Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

02
Mar 14

foto de: A&M ART and Photos

 

Perdi o teu olhar na penumbra seara de trigo,

tínhamos descoberto o silêncios dos rios que dormiam nas nossas veias,

perdi o teu olhar das palavras por escrever,

e sentia em ti o desejo de partires,

à janela apareciam as imagens que tínhamos deixado do outro lado do muro,

havia um fino sorriso de melancolia e as tuas mãos tremiam como tremia a tua voz de centeio,

perdi o teu olhar,

e da penumbra seara de trigo apenas sobejaram as flores envenenadas dos beijos adormecidos,

Descemos a montanha,

dormíamos nas almofadas clarabóias das rochas graníticas,

líamos as estrelas junto ao cais das laranjeiras, e... e sentíamos o florescer da manhã com rosas,

sobre nós um papagaio de papel lançava pequenos grãos de areia e alguns favos de mel...

as abelhas descoloridas morriam,

como nós, hoje,

cadáveres de gesso suspensos nas amoreiras,

e havia sempre uma criança em ti que me fazia sonhar...

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 2 de Março de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 15:48

04
Jan 14

foto de: A&M ART and Photos

 

“Estoy enamorado” e apelidam-de de pássaro das frias noites de agonia, sinto as ranhuras no gesso que a esperança corrompe as paredes da minha habitação, um fino e velho cubículo, um casebre com quatro janelas de pano, um esqueleto em porcelana com duzentos e seis ossos embainhados nas tormentas dos beijos desperdiçados,

Estoy enamorado,

“Estoy enamorado” sem perceber que a cidade dorme, respira e sonha..., deixei de sonhar quando dei conta das árvores com braços de cinzentos cigarros de enrolar, tive medo que depois de adormecer, nunca, nunca mais acordaria para olhar o mar, dormi, não sonhei... e quando me acordaram, anos depois, voltei a olhar

“Estoy enamorado” pelo mar,

E conheci uma abelha por quem “estoy enamorado”, literáriamente é uma besta, sempre aos gritos, acorda todos os fantasmas da cidade dos peixes, sinto dentro de mim os barcos da desgraça, sinto dentro de ti os edifícios com alicerces de prata e telhados em colmo, a floresta deambula nos teus cabelos, e tu, estúpida abelha, literáriamente pareces uma lareira sempre extinta, apenas daquelas que servem apenas de adorno, um cão saltita de sofá em sofá, e do resto do mobiliário... apenas a escrivaninha com quatro gavetas encerradas a fechaduras de marfim, um velho e rabugento cinzeiro e claro... a porcaria de sempre das mesmas fotografias de sempre, família, fantasmas que hoje apenas o são, habitam dentro do nosso pequeno espaço, não respiram, não saem de casa... mas... também não bebem, dançam umas com as outras, fumas haxixe por prazer e lêem revistas com fotografias de gajos nus, eles e a minha abelha parecem a tromba de um elefante depois da congestão com percebes e algumas quitetas, lembro-me das asas dela, e sinto nojo das palavras que me escrevia, dizendo que

“Estoy enamorada”,

As barbatanas sentiam o cheiro intenso do sossego das conchas vermelhas, a lua em guindastes de orgasmo levanta-se do divã, e

“Estoy enamorada” por ti, por eles, por todos os homens com vestidos de prata, os olhos pintados com rímel e nos lábios um colorido desejo sobressaltava... ouvíamos do outro lado da ranhura do gesso

“Estoy enamorado”,

“Sí mi querido”,

E as varandas balançavam e as escadas brilhavam e as ombreiras...

