Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

17
Abr 12

Pareço um espelho

poisado sobre o pavimento molhado

incenso e marfim

nas algibeiras da tarde

e tudo à minha volta arde

e tudo à minha volta

incenso e marfim

e fios de nylon

descem das árvores doentes

incenso e marfim

contentes

nas algibeiras da tarde,

 

pareço um espelho

um palhaço que brinca na esplanada do Baleizão (Luanda)

entre cadeiras imaginárias

e migalhas de pão,

 

pareço um espelho

made in China,

 

(um homem sem destino

desde menino)

 

entre cadeiras imaginárias

e madrugadas de cetim

antes do pequeno-almoço

ao virar da esquina

no centro do jardim

um espelho,

 

nas algibeiras da tarde.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 15:42

22
Out 11

O sono engole-me

E a tarde desaparece entre as acácias,

Dentro de mim entram personagens

Abraçadas a palavras,

 

E sem me dar conta – nasce o texto

Vejo-o pendurado no cortinado

À janela do mar que se prende à maré,

O texto esfrega os olhinhos,

 

E o sono engole-me,

E a tarde entre as acácias

Desaparece como um voo de gaivota…

Traçado no azul do céu,

 

- Poiso o sonho sobre a mesinha de cabeceira

E o livro dos sonhos quietinho,

E o livro dos sonhos…

No meu silêncio de noite,

 

Que o texto desapareça nas palavras

Abraçadas às personagens que se alimentam de mim,

Vivem dentro de mim como as pedras no interior da montanha,

E o texto disfarçado de rio,

 

Corre,

Corre meigamente para as tuas coxas,

O sono engole-me

Na tarde de sábado…

 

E as personagens abraçadas a palavras

Acariciam-me o rosto amarrotado,

O texto esfrega os olhinhos,

E o texto termina-se no sono da tarde…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:36

04
Ago 11

Sumiu-se no fumo da tarde

O sorriso da gaivota

Do cigarro que arde

Em cigarros de revolta,

 

Poisa a mão o enforcado

No peito da árvore adormecida

Tomba o corpo cansado

Na tarde envelhecida,

 

Sumiu-se no fumo da tarde

O sorriso da gaivota

Do cigarro que arde

No cigarro que não volta…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:53

13
Jul 11

Francisco,

Sim pai!, promete-me que quando eu morrer colocas as minhas cinzas no mar, Sim pai!, prometo, Prometes mesmo?, sim, não se preocupe, e agora não posso deixar de cumprir a promessa, e o vento levou-me as cinzas, paciência, e ele pensava, tanto faz, cinzas com água ou cinzas com terra, deve ser tudo igual,

 

De boca aberta deixa as pombas comerem a comida, estúpido de cão, tão parvo, e tão parvo, estúpidos de pássaros semeados no meu quintal, estúpidas de pombas que comem os insetos pequeníssimos que poisam no casaco do meu cão, e estúpida esta tarde de Julho,

- Francisco, Regaste as alfaces?, e eu respondo-lhe que sim, Sim pai, reguei!, e claro que me esqueci das alfaces, Porra, eu nem sabia que tínhamos alfaces…,

Temos alfaces, Pai?, junto à bananeira, rés-do-chão direito, Exatamente pai!, desculpe, confundi as horas, Estão regadas, não se preocupe,

- O que eu pensava que eram ervas, afinal são alfaces, meditava o Francisco,

A vida, pai!, O que tem, filho?, Não faz sentido, Percebe?, não, não percebe, não, não percebo, repare, digo-lhe eu, repare, pai, nascer crescer e morrer, E depois?, Que prazer, pai, que prazer tem deus de nos dar vida e depois, e depois, pai, depois voltar a tirá-la?, Isso é muito complicado para a minha cabeça, o  que me preocupa são as alfaces,

- Malditas pombas que comem a comida toda do cão, gritava o meu pai da cama,

Francisco,

Sim pai!, Já foste ao correio hoje?, Sim, pai, E então?, nada, Nada?, sim, pai, nada, hoje não houve correio, Greve?, Não, pai!, ninguém nos escreve, sussurra o Francisco nas meditações no corredor, ninguém, pai, ninguém, só pombas esfomeadas a devorarem a comida do cão, nada mais que isso,

- Nada mais que isso a tarde estúpida de Julho, os malmequeres no jardim que me olham, a corda pendurada nas traseiras da casa, a as alfaces enforcam-se, pai, as alfaces entaladas nas frestas da tarde, E sabe, pai!,

Sim, filho!,

Hoje estou triste.

