Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

21
Mar 20

Conheci a puta de uma laranja assassina.

O gesto de coçar os testículos,

Quando o Rossio entre orgasmos e gemidos,

Traz o cansaço,

Os berros,

E, os cubículos.

O restaurante, encerrado.

As putas em delírio,

Sem clientes,

Passam fome,

Deveras,

Quando a aldeia acorda.

E eu, aqui sentado,

Fumando cigarros de haxixe, toco clarinete,

Bombo,

Punhetas a grilos,

E, afins.

Se te podes revoltar, revolta-te,

Come tremoços,

Mija contra os postes de electricidade,

Vem-te,

Vai-te,

E fode-te,

Ao pequeno almoço.

As laranjas assassinas,

Na marmita do tesão,

O foda-se,

Então?

Ai Senhor,

As putas em delírio,

O cansaço delas,

Nas mãos calejadas do centro de massa…

A equação do caralho,

Lacrimejado,

Entre paredes,

E dias de desassossego.

Por isso não esqueço,

A maldade,

O sumo da laranja,

Quando assassina o sexo.

Morre o tesão;

Fodam, fodam, que agora é de graça,

E não digam a ninguém,

Contra os rochedos,

Marchar, marchar…

E, depois,

Não se esqueçam de encerrar a janela,

A fechadura,

Porque às vezes, parece,

Mas não o é,

Sempre, às escuras.

Faltou a luz,

Esqueci-me de pagar a electricidade,

Foda-se,

Vou mijar contra o poste,

E se não gostarem,

Acabou.

Fim.

Fodi-me.

Fui assassinado por uma laranja.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

21/03/2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:00

06
Abr 16

sinto o peso da lua

sobre os ossos em papel

que habitam o meu corpo

escondo nas mãos o luar nocturno da solidão

dos tristes pássaros do meu jardim

escrevo-lhes e converso com eles

a minha presença incomoda-os

e pareço uma imagem aprisionada num hipercubo de sombras

sonhos

rios infindáveis

palavras esquecidas no vento

correndo nas minhas veias de vidro martelado

o opaco desejo nas madrugadas embriagadas pelas andorinhas

o silêncio abraçado a uma árvore

sinto o peso da lua

sobre os ossos em papel

que habitam o meu corpo

aos poucos vejo o teu olhar sentado sobre o meu peito doente

como se existissem roldanas de cartão

na pele que me alimenta

sou um aldeão sem aldeia

mas das montanhas

regressam os homens do coração granítico

que trazem a noite

e me roubam as palavras

depois a tua boca entrelaçava-se na minha

um fino sorriso de nylon brincava na janela virada para o mar

os barcos encalhados nas tuas coxas

em pequenos apitos sonâmbulos

uma casa em chamas

dois corpos em chamas dentro da casa em chamas

o farol lá longe

guiando-nos até ao infinito

a morte

a paixão laminada pelos orifícios do deserto

sinto-me um prisioneiro esquecido num qualquer porto de mar

cordas

correntes de luz dificultando-me a mobilidade das palavras

os livros também em chamas

na casa em chamas

com dois corpos em chamas

o inferno inventando o suor do teu corpo

as asas que te levam para o Céu

também elas em chamas

a fogueira dos nossos cadáveres sobrevoando o horizonte

descemos a calçada

sentamo-nos junto ao rio

dois condenados ao amor impossível

às cartas nunca escritas

o amanhecer quase a chegar

nos teus lábios as pedras preciosas da saudade

há tanto tempo com esta enxada rosada na mão calejada pelas pálpebras do incenso

há tanto tempo

aqui

sem ninguém

 

 

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 6 de Abril de 2016

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:27

08
Mar 16

A aldeia deserta

Tenho no corpo o peso da saudade

Que desertou dos jardins suspensos dos teus lábios

A tempestade alicerçou-se às tuas mãos

Como se alicerçaram as sombras nos meus cabelos

A aldeia deserta

E eu, e eu recheado de sonambulismo,

Sonhos

E saudade…

De regressar à aldeia deserta

Onde habitam os meus ossos

E as minhas cartas de amor!

