Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

07
Ago 14

Meu amor,

Existes?

Perturbo o teu sono,

Visto-me de abelha e brinco na colmeia da tua insónia,

Sorris, brilham nos teus olhos as minhas palavras,

Habitam nos teus seios os meus desejos, os meus versos…

O rio que corre nas minhas veias,

Há dentro de mim uma África perdida,

Socalcos, vinhedos…

Barcos coloridos que atracam nas tuas mãos,

Meu amor,

Existes?

 

Perturbar o teu sono é poesia,

São canções inventadas por estórias, são searas de trigo dançando ao som do vento…

Perturbar os teus sonhos, deitar-me no teu corpo… como se eu fosse a tua pele de alecrim em flor,

 

A montanha que nunca dorme,

O luar que jamais cessa de brilhar,

Meu amor,

Existes?

Nas frívolas manhãs de Primavera, e… e absorver os teus lábios de livro em construção,

Percorrer o silêncio de uma ponta à outra, sem me cansar de te olhar,

Sorris…

Olhas-me…

Existes?

Estrela-do-mar,

Que me ilumina ao deitar,

E sem pressa… e sem pressa ofereço-te o beijo poético…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 7 de Agosto de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:02

22
Set 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Eras mármore gratinado nas doces tristes algas da solidão, havíamos de terminar a noite entre resmas de papel, cinzeiro recheado de beatas, neblina ensurdecedora que os cigarros vomitavam sobre a mesa decorada com objectos insignificantes, eras mármore sobre um piano coberto por um cobertor de areia, regressavam no final do dia...

Pombas, gaivotas e barcos enjoados devido à forte ondulação que as horas incompletas e mortas, pelas finas espumas que os marinheiros traziam no pulmão alcatroado por um empreiteiro de algibeiras encurraladas das tempestades que o medo, de vez em quando, deixava cair sobre o silêncio, os olhos, os olhos

Fingiam que nada viam, adormeciam como embriagados homens de cabelo comprido,

Cumprido o teu desejo sublime, desfazem-se as pétalas em sorrisos amargurados, oiço-os

Aos olhos?

Os olhos dormem,

Comprido como a fome, as andorinhas regressavam ao local do crime, e as janelas de cristal sempre lá, suspensas nas árvores com ventoinhas eléctricas, do tecto, a chuva do teu cheiro, a catinga mergulhava na sombra nocturna do cinzento púbis que embebia a madrugada em despedidas ao Verão, regressado de longe, vêem-se as superfícies lisas das coloridas faces com lábios de amanhecer, ao longe

Aos olhos?

Vêem-se-lhe as pernas arqueadas e poisadas sobre o parapeito virado para as traseiras onde brincava um robusto quintal, velho, barbudo, atulhado de lixo, lixo... e aqui e além

O cheiro a catinga,

Os caixotes de lixos até não aguentarem mais alimento, vomitavam-se e sujavam as laminadas passadeiras em pura lã virgem, o pastor reclamava o preço a que lhe pagavam a lã, as ovelhas gritavam

Gatunos, gatunos...

O preço da água é um roubo,

Gatunos, gatunos... e o coitado do chibo endiabrado, correndo de leira em leira... até encontrar um rio com peixes voadores, até encontrar a mulher mais bela do cinzeiro onde ardiam algumas das beatas... e o lacrimante púbis enjoado devido às difíceis encostas cobertas por placas de xisto, e mármore gratinado nas doces tristes algas da solidão, havíamos de terminar a noite entre resmas de papel, cinzeiro recheado de beatas, neblina ensurdecedora que os cigarros vomitavam sobre a mesa decorada com objectos insignificantes, eras mármore sobre um piano coberto por um cobertor de areia, regressavam no final do dia...

Gatunos, gatunos...

O preço da água é um roubo,

Aos olhos?

A catinga absorvia o ranger

Oiço-os... meu querido

O quê?

A catinga absorvia o ranger que ela ouvia dos cornos em migalhas, depois do desgraçado do chibo, tombar como uma borboleta sobre a lápide do amor, recordava-se ainda do fumo embrulhado em fina prata de alumínio, e fingiam que nada viam, adormeciam como embriagados homens de cabelo comprido,

Cumprido o teu desejo sublime, desfazem-se as pétalas em sorrisos amargurados, oiço-os

Aos olhos?

Os olhos dormem,

E choram as tuas lágrimas

Fingiam que nada viam, adormeciam como embriagados homens de cabelo comprido,

Cumprido o teu desejo sublime, desfazem-se as pétalas em sorrisos amargurados, oiço-os

Aos olhos?

Os olhos dormem,

Dormem... e dormem... e dormem... e ele gritava

“Povo desta aldeia... andastes quarenta e oito anos a dormir... e agora, agora comei do sono”

Aos olhos?

Os olhos dormem,

Dormem... e dormem... e dormem...