Porquê, filho?

Pai, desculpe-me!, prometi deitar as suas cinzas no mar, e veio o vento, sim filho, veio o vento e levou-as, penso, não tenho a certeza, as palavras sulfatadas do Francisco, penso que as suas cinzas caíram no chão gretado da terra,

- Deixa lá, meu filho, deixa lá,

Responde-me ele, no mar ou na terra deve ser tudo igual. São cinzas.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:14

08
Jul 11

É nos teus pequeníssimos fios de cabelo

Que as flores se alimentam,

Magnificamente ela sentada na esplanada do café a mastigar os artigos do semanário Expresso, não fuma, dos cigarros dele o fumo transverso das palavras semeadas sobre a relva, sílabas minhas e sílabas dela, vogais, letras desordenadas em fila para a consulta no posto médico, dores de cabeça e dores de barriga, corredor e ao fundo esquerda, a empregada com um cartaz na mão, peça de Teatro “O comilão” inspirado nos textos de Luís Fontinha, salão dos bombeiros voluntários às vinte e duas horas e trinta minutos, gravidez, segunda porta à direita, e ele questiona-se, e eu porra?, não me dói a barriga não tenho dores de cabeça e que eu saiba também não estou grávido, o senhor espera no hall, retorquiu-me a magricelas de bata transparente, os seios de rosa pendurados no azul do céu, no umbigo um pedacinho de metal semelhante a um outro que sobressaia na orelha esquerda, será esta gaja metalúrgica?, ele espremendo pensamentos no cérebro desalinhado, por favor, olhe, desculpe… dor na mão, casa de banho, quarta porta à esquerda, como pergunto eu?, dores na mão é na quarta porta à esquerda, casa de banho, cintila a magricelas de mamas penduradas para mim,

- Olha amor, diz aqui no Expresso que “família de Maddie também foi escutada pelo News of the World”,

Ai sim,

Começo a afastar as ondas à medida que caminho no corredor, quarta porta à esquerda, bato, gritam-me lá de dentro, faz favor, com licença senhor doutor, as minhas palavras contra a careca do homem enfastiado e sentado a uma secretária, e o doutor no silêncio da tarde e com o rosto atado ao monitor do computador, o que o traz por cá, é uma dor na mão direita, mão direita?, pergunta-me ele, mão direita é no gabinete em frente, foda-se vocês nunca sabem nada, filhos da puta, dores na mão direita quarta porta à direita, dores na mão esquerda quarta porta à esquerda, custa assim tanto?, ele aos berros,

- Olha amor, “NASA quer pôr um camião na lua”,

O Moonstream,

Claro que custa, custa e muito, ando aqui feito paspalho de porta em porta, livro de reclamações escreve ele na parede, saio, cerro a porta e semeio-lhe pregos, agora vais-te foder que não sais daí, eu para o candeeiro do tecto, mais umas braçadas nas ondas incandescentes do mar, e pum pum na porta da direita, faz favor entre, está aberta, a voz melódica de uma mulher, posso senhora doutora, sim claro, o que o traz por cá?, eu lamento-me da dor intensa na mão direita, o senhor fuma?, sim muito, digo-lhe eu, isso é do cigarro, CIGARRO?, sim cigarro, vou receitar-lhe comprimidos para engolir três vezes ao dia, e tabaco, tabaco nenhum,

- “Bancarrota: risco de Portugal de 11,7% a 57%”,

É nos teus pequeníssimos fios de cabelo

Que as flores se alimentam,

E eu que pensava que não…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:22

No vazio da manhã os meus olhos fecham-se

Como o portão da noite,

Das árvores em mim os ramos decadentes

As raízes penduradas no almoço,

 

Sento-me e canso-me,

Olho o mar

No prato vazio de sopa

Como a manhã

 

Quando se recusa entrar pela janela,

Os meus braços poisam sobre a tolha despida

E nua, os seios dos azulejos da cozinha,

E a minha boca esconde-se na sombra do cortinado…

 

