinte e cinco de Abril,

A ponte em círculos ao lado da menina sem cabeça onde dormia uma boneca com mãos de vidro e lábios de estrelas e flores imaginadas por um poeta enquanto olha o espelho da morte, e do outro lado, do outro lado estão as lágrimas da saudade, em Abril, de Janeiro até hoje, amanhã levantará amarras o pequeno circo pobre, levará a menina e a boneca, e a ponte

À espera do paquete verde com ramos de palmeira, regressas novamente aos meus abraços, o poeta despe a amante do vizinho poeta, e quando a amante do poeta, vizinho do poeta poeta, um corpo de mulher transforma-se em migalhas de perfume com sabor a maré e pôr-do-sol, é quinta-feira e dou-me conta que não tenho tempo para encerrar as janelas e as portas da cidade dos anjos, o poeta furioso

Bate-me,

Furioso ele acreditava que os seixos de aço com faces gretadas, dormiam nos abraços vizinhos, enquanto lá fora brincavam as amoreiras de luz com as sombras amarguradas dos pinheiros doentes, havia lagartas nas mãos da amante do poeta vizinho, havia pétalas de ciúme que desciam da boca da lua, havia um circo pobre onde estava sentada uma menina sem cabeça, havia, uma boneca no chão ao lado da menina sem cabeça, e a boneca falava, e a boneca sorria, e a boneca sentia as minhas mãos enquanto a despia, enquanto a metamorfose do corpo se misturava com as marés e os longínquos sonhos sobre a cama debaixo da tenda do circo, havia poetas de pano que escreviam às mesas de cimento enrolados a três cadeiras de mármore, havia amantes de poetas, pobres, ricas, lindas, perfumadas pelas inocências nocturnas das aranhas que viviam nas caves dos cabarés que de cidade em cidade, uma avenida

Vinte e cinco de Abril,

Toda ela morta, toda ela derretida como lágrimas de aço no corredor da inocência, e chove, e deixaram de brincar os marinheiros nos teus abraços, vestes-te de silêncio

Vinte e cinco,

E eu não sabia o que era o amor e o pólen que os poetas e as amantes dos poetas e as bonecas, e o circo pobre,

Comem como se o teu corpo fosse um seixo de aço com faces gretadas, dormias nos meus abraços enquanto lá fora brincavam as amoreiras de luz com as sombras amarguradas dos pinheiros doentes, havia lagartas nas tuas mãos, havia pétalas de ciúme que desciam da boca da lua

E lá fora chovia,

Em toda a cidade dos anjos.



(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:38

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