Nada disto sonhei
Quando te abracei pela última vez,
Havia silêncio,
Havia uma imensurável espada de luz
Descendo o meu corpo desnudo,
Sabia que todas as palavras repetidas nas janelas do teu olhar
Eram apenas sombras debaixo do luar,
Um flácido orgasmo de solidão iluminava-nos
Nas ranhuras ténues dos túneis da vergonha,
Partiram, todos,
Hei-de escrever no teu peito o velho poema da solidão,
A passadeira encarnada pronta a ser pisada pela tua mão
Como um petroleiro em cio,
Hei-de esculpir nos teus seios a presença da minha ausência…
Um vazio poema arrancado da ingrime folha em papel,
O sono voltou,
E nada disto sonhei…
Afligi-me a paixão dos desertos,
Afligi-me o tempo perdido que a tua boca construiu neste muro em xisto,
Abraças-me pela última vez,
Havia silêncio,
E nada disto sonhei na áurea madrugada da morte.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 13 de Maio de 2017