Se iluminavam,

E

“Estoy enamorado”,

“Sí mi querido”,

Amávamos-nos como bijutarias da “feira da ladra”, levava livros para vender e trazia panfleto de heroína para fumar,

“Si mi querido”,

“Estoy enamorado de ti” e quando regressávamos a casa tínhamos um regimento de transeuntes à nossa espera, polícia, polícia e mais polícia, tudo porque tínhamos trocado alguns livros por outros tantos panfletos de ardósia tarde sem recreio,

“Estoy enamorado de ti”,

“Estoy enamorado” e apelidam-de de pássaro das frias noites de agonia, sinto as ranhuras no gesso que a esperança corrompe as paredes da minha habitação, um fino e velho cubículo, um casebre com quatro janelas de pano, um esqueleto em porcelana com duzentos e seis ossos embainhados nas tormentas dos beijos desperdiçados, a canalização sempre em pequenos arrotos devido aos pigmentos de ferrugem, ouvíamos cair sobre nós os pingos longos da chuva sem

Nome?

“Estoy enamorado” e apelidam-de de pássaro das frias noites de agonia, sinto as ranhuras no gesso que a esperança corrompe as paredes da minha habitação, um fino e velho cubículo, um casebre com quatro janelas de pano, um esqueleto em porcelana com duzentos e seis ossos embainhados nas tormentas dos beijos desperdiçados, o nome pertencia à rua do abismo construído sobre os rochedos da coragem, estar e não pertencer estando, e nunca estive, e nunca estarei...

Disponível,

“Estoy enamorado”,

“Sí mi querido”,

E a abelha zarpou de mim, sinto-me livre, sinto-me... sinto-me como uma enxada vociferando os novelos de lã da minha mãe...

Amanhã, amanhã... amanhã “estoy enamorado”.

 

 

(não revisto - ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 4 de Janeiro de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:02

03
Ago 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Um corpo de açúcar que se derrete com a luminosidade das palavras, um corpo de estrelas voando sobre a Primavera das gaivotas cansadas, um corpo, belo, esbelto, poético, um corpo de açúcar com um olhar nocturno caminhando junto ao cais das esmeraldas adormecidas, um corpo em açúcar, desejando ancorar às amarras do silêncio...

Saboreavas as amêndoas escritas no chocolate da manhã, lias os poemas inventados e que em pedacinhos de sombreados papeis, apareciam no teu café, mexia-lo, e com a colher de prata, retiravas-los, e colocavas-los na borda do pires com floreados tristes, tristes, tão tristes, como as lâmpadas das árvores sem rosto, quando o olhar se esconde dentro do xisto, galgando socalcos, até caírem no rio,

Trazias contigo um lápis de espuma com que escrevias no teu corpo de açúcar as bolas de sabão que uma alegre criança lançava no vento de pétalas amarelas, brincavas nos olhos das gaivotas cansadas, gritavas sonoros gemidos de sílabas perdidas sobre a mesa-de-cabeceira onde poisava um livro com muitas folhas, sem palavras, muitas folhas desprovidas de vida, sem desenhos, sem gemidos, sem uivos, um livro como o teu corpo de açúcar, por vezes... recheado de incenso, por vezes triste, triste como os floreados teus seios, como tristes, triste as tuas mãos saboreando as uvas embalsamadas pela sombra do Douro, curvilíneo o teu desejo, em pequenos círculos de oiro, ias inventando o prazer da leitura, construías abraços com pequenas lágrimas das velhas videiras, adormecidas, embebidas no suor do teu corpo

De açúcar?

Empastelados corações ofegantes como canções de amar, sítios dispersos, algibeiras envenenadas pelos míseros cêntimos de um dia de trabalho,

Açúcar?

De, pensava eu,

Mas veio o vento, levou-te, misturou-te com a água que batia nas vidraças de pano, cortinados de papel chorando a tua partida, o espelho, esse, deixou de redesenhar o teu corpo em açúcar, e como uma criança, subiste as escadas do castelo de areia, onde habitas e te escondes, e vives... como uma

Não

Como uma pequena esfera do tamanho de uma cereja, os teus lábios saciavam-se com os fluidos das abelhas com asas de borboleta, e diziam-se na tua rua

Ela, tão bela, e de açúcar,

E de areia, onde habitas, no teu castelo junto às rochas dos petroleiros..., e, e ela, tão bela, e de açúcar, ela.