 

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 8 de Março de 2016

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:33

19
Mar 15

Viajo no teu olhar

disfarçado de flor

há nos teus lábios um jardim

com coração de pétala adormecida

uma criança brinca nos teus cabelos

baloiça na tua boca

sempre a sorrir

antes da minha despedida

viagem

ao fundo do poço da paixão

desço

despedida,

 

desço até encontrar o chão

lamacento

com odor a Primavera

a poesia é uma aldeia

sem palavras

sem livros

sem... sem casas

baloiça na tua boca

sempre a sorrir

a criança que existe em mim

mergulhada nos sonhos

quando o sono é uma prisão,

 

com grades de luar

e janelas de açúcar...

imagino o teu silêncio

quando te embrulhas no espelho da saudade...

saudade...

grades

janelas

uma aldeia

sem palavras

sem... sem... pessoas

e a criança invisível

grita... quando percebe a minha partida...

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 19 de Março de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:37

10
Mai 14

O dia esconde-se entre os teus dedos e a sombra do veleiro com asas de papel,

do silêncio vento acordam as mangueiras de um quintal em pedaços de saudade,

e há corpos farrapos numa tela pastel,

 

Os teus lábios são cerejas voando sobre um Oceano de neblina,

parecem o rio quando se cansa de acordar,

os teus lábios são gritos de liberdade,

os teus lábios são os sonhos de uma menina,

 

O dia esconde-se nos teus dedos e há candeeiros de xisto saltitando na calçada,

sei que há palavras envergonhadas nos meus cabelos frangalhos, tristes... e velhos calendários,

o dia termina, o dia deixa de ser dia e procura a madrugada,

 

Há no teu olhar uma mágica fechadura com janelas de cortinado envelhecer,

uma mão poisa no teu rosto varanda onde sentado um menino,

brinca com bonecas de porcelana,

brinca... brinca com o término do dia, brinca... brinca com a imaginária cama,

e eu, eu espero que acordem os teus braços com pulseiras de amanhecer,

e tudo acaba com o toque do sino,

 

A aldeia cresce na montanha,

e tu desapareces como nuvens de encanto tapando o Sol poesia,

o dia,

o dia já ninguém o apanha...

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 10 de Maio de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:03

02
Jan 14

foto de: A&M ART and Photos

 

Sinto-me ausente como os barcos da minha infância

oiço os loucos apitos das orgias nocturnas dos pássaros anónimos em mim

finjo escrever no corpo da alma

acredito voar se saltar a varanda e passear sobre os telhados de Alfama

os bares em Cais do Sodré

o rio... o rio que me chama... e eu... e eu não vou

pronto

não quero

porque não me apetece olhar o mar

sinto-me transeunte como as formigas empanturradas em açúcar e compota de abóbora...

não quero conversar com ninguém

prefiro a ausência,

 

A minha santa ignorância... sou um Réu sentado em cima das rochas de espuma

sou um corpo deitado sobre outro corpo

mórbidos nós... até que a morte nos separe... penso em ti

e nunca sei quem és

como te devo apelidar...

se

ou

sinto-me ausente como as serpentes e os barcos da minha infância,

 

Além habitam os charcos lamacentos das bibliotecas em flor

aqui... nada que preste

aqui apenas a minha sombra espetada num farrapo junto a um espigueiro...

o telhado chora

e range

as ripas fazem amor com os pregos enferrujados...

gritam

uivam

e lá dentro

pedaços de nós em pequenas espigas de milho adormecidas no cansaço da morte

não sei... ainda não sei o teu nome

como te despes... como... qual é a tua relação com o espelho do desejo?

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 2 de Janeiro de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:29

22
Set 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Eras mármore gratinado nas doces tristes algas da solidão, havíamos de terminar a noite entre resmas de papel, cinzeiro recheado de beatas, neblina ensurdecedora que os cigarros vomitavam sobre a mesa decorada com objectos insignificantes, eras mármore sobre um piano coberto por um cobertor de areia, regressavam no final do dia...

Pombas, gaivotas e barcos enjoados devido à forte ondulação que as horas incompletas e mortas, pelas finas espumas que os marinheiros traziam no pulmão alcatroado por um empreiteiro de algibeiras encurraladas das tempestades que o medo, de vez em quando, deixava cair sobre o silêncio, os olhos, os olhos

Fingiam que nada viam, adormeciam como embriagados homens de cabelo comprido,

Cumprido o teu desejo sublime, desfazem-se as pétalas em sorrisos amargurados, oiço-os

Aos olhos?

