Alguém morreu, pensei eu, o portão do cemitério aberto, os pinocos anti estacionamento colocados a preceito para que ninguém se alicerçasse ao pequeníssimo espaço, tudo sinal de que haveria um velório.
Parei, peguei num minúsculo cigarro de fumo, folheei o Jornal Público e, sobre as árvores o silêncio dos pássaros, alguns, adivinhando qualquer coisa de estranho, talvez eles já soubessem que alguém se tinha despedido da realidade e enveredado pela sinfonia do Adeus, perguntei-lhes
- Quem morreu?
Que não sabiam, tinham acabado de regressar de viagem e, verifiquei três o quatro pessoal, vestidas de negro, que pareciam esperar alguém,
- Temos medo, Senhor,
Medo, perguntei eu?
Do vento, diziam eles, medo do silêncio e, das amendoeiras em flor,
Percebo, percebo, mentalmente refazia-me do susto de alguém ter adormecido durante a noite e ninguém à sua espera quando regressasse,
- Sabe, Senhor?
A morte é triste,
Pára um carro funerário, lá de dentro sai um caixão escuro, vestido de tristeza, as poucas pessoas que o aguardavam, choravam, em silêncio e, o mar estava longe, poisei o Jornal, deitei no cinzeiro a beata que restava do meu alimentado cigarro, apetecia-me acompanhar o velório, mas não o fiz, fiquei sentado,
Um dos pássaros começou a cantar:
Capitalista de merda
Mete o dinheiro no cu
Dá o dinheiro ao operário
Que trabalha mais do que tu
Vai o enterro a passar
Foi a filha do operário
Que morreu a trabalhar
Fiquei incrédulo, não acreditava no que acabava de ouvir, entre lágrimas, alguém desenhou um finíssimo sorriso de sangue e, entre o sol, as flores aplaudiam como se o cansaço das lápides estivesse a terminar,
- Acabou, acabou disse-me ele,
E, tudo acaba; entre silêncios e lágrimas de chocolate.
Francisco Luís Fontinha
30/03/2020