Abro a janela e o mar foge

Levanta-se do prato de sopa

Corre pavimento em maré

E extingue-se nas nuvens da tarde.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:27

07
Jul 11

O cubo do corpo

Hermeticamente fechado

E lá de dentro o cheiro da minha mão

Que me acena do silêncio frio da escuridão

 

Fumo de papel amarrotado

O corpo impresso na calçada junto ao rio

À procura de barcos com chouriço

E migalhinhas de pão

 

O corpo sem mão

Camuflado na manhã sedosa das nuvens envergonhadas

Cansadas

Depositadas na sepultura da tarde quando as rosas

 

Empoleiradas no arame da secura

A boca engasgada nas horas intermináveis

Da língua o fogo do desejo

Na língua os teus beijos amargurados

 

Finos cansados acordados

Que tingem o meu corpo de névoa anoitecer

Que prendem os meus braços aos ramos de uma oliveira

E na brincadeira

 

Espetas-me pregos nas costas pisadas na sombra

O meu corpo tomba

E na minha cabeça dessoldada

Poisa uma gaivota evaporada

 

O rio foge-me no mar

O meu corpo misturado com o lodo

Eu fico nada

E ontem eu também nada

 

Não tenho corpo

Lábios

Não tenho beijos

Ou corda onde me agarrar…

 

O meu corpo uma simples pedra

A rocha quando as lágrimas soltam o amanhecer

O meu corpo envelhece o meu corpo parece morrer

E os pássaros afogam-se no mar.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:06

27
Jun 11

Vinte decilitros de água no estado sólido,

Agitar bem,

Nas escadas que dão acesso ao sótão e as telas e os pincéis e os tubos de tinta embrulhados nas teias de aranha do compartimento exíguo e mais pequeno que um caixão de madeira, o meu atelier, onde escrevo onde pinto e onde defeco estas horríveis palavras com as minhas horríveis mãos e lidas com os meus horríveis olhos e que publico no meu horrível blog,

- O cansaço dos dias dentro da minha cabeça esvaziada pelo fluxo crematório das horas infindáveis, o estúpido do rafeiro que me rói os tornozelos de madeira, finca os insignificantes dentes nas minhas calças, e era uma vez um par de calças,

Sorri-me na sombra da noite,

O blog que criei e que baptizei de cachimbo de água, vinte decilitros de água no estado sólido, agitar bem, e as palavras misturam-se na luz do candeeiro, o fumo do cachimbo empapa-se nas órbitas salientes dos postigos debruçados sobre o telhado do vizinho, e o cubículo caixão tão minguado que nem ela lá cabia deitada, nua, nua nem pensar,

- E os livros?,

Os livros excitavam-se e pluf…

O soalho durante a noite a esticar os bracinhos, o ruído do batimento do coração da porta de entrada, as veias que transportam os electrões salientes no corpo das paredes, toco no interruptor, e em vez de acender a luz da sala oiço o cavalo a rinchar na loja, o electricista cambiou os finíssimos fios da instalação eléctrica, e pluf,

A excitação dos livros a excitação das moscas de asa adocicada a excitação dos cachimbos de madeira, a minha própria excitação, quando,

- Abro a janela e um petroleiro de bico amarelo que nos olha, e o cubículo caixão roda, o corpo de bruços estende-se ao longo do soalho, e agora?,

Vai mesmo de pé,

O cachimbo de água magríssimo na tarde sobre a secretária, agitar bem, e o atelier transpira e o suor esconde-se junto ao rodapé, do ar rarefeito do cheiro intenso a gaivotas envenenadas pelo sol um dos quadros separa-se da parede e tomba na areia junto à praia,

- De pé porque não!,

Vinte decilitros de água no estado sólido,

Uma carcaça e uma moeda de dois euros, e não falta nada e o cubículo caixão cerra os olhos no cacimbo da tarde, começa a chover, aqui não, e certamente que neste preciso momento chove, em sitio algum, fecho a janela e apago a luz; o atelier some-se nas cascatas que por entre as rochas deitam lágrimas, e o rio engorda e o rio silenciosamente deita-se no mar.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:24