Os olhos dormem,

Comprido como a fome, as andorinhas regressavam ao local do crime, e as janelas de cristal sempre lá, suspensas nas árvores com ventoinhas eléctricas, do tecto, a chuva do teu cheiro, a catinga mergulhava na sombra nocturna do cinzento púbis que embebia a madrugada em despedidas ao Verão, regressado de longe, vêem-se as superfícies lisas das coloridas faces com lábios de amanhecer, ao longe

Aos olhos?

Vêem-se-lhe as pernas arqueadas e poisadas sobre o parapeito virado para as traseiras onde brincava um robusto quintal, velho, barbudo, atulhado de lixo, lixo... e aqui e além

O cheiro a catinga,

Os caixotes de lixos até não aguentarem mais alimento, vomitavam-se e sujavam as laminadas passadeiras em pura lã virgem, o pastor reclamava o preço a que lhe pagavam a lã, as ovelhas gritavam

Gatunos, gatunos...

O preço da água é um roubo,

Gatunos, gatunos... e o coitado do chibo endiabrado, correndo de leira em leira... até encontrar um rio com peixes voadores, até encontrar a mulher mais bela do cinzeiro onde ardiam algumas das beatas... e o lacrimante púbis enjoado devido às difíceis encostas cobertas por placas de xisto, e mármore gratinado nas doces tristes algas da solidão, havíamos de terminar a noite entre resmas de papel, cinzeiro recheado de beatas, neblina ensurdecedora que os cigarros vomitavam sobre a mesa decorada com objectos insignificantes, eras mármore sobre um piano coberto por um cobertor de areia, regressavam no final do dia...

Gatunos, gatunos...

O preço da água é um roubo,

Aos olhos?

A catinga absorvia o ranger

Oiço-os... meu querido

O quê?

A catinga absorvia o ranger que ela ouvia dos cornos em migalhas, depois do desgraçado do chibo, tombar como uma borboleta sobre a lápide do amor, recordava-se ainda do fumo embrulhado em fina prata de alumínio, e fingiam que nada viam, adormeciam como embriagados homens de cabelo comprido,

Cumprido o teu desejo sublime, desfazem-se as pétalas em sorrisos amargurados, oiço-os

Aos olhos?

Os olhos dormem,

E choram as tuas lágrimas

Fingiam que nada viam, adormeciam como embriagados homens de cabelo comprido,

Cumprido o teu desejo sublime, desfazem-se as pétalas em sorrisos amargurados, oiço-os

Aos olhos?

Os olhos dormem,

Dormem... e dormem... e dormem... e ele gritava

“Povo desta aldeia... andastes quarenta e oito anos a dormir... e agora, agora comei do sono”

Aos olhos?

Os olhos dormem,

Dormem... e dormem... e dormem...

E onde está a lã das minhas ovelhas?

Ouvíamos-o chorando como uma criança empoleirada em calções e sandálias de couro, sentava-se no triciclo...

E dormem,

E onde está a lã das minhas ovelhas?

Dormem...

 

(Não revisto – Ficção)

@Francisco Luís Fontinha - Alijó

Domingo, 22 de Setembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:41

22
Jan 13

E se um dia eu te oferecer flores?

Dir-te-ei que enlouqueceste como enlouquecem as serras depois das tempestades de neve, assim, ficar-me-ás nas entranhas mãos que o perfume dos silêncios mares deixam ficar nas pálpebras tristes dos corpos imperfeitos das cidades vazias, dir-te-ia apenas que o amor é uma coisa, fria, compacta, estranhamente estranha, infeliz, as palavras sobre a aldeia onde nasci, vazia

E se um dia eu te oferecer flores? Provavelmente não será amor, acredito que seja o meu velório, e possivelmente não o será, provavelmente seja um casamento, o teu baptizado, talvez, um dia, percebas os meus poemas que escrevi, e deixei

De escrever?

Sobre a aldeia vazia, perdidamente entre duas distâncias, um ponto insignificante algures no Rossio, ou uma recta paralela ao rio tal como os carris que te levavam para Belém, ou talvez

O que me dizes das flores?

