O texto reflectido no espelho da saudade
Subíamos ao cimo da montanha
Perdidos
Saltávamos as pedras e os vultos
Que alimentavam a montanha
A luz iluminava-nos
E ficávamos transparentes
Como a água
Que descia os socalcos do desejo
Tínhamos a noite
Habitada pelo medo
A separação ambígua do silêncio
As armas apontadas aos teus olhos
A caneta em fúria
Disparando palavras
Que só a tua pele conseguia absorver
Não havia entre nós
Muros
Sanzalas de areia
Mar
Caixotes em madeira
O barco
Deslizava nos teus seios de orquídea selvagem
Dormíamos nas campânulas da solidão
Dizíamos que um dia
Um electrão
Apareceria nas nossas mãos
Nem protão
Nem…
O barco
Ferrado no sono da madrugada
Acorrentado às trincheiras da paixão
Que pela manhã
Acordava
Acordavas
Eu acordava
Ele acordava
E não dávamos conta
Que o dia tinha terminado
A morte dos fantasmas
Na sala crucificada pela ausência
A minha
Tua
Os pesadelos viajavam de cidade em cidade
A bagagem secreta dos lábios de prata
Escondida numa ribeira abandonada
A carta
Não regressava
E havia no teu corpo sílabas de chocolate
Inventando homens e mulheres
Brincando no jardim junto ao rio
Nunca percebi o mecanismo dos relógios
E dos aceleradores de partículas
Nunca percebi que amar…
Não percebo
Não sei
O significado das palavras
E dos livros
Sobre a mesa-de-cabeceira
Em lágrimas de crocodilo…
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 9 de Abril de 2015