 

(Não Revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:04

14
Jun 13

foto: A&M ART and Photos

 

Perdi-me como Sábados desperdiçados dentro de uma semana confundindo-se com o pôr-do-sol, perdi-me enquanto ouvia mendigos disfarçados de livros, à porta dos bares abrigos com arrais de aço e pequenas correntes de suor, bebia-se vodka até que descia o enjoo marinheiro quando em alto mar alguém avisava que o melhor para combater o enjoo marítimo era bacalhau cru, de preferência salgado, nunca o experimentei, porque nunca enjoei durante os treze dias de viagem, talvez porque as crianças não enjoassem, talvez porque da cidade de onde eu vinha, tinham-me habituado aos solavancos das calçadas húmidas depois da chuva, vinha o sol, acordavam as ervas mais sonolentas, e ainda de boca semiaberta, amarguravam sílabas de solidão, como às abelhas quando se lhes pedia

Escreve um poema,

As pobres das abelhas não escrevem, e que eu saiba, são felizes, o meu cão não escreve, e é feliz, eu não sou marinheiro, e sou feliz, ando de porto em porto, percorro os oceanos mais distantes do dicionário das palavras difíceis de pronunciar, engasgo-me com a saliva que os amanheceres violentos provocam em mim, e em ti, que vives dentro de mim, pareces com febre, as teclas estão quentes, pergunto-me se conseguirás sobreviver até ao final da noite, de todas as noites, até que regressa o Natal, e depois

Escreve-me um poema,

E depois eu cá em parvalhão escrevia, estás tão quente, hoje, sinto-te nas minhas mãos, palpitas como sobejantes morcegos de porcelana

(fico extremamente irritado quando estou a escrever e o parvalhão do telemóvel sempre a vomitar sons vibratórios, como um reles vibrador adquirido numa loja do Chinês, provocando orgasmos aleatórios na secretária – De madeira? - , sim, sim meu querido, de madeira...)

E partindo-se a porcelana, resta nada, luzes tristemente sós, fingindo melódicos anseios nos fins de tarde, ouviam-se-lhes os gemidos em grãos de areia, e um colchão de palha roçava-se nele,

(fico extremamente irritado quando estou a escrever e o parvalhão do telemóvel sempre a vomitar sons vibratórios, como um reles vibrador adquirido numa loja do Chinês, provocando orgasmos aleatórios na secretária – De madeira? - , sim, sim meu querido, de madeira...)

E também de mim, nova vibração, novo orgasmo, chegada de SMS, e a coitada da secretária – De madeira? - sim, sim, sim meu querido, de madeira, como as searas depois de mortas, como as cidades depois de incendiadas pelo ofegante arremesso de objectos contra natura, odiava as camisolas de gola altas e as calças à boca de sino, mal conseguia segurar-me sobre os sapatos de três andares, mais parecendo a quilha de um veleiro, e agora imagino o coitado do João, de saia, camisola de gola alta e sapatos a condizer, mexe-se como uma andorinha de plumas entre os dedos, pinta docemente os lábios com bâton ruge e quando acorda o dia, vejo-a deitada num qualquer banco de jardim, desesperada, à espera do autocarro, e Auroras Boreais

(fico extremamente irritado quando estou a escrever e o parvalhão do telemóvel sempre a vomitar sons vibratórios, como um reles vibrador adquirido numa loja do Chinês, provocando orgasmos aleatórios na secretária – De madeira? - , sim, sim meu querido, de madeira...)

Escreve-me um poema, e Auroras Boreais poisam como insignificantes poéticos desejos sobre o teu peito onde vive um coração de chocolate.