03
Jun 11

Uma simples côdea de pão, um cordel suspenso no pescoço, três cigarros na algibeira, e Tony carrancudo percorria as feiras do povoado, pegado à sua sombra um rafeiro embrulhava-se com os silêncios do caminho para o rio, e das giestas acabadas de acordar sorriam palavras que se ouviam nas encostas dos seios dela, íngremes, bofetadas na face do peito, as coxas presas no cais, e o corpo flutuava como se fosse uma gotinha de algodão,

 

- Foi bom

 

Maravilhoso. Foi bom, maravilhoso, foi bom mas a tarde aos poucos extingue-se na algibeira, e dos três cigarros nada, por entre as paredes encardidas, sumiram-se nas fendas de um sorriso, e talvez tenham passado a parede, e do outro lado, do outro lado o Zé a convencer-me que fixando um ponto na parede, fixando, fixando… passava a parede,

 

- E os meus cigarros do outro lado à espera das loucuras do Zé, e o Zé em finíssimos fios de seda emagrecia, tornava-se invisível, e quando chamava por ele, Zé, onde anda o Zé, o Zé no compartimento contíguo a olhar o rio e a contar os petroleiros rumo ao infinito, e o infinito encalhado entre duas rectas paralelas, os comboios deitados de barriga para o ar,

 

E os seios dela estacionados no meu peito pesavam e agarravam-se a mim como o musgo de pinheiros ranhosos no recreio da escola, fazia-me comichão no corpo, e a cada pontapé numa bola um vidro que se finava, quando é o funeral, logo pelas seis junto ao quiosque, e o quiosque durante a noite mudava de dormitório, uma simples côdea de pão, um cordel suspenso no pescoço, três cigarros na algibeira,

 

- Foi bom

 

Maravilhoso. Em cada gemido uma pétala que se espetava junto ao pescoço, dois dentes marcados, e uma rosa entranhava-se no umbigo, e no púbis um plátano agarrava-se às gaivotas que no final do dia se confundiam com serpentes abraçadas ao mastro de um veleiro pasmado à espera da maré,

 

Maravilhoso.

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

3 de Junho de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:50

24
Mai 11

A tarde despede-se em pedacinhos de ninguém, e hoje, hoje nada aconteceu de relevante para contar. Hoje um dia perfeitamente normal, hoje um dia igual a tantos outros, acordei, estou vivo… e logo quando aos bocadinhos a noite for adormecendo, eu espero ainda estar vivo, e repetidamente, sem me ausentar do rumo sem rumo, ir tirando fotocópias aos dias que tenho para viver.

 

Os dias sempre iguais, os dias continuamente estúpidos, ou será que o estúpido sou eu, não, não poderei ser assim tão estúpido, os dias é que são estúpidos, não eu.

 

A tarde despede-se em pedacinhos de ninguém, e as minhas mãos adormecem, os dedos perdem-se na sensibilidade dos minutos que aos poucos, que aos poucos se transformam em sombra, e da tarde fica apenas o cheiro, o silêncio, e da tarde o meu corpo absorve a estupidez dos dias, fotocópias.

 

E dou-me conta que não preciso de estar vivo. Se todos os dias são meras fotocópias do dia anterior de que me serve o original?

 

Sou uma folha de papel fotocopiada de um original que há muito deixou de existir, e nessa simples folha de papel, e nessa simples folha de papel nem as letras conseguem sobreviver; uma página em branco à espera que alguém queira escrever alguma coisa…

 

E se hoje não passasse por Alijó o candidato do Partido Socialista e Primeiro-Ministro demissionário Eng. José Sócrates,

- Eu diria que hoje, hoje um dia perfeitamente normal, hoje um dia igual a tantos outros, acordei, estou vivo…

 

Não critico aqueles que dão a cara e andam de bandeira na mão para apoiarem e defenderem os seus ideais e convicções, seja de que partido for, eu próprio fui militante do PCP e várias vezes candidato, mas confesso que tenho medo dos outros, daquelas pessoas que têm em casa duas bandeiras, uma Socialista e outra Social-democrata, e no dia 5 de Junho à noite, conforme os resultados, vão ao guarda-fato e pegam na bandeira do partido vencedor; desses, desses tenho eu nojo.

 

 

 

Luís Fontinha

24 de Maio de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:42

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