Enquanto ela dormia,
Sob as nuvens de iodo,
O poeta desenhava palavras nos seios da serpente.
Era noite,
Tinha sobre a secretária, todas as cartas recebidas e não respondidas…
O espelho pertencia-lhe, e, via o seu corpo embrulhado nos meus braços.
Naquele momento, nada queria ver,
Nem o mar,
Nem o carteiro que todos os dias me trazias as cartas…
Apenas queria acariciar-lhe os lábios,
Desenhar-lhe nas coxas a cidade efervescente dos dias de loucura,
E mesmo assim,
Quando abria os olhos,
Dizia-me que eu era o mar.
Talvez,
Porque hoje percebo as dores nas costas,
O peso dos petroleiros,
Veleiros,
E outros…
Começava a tremer de frio,
Era Verão,
Mas tinha sempre frio…
Tremiam-me as mãos de cerâmica que o meu pai comprou em Luanda,
Às vezes, poucas, transportava no meu peito o sofrimento,
A dor,
Os vómitos,
A ressaca das noites sem dormir,
E, ela, deitada nos meus cabelos.
Enquanto ela dormia,
Eu, eu sentia,
Não vivia…
E sabia…
Que um dia queimaria todas as cartas.
Francisco Luís Fontinha – Alijó
03/04/2019