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:07

13
Mar 13

Pensava que a erva era uma sopa concentrada

alimento respeitado para a alma

pensava eu

que a dita madrugada

não chegava

e mesmo assim

chegou

regressou do longínquo jardim

só e abandonada

como as estrelas do céu

de sal em pitada

na mão madrasta que o vento levou,

 

Pensava que a erva se fumava

e eu fumei-a como sílabas descarnadas

pensava que da sopa apareciam bailarinas desesperadas

como as mortalhas do mordomo

e os tripés de arame com pernas de navalhas

mas a erva não bateu e o mordomo chorava

deitado nas loiças palhas

pensava eu antes do sono,

 

Pensava eu pensava

quando olhava para o espelho traidor

sem perceber que o doutor

comia a erva e fumava ovelhas

cagava abelhas

e bebia mel

com pedacinhos de papel

e fumava luzinhas fumava.

 

(não revisto)

Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:40

18
Jan 13

Nunca percebi o que eles queriam, mas nunca mais a nossa vida pacata foi a mesma, nunca mais tivemos noites com estrelas, e nunca mais vimos a lua

Com olhos de papel e boca de jasmim quando os últimos pedaços de tarde sobem a calçada e da Calçada galgam os muros vestidos de amarelo, pareciam moscardos complexos nas mãos de homens apaixonados, eles e eles, e elas e elas com eles,

E nunca mais vimos a lua transparente nas paredes indomáveis dos desejos escondidos

O que quero ser quando for grande?

Gostava de ser uma abelha sem colmeia, ou, ou uma roda dentada sem veios de aço ou correias transmissíveis, livre, voando como as nuvens quando o vento as leva para lá da janela do sótão e das traseiras do velhíssimo edifício de arame as escadas que levitam como os corpos das almas depois de despregadas dos telhados de vidro, às vezes, gostava

Dos desejos escondidos nas flores de areia que tu guardavas nas algibeiras de tecido aos quadradinhos como as grades das prisões, ou como as calças de um pescador quando saboreia docemente o seu cachimbo de algodão, e outras vezes

Gostava

Que as árvores carrancudas, sisudas, e de poucas falas, brincassem comigo, conversassem comigo, e no entanto, abraço-me a elas, e elas

E outras vezes, gostava, que o jantar fosse uma pintura numa tela com muitos beijos de acrílico e bocas de pastel e lábios de chocolate pincelados ao de leve com o bâton vendido pelo cigano da rua do Alecrim Doirado, gostava, e elas acreditavam que do céu vinham as notas de vinte euros que eu lhes dava,

Gostava

Não sei, gostava,

Que as visíveis asas de prata que as moscas utilizam nas festividades que simbolizam a Primavera fossem como os carroceis que invadem as vilas e as aldeias preenchendo os sonhos das crianças, e que os carroceis com olhos de papel e boca de jasmim quando os últimos pedaços de tarde sobem a calçada e da Calçada galgam os muros vestidos de amarelo, fossem moscardos complexos nas mãos de homens apaixonados, eles e eles, e elas e elas com eles, e à sobremesa via láctea uma sanduíche de néon com pedacinhos de solidão à lareira dos sonhos, abria o livro das palavras guardadas em segredo, folheava as páginas de prazer como se fossem um corpo em desassossego semeado numa seara planetária longínqua da saliva em gotículas encarnadas, viam-se dificilmente os barcos em regresso da planície dos fantasmas de alcatrão

Gostava

Dos desejos escondidos nas flores de areia que tu guardavas nas algibeiras de tecido aos quadradinhos como as grades das prisões, ou como as calças de um pescador quando saboreia docemente o seu cachimbo de algodão, e outras vezes

Gostava,

Gostava e outras vezes não percebia o que eles queriam, mas nunca mais a nossa vida pacata foi a mesma, nunca mais tivemos noites com estrelas, e nunca mais vimos a lua dançando e dançando com os lençóis de sémen no leito do amor, gostava que fosses um livro recheado de poemas, gostava que das tuas leves brancas mãos nascessem palavras sem morte e com a alegria desejada, gostava

O que quero ser quando for grande?

