A tua doce e meiga voz, despertar da manhã, quando abro a janela e te olho com as nuvens penduras nos lábios das oito horas, chuviscos poisam ao de leve na tua mão, gotinhas de água correm na tua pele finíssima de algodão, minha querida manhã, quando acordas e dentro de mim vive o silêncio, quando acordas e dentro de mim uma roldana pesadíssima e perra, e cambaleia nas tuas belas pétalas que brincam no céu,
Não, não querida manhã, não estou revoltado, não, também não sinto ódio, porque um poeta ama, e um poeta que ama não sente ódio, apenas triste, sim, querida manhã, sinto-me triste e cansado e ausente, não, não estou revoltado,
A tua doce e meiga voz, despertar da manhã, quando abro a janela e te olho com as nuvens penduras nos lábios das oito horas, e se estivesse revoltado, minha querida manhã, e se sentisse ódio, minha querida manhã, eu não amava, e amo e sou amado, e não amava as flores, e não amava os rios e o mar, e não amava Luanda, enão amava os machimbombos, e não amava as lindas paisagens do douro,
E hoje, minha querida manhã, hoje estás tão linda que nem me apetece levantar, apenas quero ficar semideitado a olhar-te, e compreender os pássaros que brincam nos teus braços,
É sempre assim quando acordo, olho-te e não me apetece levantar da cama, e se eu pudesse deixar de te olhar, e se eu pudesse nunca mais ver os teus braços e as tuas mãos, minha querida manhã, quando acordas e beijas o sol, e despedes-te da lua,
E rezo, à minha maneira, e rezo que me leves contigo, para longe, muito longe, onde a paisagens seja tenra e habite um rio ou o mar, e olho-te, querida manhã, e olho-te com o pensamento em Luanda, e vejo um miúdo de calções e sandálias e t-shirt, sorri, está feliz, e brinca na sombra das mangueiras…
(texto de ficção)