E onde está a lã das minhas ovelhas?

Ouvíamos-o chorando como uma criança empoleirada em calções e sandálias de couro, sentava-se no triciclo...

E dormem,

E onde está a lã das minhas ovelhas?

Dormem...

 

(Não revisto – Ficção)

@Francisco Luís Fontinha - Alijó

Domingo, 22 de Setembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:41

04
Jun 13

foto: A&M ART and Photos

 

Ouves as mãos de chocolate vagueando sobre a tempestade de cereal em forma de palavra

escreves-me dos tentáculos silêncios dos vulcões entranhados na montanha teus seios

e um arbusto chora a tua ausência

como se o vento adormecesse nas melancólicas mesas de granito

que um buraco de minhoca alimenta em pedaços de paixão

e tristes casas de areia com vista para a cidade dos barcos amargurados,

 

Ouves tuas minhas cansadas desilusões que o mar engole como Sereias de papel

e nada fica eterno

oiço-os fingindo escadas de acesso ao tecto da insónia história

não existo

desisto

de procurar palavras numa calçada sem nome num bairro esquecido no altímetro do Mussulo,

 

Vagabundeio semi-nu procurando terrenos para aportar

meus alicerces de tristezas manhãs de Primavera

a astronomia minha amiga inventa-me estrelas com pequenos torrões de açúcar

goiabada e mandioca

habitávamos em corpos sonâmbulos pela infinita distância sem que o universo nos informasse

dos projectos para ultrapassarmos as difíceis tardes abraçados a um rio imaginário,

 

Doente

sem nome dizendo-se filho das grandes palavras esquecidas nas cúbicas coxas cinzentas

que deixam os pássaros embriagados em penumbras cristas de azoto

finíssimas peles bronzeadas como noites escurecidas num qualquer confim de África...

e invento a felicidade com pedaços de capim e uivos de mabecos

enquanto um velho papagaio de papel circula no céu como uma ventosa em busca da saudade...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:19

29
Nov 11

(com um mês de idade precisei de uma transfusão de sangue e graças a um dador(a) Africano(a) consegui sobreviver; dedico-lhe este poema)

 

Há um rio africano

Que corre no meu corpo

Há sangue africano

Que caminha

E sonha

No meu corpo…

 

Há um rio africano

Deitado na minha cama

Entre o capim

E o mar de Luanda…

Há um rio africano

Que me devolveu a vida

 

E me chama.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 01:32

09
Out 11

Tropeçava no vento e quando se encostava à madrugada desciam silêncios do céu, estendia os bracinhos com um sorriso e tocava nas estrelas,

O meu pai,

Nas estrelas a fumar cigarros e a recordar a infância que se ausentou muito antes de ter nascido, o meu pai de musseque em musseque e de picada em picada, o meu pai que se escondia no cacimbo,

Quando no capim cresciam os meninos que dormiam de pé, que se escondia no capim e adormecia debaixo dos coqueiros embebido na maré,

O meu pai,

Sem fé,

Ausente da mãe,

De pé ente pé e subindo ao trigésimo andar da noite e depois de ser expulso da noite descia e descia e descia,

As escadas trémulas em madeira,

E acordava no Mussulo,

Chamava as gaivotas e vinham até ele os pássaros negros, mulheres de luto e que choravam os filhos e que choravam os maridos e que choravam,

- Maldita guerra sem sentido ouvia-o eu enquanto lhe apertava a mão e fazia caricias nos barcos estacionados junto às mangueiras,

E todas as guerras não fazem sentido,

O meu pai,

Que atravessa o rio e quando acorda percebe que está ao antigo Congo Belga à procura de nada,

E caminhava e caminhava e caminhava,

À procura da mãe,

E encontra um cacho de bananas e arroz com chouriço e arroz com chouriço e arroz com chouriço,

Trinta dias e trinta noites dizia-lhe o médico de receituário na mão,

- E antes de deitar,

Deambulava pelos canteiros de malmequeres que viviam junto à baía, sentava-se numa cadeira e esperava que a noite se escondesse numa caixa de sapatos,

Tropeçava no vento e quando se encostava à madrugada desciam silêncios do céu, estendia os bracinhos com um sorriso e tocava nas estrelas,

E uma e outra e mais outra,

Cerrava os olhinhos,

E ausentava-se da infância,

- Nasci bebé e ao outo dia já era homem,

E ao outro dia de musseque em musseque e de picada em picada,

Como as abelhas deitadas no pólen do amanhecer,

O meu pai,

- Nasci bebé e ao outo dia já era homem,

E o meu pai que se escondia no cacimbo e evaporava-se nos céus de Luanda todas as noites, e à meia-noite ancorava-se nele o cheiro de África,

Da terra húmida,

E de papagaios de papel que um miúdo erguia no céu,

Eu.

 

(Texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:06

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