Nada,

Que a loucura prateada descesse de cima das árvores e brincassem as jardineiras azuis que suspensas no arame da tristeza deixam o quintal encharcado de lágrimas, nada, nunca quis ser nada, nunca gostei do mar, nunca gostei de sonhar, e às vezes, outras vezes

Gostava

Que as árvores carrancudas, sisudas, e de poucas falas, brincassem comigo, conversassem comigo, e no entanto, abraço-me a elas, e elas, gostava, gostava que as imagens a preto e branco da minha infância se entranhassem nas frestas que o gesso transporta desde que regressamos do outro lado da via láctea, ainda eras tu uma criança docemente inscrita numa ardósia de linho bordado com fios de oiro, e gostava

E outras vezes, gostava, que o jantar fosse uma pintura numa tela com muitos beijos de acrílico e bocas de pastel e lábios de chocolate pincelados ao de leve com o bâton vendido pelo cigano da rua do Alecrim Doirado, gostava, e elas acreditavam que do céu vinham as notas de vinte euros que eu lhes dava,

Gostava

Não sei, gostava.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:42

13
Jan 13

Tenho pena que os caminhos que ao alvorecer cruzávamos, hoje, estejam moribundos como as nuvens azul-cansado que sobre o peito nu da melancolia amanhecer desperta num relógio longínquo, abstracto com roldanas e rodas-dentadas, com uma boca fechada, como as janelas que dormem nos prédios desabitados, sem luzes, sem portas, nem crianças a brincar, tenho pena

Este vazio sincero que as pálpebras escuras da noite deixam ficar nas mãos de que a trabalha, a ela, a terra prometida, e dizia ele que a terra é de quem a trabalha, mas o dito fruto, mas o fruto pertence

A quem o colhe, nem mais, tenho pena das tuas sílabas suspensas nos teus lábios de areia branca, tenho pena das malditas luzes e das rodas-dentas esquecidas na mesinha-de-cabeceira, e à tardinha, dizia-te simplesmente

Vou-me

Desistir de caminhar nas pedras falsas das calçadas vulvas que todos os cadáveres deixam adormecer antes de morrerem, canso-me, despeço-me, demito-me, mas nada melhor do que deitar-me sobre um rio doente, e nada melhor do que levitar como os cavalos do velho cigano, ouviam-se os sons silenciosos das abelhas e das flautas de mel, e eles,

Subiam, desciam, e vias-me

E eles levitavam como pássaros negros antes de caírem os muros de madeira que os anjos de asas verdes construíram nas searas alheias, via-se a reforma agrária, e quando lhe perguntavam

Se tivesses duas casas davas uma? Ele respondia que sim, Dava sim senhor,

Se tivesses dois carros davas um? Ele respondia que sim, Dava sim senhor,

E se tivesses duas galinhas, davas uma? Ele furioso respondia que não, não dou, e quando lhe perguntava porque não dava uma das galinhas visto ele ter duas, simplesmente respondia

Porque só tenho duas...

Subiam, desciam, e vias-me

E vias-me partir de barco debaixo do braço, chapéu na cabeça, e com as sandálias na outra mão por causa da areia, não a reia dos teus lábios, mas a areia fina e fútil da praia, pousava as sandálias, despia-me e colocava a roupa sobre elas, estava nu, e quando tinha o barco em posição para a partida, entrava, sentava-me, sorria ao olhar os restos mortais que tinham sobejado de mim

As sandálias, os calções, e um ou outro parafuso que à partida eu achava que não seriam necessários, e se o fossem, paciência, depois de estar em alto mar, nada a fazer, nada, a não ser, mergulhar profundamente nos oleados maciços das marés aldrabadas pela voz de um solitário, coitadinho, coitados

Dos satélites vestidos de mulher às voltas de um planeta a que toda a gente apelidava de árvore fantasma, esqueleto vagabundo, sentinela sonâmbulo das noite embriagadas com óleo vegetal e sardinhas de conserva, Vou-me a ela

