Do término dia entra em mim o morro da paixão,
ele, vestido de negro, começa a voar sobre os socalcos imaginados por uma louca,
desiste,
e deita-se...
descem as cinzas do sofrimento que dizimam toda a claridade reflectida no espelho da insónia,
aparece o sonho disfarçado de lâmina de xisto,
ouvem-se das encostas húmidas da pele o silêncio emagrecido de uma gaivota,
desiste, e deita-se,
como um corvo sobre a sua presa apodrecida,
há navios esquecidos nos meus lábios,
e do término dia...
nada, só o sangue triste de uma viagem sem regresso,
há um mapa que não me ajuda a regressar,
um clandestino beijo enforcado nas sílabas da noite,
e do término dia...
o amor,
em forma de carrasco,
uma carta escrita na algibeira,
um cigarro inseminado numa qualquer rua de uma cidade sem nome,
e um qualquer húmus redopia junto ao rio,
tenho fome, tenho medo deste amor sem marinheiros,
tenho medo das palavras invisíveis que aportam nos teus seios...
sento-me e finjo caminhar sobre uma fogueira habitada por gajas nuas...
… e nuas flores com um lencinho ao peito,
há espingardas suspensas na bandoleira da manhã,
peço um café,
e adormeço no sisal Outono,
e deixei de perceber o mar,
os rochedos enamorados que desenham no meu peito a solidão,
e esta casa funde-se como se fundem todos os metais...
quando o alicerce do abismo encerra nele o livro proibido,
não tenho janelas no meu olhar,
sinto-te entranhada nos confins de uma ilha inabitada,
sem uma cabana, sem um cão para conversar...
e adormeço no sisal Outono,
e deixei de perceber o mar,
do término dia entra em mim o morro da paixão,
ele, vestido de negro, começa a voar sobre os socalcos imaginados por uma louca,
desiste,
e deita-se...
até que o tempo se transforma em estátua e todas as lâmpadas se apagam,
o meu corpo evapora-se numa amoreira...
e tu perceberás que sou filho da noite,
e tu perceberás que sou a própria noite... só.
Francisco Luís Fontinha
Terça-feira, 21 de Outubro de 2014