De escrever, ou talvez sobeja um ponto final para colocar no paragrafo em suspenso, à espera que regresses do outro lado da circunferência amarela, os círculos de luz, abelhas envenenadas pelas garras ciumentas da tua boca carnívora, enfeitada com cigarros de enrolar e pedacinhos de pétalas de papel,

Ou talvez

De escrever, desesperar até que a morte nos separe, acredites, não acredites, eu vou partir, oiro, marfim, ou talvez, dir-te-ei que enlouqueceste como enlouquecem as serras depois das tempestades de neve, assim, ficar-me-ás nas entranhas mãos que o perfume dos silêncios mares deixam ficar nas pálpebras tristes dos corpos imperfeitos das cidades vazias, dir-te-ia apenas que o amor é uma coisa, fria, compacta, estranhamente estranha, infeliz,

Ou

Dir-te-ia que os telhados são como as flores que tenciono oferecer-te, ou talvez não, ou

Infeliz,

Ou

Dir-te-ia que os telegramas (telegramas?) dir-te-ia que os telhados de papel sobre a aldeia onde nascia arderam, tal como as flores, tal como os poemas do Inverno de écharpe na cabeça à lareira da sonolência à espera que o livro poisado na mão acordasse e se transformasse em simples criança desenhando sonhos nas paredes escuras, nas paredes frias, dos vidros que guardam as janelas

Do amor

Ou,

E se um dia eu te oferecer flores?

Dir-te-ei que enlouqueceste como enlouquecem as serras depois das tempestades de neve, dos vidros que guardam as janelas das palavras que morreram e não servem para os poemas de amor,

Porque

Ou

Do amor,

Nem todas as palavras servem...

 

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

 

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:28

23
Dez 12

Nasci numa aldeia cinzenta, e todas as pessoas traziam na cabeça uma flor de lótus, uma pequena ribeira caminhava sem destino entre os canaviais e os choupos velhos e caducos que viviam em comunhão de bens, felizes no casamento, tinham três filhos, duas raparigas, e eu

 

eu continuo sem saber o que sou,

 

as raparigas desde muito cedo começaram a fazer desenhos nas paredes da casa, um rés-do-chão enfaixado nas amoreiras e silvais que depois de cair a noite desapareciam como desaparecia o fumo dos cigarros do meu irmão, sisudo, chato, um travesti de trinta e dois anos, bancário, regressava a casa depois de um longo dia de trabalho, apanhava o eléctrico, contava as pombas até chegar à porta de entrada do prédio, entrava, começava a subir as escadas tranquilamente, no patamar do primeiro andar ainda era o Carlos, subia, subia, e quando chegava ao quinto andar,

 

agora sei o meu nome,

 

Maria Feliz, entrava em casa, descalçava os sapatos altíssimos e colocava as pernas sobre a mesa de mármore que jazia no centro da sala de estar, pegava no comando da aparelhagem sonora, carregava no PLAY e sempre o mesmo CD no seu interior

 

agora sei o meu nome,

 

Wordsong (AL Berto)

 

e ele,

 

ela,

 

tinham saudades dos tempos da infância quando apenas tinham como memória uma aldeia cinzenta, apodrecida, a madeira das traves e dos barrotes, de vez em quando, pingava um líquido sujo e espesso, e quando lhe passava o dedo e levava-o à boca

 

ela percebia que eram lágrimas com mel,

 

chovia dentro de casa, tínhamos um cão a que dávamos o nome de REX, e quase sempre o gajo desobedecia-nos, traquina, as raparigas desde muito cedo começaram a fazer desenhos nas paredes da casa, um rés-do-chão enfaixado nas amoreiras e silvais que depois de cair a noite desapareciam como desaparecia o fumo dos cigarros do meu irmão, e nós deliciávamos-nos com os poemas

 

eu continuo sem saber o que sou,

 

ele

 

sisudo,

 

ela

 

levantava-se do sofá, acabava de despir-se, e quando se olhava no espelho e percebia que não tinha sobre si outra qualquer roupa, nem vestígios dele, corria até à casa de banho, abria a torneira da água quente, deixava-a borbulhar como uma panela ao lume com estrelas e pedaços de néon, e aos poucos e silenciosos sonhos do mar, começava numa carícia intensiva, até se cansar, até perceber que ela era ela, até

 

ele

 

sisudo,

 

ela

 

ela percebia que eram lágrimas com mel que o seu corpo derramava como se fossem a seiva envenenada das árvores de papel, sisudo, e pendurava no armário o Carlos, e a lua apoderava-se dela, e a lua escrevia no corpo dela,

 

viste o Carlos?