Coitadinho dos coitados plásticos da marmita onde os restos de comida serviam para alimentar um regimento inteiro, muitos, entre a Calçada e os Jardins junto ao rio, os automóveis estacionavam-se e abriam-se as portas de porcelana das bonecas das meninas

Vou-me a ela

A quem o colhe, nem mais, tenho pena das tuas sílabas suspensas nos teus lábios de areia branca, tenho pena das malditas luzes e das rodas-dentas esquecidas na mesinha-de-cabeceira, e à tardinha, dizia-te simplesmente que as meninas eram falsas, nunca existiram, e tal como as bonecas de porcelana e os automóveis de cerâmica, e tal como as meninas e os meninos da Calçada

Vou-me

Adormeciam como os fósforos cansados dos finais de tarde, quando entravas em casa de barco debaixo do braço e dizias-me

Olá amor, regressei,

E eu sabia que tu não regressavas, e eu sabia que continuavas em alto mar à procuras das coisas impossíveis,

Olá amor, regressei,

Atiravas os chinelos para debaixo do sofá, poisavas o barco em cima da mesinha da sala de visitas, despias a camisola e os calções, e mergulhavas nos lençóis de seda da nossa montanha de Primaveras nocturnas que o mar desenhava nas estrelas dos meus seios de papel mata-borrão, e eu via a caneta de tinta permanente em lágrimas azul-cansado que nas moribundas nuvens espetavam no peito nu da melancolia noite,

Olá amor, regressei

Às sandálias, aos calções, e um ou outro parafuso que à partida eu achava que não seriam necessários, e se o fossem, paciência, depois de estar em alto mar, nada a fazer, nada, a não ser, mergulhar profundamente nos oleados maciços das marés aldrabadas pela voz de um solitário, coitadinho, coitados

Amor

Olá regressei,

E eu sabia que tu não regressavas.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:42

29
Ago 12

Friamente habitar no teu corpo

ardente

quando tropeço no mar

absorto

morto

sem vontade de acordar

 

friamente os sorrisos da alvorada

como cinco gaivotas envenenadas pelos silêncios da noite

amadas sobre o divã invisível poisado no pavimento sem esquinas de luz

nos corredores da morte

 

friamente o Tejo me engole quando mergulho dentro dos lençóis da solidão

um barco é impossível

nas coxas de um cacilheiro em direcção ao Seixal

e entra em mim o cheiro suficiente para me fazer sonhar

há a possibilidade de eu acordar no solo lunar da margem Sul

sentado numa pedra a imaginar palavras nas ardósias do infinito

 

serei feliz assim?

 

Metade de mim xisto

e a outra metade

pequenos grãos de pólen

nos desejos das abelhas

 

serei amado?

 

Quando todas as portas se encerram friamente

no sono das estrelas preguiçosas

alegremente

 

assim?

 

Serei?

 

Quando tropeço no mar

e de uma rosa de papel

um beijo acorda

abraçado a fios de nylon...

 

(poema não revisto)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:57

31
Mai 11

Se nos teus olhos de manhã adormecida

Acordasse o cansaço das minhas mãos

Quando mergulhadas no oceano

E acariciam os teus lábios em silêncio

 

No meu corpo pendurado nas nuvens

Crescia a noite sem estrelas,

 

Os barcos aumentavam de volume

E os peixes escondiam-se na sombra das árvores…

Se nos teus olhos de manhã adormecida

Acordasse o cansaço das minhas mãos

 

A minha boca silenciava-se na madrugada

E nos meus braços agarravam-se flores de papel,

 

Mergulhavam na terra as abelhas em delírio

E na parede da cozinha um calendário acorrentado

Prisioneiro dos infindáveis desejos

Que habitam nos teus olhos de manhã adormecida…

 

 

 

Luís Fontinha

31 de Maio de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:16

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