O vento não passa por mim
Não me abraça
Não brinca comigo no jardim
O vento ignora o baloiço da minha infância
Deixa-me sem paciência
Para as coisas
As mais simples
E as mais belas
O meu cão fugiu de casa
Ou fartou-se da casa
Ou cansou-se das minhas palavras
E nem o vento o traz
E nem o vento me leva
Como o faz
Às folhas caducas de uma árvore
Ou aos cabelos desalinhados da doença
Não toca nas páginas escritas sobre a minha secretária
Nem nos livros não lidos
Por falta de tempo
Por falta de vontade para o fazer
O vento não passa por mim
Não me abraça
Nem dá força à tua barcaça
Que andas à deriva
Num Oceano sem nome
Algures entre Luanda
E
E Lisboa
O vento
Esquece
O vento esquece a criança que vive dentro de mim
Que brincava num quintal
Recheado de sombras e cheiros
Que trouxe
Mas com o tempo se perderam nos socalcos do Douro
E outro vento
Os levou
Para outro Oceano
Tão distante
Meu amor
Tão distante que nem à velocidade da luz
Eu
A criança
Conseguia alcançá-los
Os calções
Os papagaios de papel
Lá
Longe
Procurando outro vento
Numa outra cidade
Sem ruas
Sem pessoas para amar
Apenas cinzas
De um velho cigarro
Suspenso
Entre dedos
E rochedos
(O vento não passa por mim
Não me abraça
Não brinca comigo no jardim
O vento ignora o baloiço da minha infância
Deixa-me sem paciência
Para as coisas
As mais simples
E as mais belas)
Como o sorriso do teu amanhecer
Junto ao Tejo
Os cacilheiros embriagados de transeuntes
Apressados
Tão apressados
Que
Que deixaram de sentir o vento
Como eu
Eu
A criança do baloiço
Inventando círculos de prata
Nas manhãs engolidas pelo cacimbo
O vento
O vento é uma desgraça
Não passa
Nem me abraça…
A cabeça estoira
E a chuva pendura-se
No vento que de mim desistiu.
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 14 de Abril de 2015