 

ele

 

sisudo,

 

ele

 

chato,

 

ele, que todos os dias se levantava de madrugada, Maria Feliz ia ao guarda-fato, tirava o Carlos, vestia-se, raramente tomava o pequeno-almoço, deixa-a sobre a cama até que o cair da noite se agarrava às janelas do quinto andar,

 

sisudo,

 

agora sei o meu nome, agora percebo a cor da aldeia onde nasci, vivi, cresci..., e quase

 

morri,

 

ela

 

viste o Carlos?

 

chato, sisudo, as árvores que nem os malditos pássaros encarnados queriam sentar-se sobre elas, é triste, era triste a solidão dos dias, e percebia que as minhas irmãs

 

não gostam de mim, sempre me odiaram, viste o Carlos? Apenas palavras para os poucos transeuntes ouvirem, porque nas minhas costas

 

o Carlos é um chato, e sisudo, e

 

as ruas deixavam de pertencerem-me, e

 

ela

 

viste o Carlos?

 

e elas sempre souberam que nunca existiu nenhum Carlos, e elas

 

as raparigas desde muito cedo começaram a fazer desenhos nas paredes da casa, um rés-do-chão enfaixado

 

numa rua de Cais do Sodré, e quase

 

morri.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:54

30
Set 12

Não existe,

elevam-se na infinita tarde de Outono as mãos da Primavera, a viagem invisível do cais recheado de sombras e socalcos de suor não termina nunca, e o telegrama da morte enrola-se nas oliveiras misturadas em aventuras e palavras sem destino,

 

- ai o que eu sofro, oiço-o constantemente como se o galo falante da vizinha se transformasse nele, e ele sem perceber que na noite da aldeia vagueiam roseiras embrulhadas em versos de amor, o amor começa a evaporar-se e uma azul garrafa de espumante absorve-o, alimenta-se dele, com borbulhas encarnadas,

 

deixou de existir o mar onde me escondi numa manhã de Setembro, e mergulhei até fingir que a vida é uma mera confusão de nomes e mulheres sobre as mesas do bar suspenso nas teias de aranha do silêncio, não existe a maré de Agosto, não existe

 

- ai o que eu sofro,

 

as margaridas de papel e os crisântemos, não existem barcos como antigamente que rompiam a solidão na esperança de regressarem dos prometidos sonhos e subiam as escadas da infância até ao sótão da escola primária onde brincava a ardósia com sorrisos infestados de cintilantes pálpebras abraçadas às finíssimas asas de vento que sobre o rio sem nome desapareciam, orgulhosamente distante, ouvia-o, eu, só

 

- ai...

 

ouvia-o nos suspiros húmidos do corpo almofadado, do céu desciam cordas e algumas frases sem nexo, as cordas construídas pelos gemidos gritavam e ordenavam aos pássaros assassinos que matassem todos os livros da aldeia, os poemas morrem de tédio e não existe

 

- ai o que eu sofro,

 

não existe amor que sobreviva ao Oceano da solidão,

 

- sinto-o quando abro a janela de incenso e um profundo olhar sobre o mar que deixou de existir numa manhã de Setembro diz-me que as abelhas odeiam os meus desenhos, e um profundo olhar sobre o mar que deixou de existir numa manhã de Setembro diz-me que as rosas com perfume artificial odeiam os meus poemas e textos, e oiço-o na loucura do prazer a alicerçar o terraço da aldeia às sílabas transparentes,

 

não existe louco amor no Oceano da solidão, e todos os barcos do céu voam como todos os pássaros da terra navegam nas águas da tristeza, e as noites parecem o inferno enfeitado com plumas e pulseiras de marfim, enfim, amanhã, transparentes todas as ruas da cidade,

 

- ai o que eu sofro, e deixei de o ouvir.

 

(texto de ficção não revisto)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:25

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