Pareço um sedimento
Quando acordam as abelhas
E as migalhas de gelo
Que não pareço
Sonham nas árvores do teu jardim
Sou o vagabundo transatlântico
Desgovernado
Como sempre fui
Desde que nasci
Quando abriram a janela do perfume
E lá estavam elas
Todas preenchidas
Empilhadas
As nuvens de um Domingo
Sem endereço
Ou… ou identidade
Sinto no teu olhar o luar de Janeiro
Porque nasci em Janeiro
Era Verão
O calor entranhava-se na minha mão
Ouvia o sorriso dos parvalhões
À minha volta
Tão pequenino
Tão…
(o caralho que vos foda, pensava eu)
Quem são estes gajos
E estas gajas…
Ninguém me respondeu
Ninguém
Hoje são apenas palavras
Mortas
Numa cidade
Morta
Como as ditas migalhas de gelo
Cambaleando num calendário enforcado numa parede
Havia riscos
Letras indecifráveis
Papéis velhos
Não amigáveis
A guerra
O silêncio das balas
Cruzando o berçário
Eu era um ranhoso
Rabugento
Sempre aos berros
E mal abri os olhos
Barcos
O meu primeiro sonho
Fugi
Mudei de nome
Hoje não sei onde nasci
E se essa terra ainda existe
Ou… ou é apenas uma imagem sem coração
O dia deitava-se sobre a pedra fria da morgue
Eu percebia que lá fora
Alguém
Me esperava
Para quê?
Se eu nunca quis ninguém…
Ao meu lado para me esperar
Eu só queria partir
E voar…
Pegar numa faca
E cortar todos os segredos
E todas as sombras
De um quintal
Com mangueiras
E um papagaio em papel
Desenhos
Desenhos no meu peito
Que hoje escorregam quando me levanto
E se transformam em lixo…
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 30 de Março de 2015