Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

23
Mar 14

Recomeço, esqueço-me que estou vivo, oiço na TV um grupo de Jazz, deslumbrante para um Sábado sem memória, escrevo sem saber porque o faço, talvez recorde os teus beijos, talvez recorde a tua ausência, talvez viva sem o saber,

Que estou vivo,

Permaneço inconstante, finjo ser uma equação diferencial sem solução, pego numa integral tripla e acaricio os teus lábios de garra madrugada, e amanhã sobejam palavras escritas por mim na tua degradante janela, o velho Augusto pega no cigarro enrolado pela tristeza, amanhã não sei se estou vivo, amanhã não sei se estarás ao meu lado, amanhã sinto que tal como o título do Livro de Miguel Esteves Cardoso “O amor é Fodido” eu... eu estou fodido... tal como o amor, oiço o programa de jazz, imagino a tua pele rosada embainhada nos lençóis de uma cidade a que apelidaram de Lisboa, esqueço a poesia, tenho raiva da poesia, porque sou uma incógnita vestida de equação trigonométrica,

Que estou vivo,

Tenho medo que morras, porra... porque morrerás tu, porque escrevo sabendo que a inveja infesta as minhas palavras, os meus olhos, sei que existes dentro de um cubo de vidro, um aquário com barbatanas de papel, e lá fora regressam os corações de cintilantes pergaminhos com bordados e flores envelhecidas, percebo a tua dor, percebo que aos poucos te vou perder, e nada, nada consigo fazer para te resgatar do rio apelidado de medo, oiço-os, vejo-os na tua mão como se fossem pedras acabadas de nascer, que estou vivo? E amanhã o saberei,

A inveja dos outros quando as palavras crescem nos teus seios, a inveja de partires e não ser capaz de te procurar-te no Oceano mais longínquo das minhas veias argamassadas, via-te sentada numa esplada de vidro, sentia o pulsar do teu desejo quando abríamos um livros de AL Berto e líamos um dos mais belos poemas, depois... depois tínhamos o Pacheco e o magala travestido de poeta, eu, deambulando pela rua à procura do banco em madeira onde nos sentávamos, e... e pegava na tua mão, e escrevia no teu corpo, tantas e tantas... vezes em sentido, eu

Que estou vivo, que estou vivo sem o saber,

O uísque desaparece e entranha-se no gélido teu orgasmo, apaixonei-me pela escrita de António Lobo Antunes, cresci com Milan Kunera, e hoje, hoje apenas vivo finjindo que vivo, sou um cadáver em movimento curvíleneeo e uniformente acelerado, não sou Angolado, não sou Português... sinto-me apátrida como o destino, penso, não caminho, olho os jardins e sei que algures por lá andas escondida, talves te tivesses transfomado em arbusto, em saudade ou... ou em objecto de velharia na banca de uma qualquer feira, recomeço, esqueço-me que estou vivo, oiço na TV um grupo de Jazz, deslumbrante para um Sábado sem memória, escrevo sem saber porque o faço, talvez recorde os teus beijos, talvez recorde a tua ausência, talvez viva sem o saber,

Que estou vivo, que há pessoas prontas a assassinarem-me intelectualmente, mas eu, eu estou vacinado conta a inveja, mas eu, eu estou habituado a ser huminhado, e o velho Augusto perdido nos cigarros de enrolar, e eu perdido no gélido teu corpo de amendoeira, e, eu...

Que estou vivo, que estou vivo sem o saber,

Que amnhã existirá um amanhecer, que amanhã... amanhã sem o saber, tu, tu quererás pertencer às minhas palavras, porra... não podes morrer, não, não poedes,

Que estou vivo?

E uma âncora de desejo permanecerá no teu corpo...

 

 

(texto de ficção)

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 23 de Marvo de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 03:02

21
Dez 13

foto de: A&M ART and Photos

 

O pormenor emblemático do corpo composto por luz, pétalas encarnadas e algumas insónias margaridas, o jardim parece um monstro recheado de nozes, vozes, um monstro com olhos em xisto, socalcos, montanhas... e nas veias, o rio

O Douro?

O sorriso das madames com plumas desiguais sobre os ombros sombreados pelas nuvens que a noite constrói depois de todas, ou apenas uma ou outra, luzes de néon vomitarem as palavras encravadas nas montras da cidade, oiço-te vaguear como uma gaivota ferida, doente, oiço-te mergulhar no meu Douro que odeio, confesso... que sempre odiei, vivi para ser uma cidade, com bares, ruas e ruelas, travestis, putas, e donzelas... o Douro enerva-me, desiludiu-me quando o encontrei pela primeira vez... como me desiludiram algumas das mulheres que eu tive

(como desiludiste algumas das mulheres que tiveste)

Como me desiludiram algumas das calçadas empedradas com acesso ao rio, outro rio, um rio com vida, um rio com esqueleto de marinheiro, em cio

O Douro?

A ponte iluminava-se, a ponte voava sobre os espaços exíguos da minha cabeça, acordava com pequenas grandes tonturas, acordava a fumar cigarros proibidos e deitava-me a fumar

Cigarros proibidos?

O Douro enerva-me, desculpem-me, mas amo a cidade do Tejo, amo a ponte, os charros que fumei enquanto choramingava... e depois caía num qualquer bar em Cais do Sodré, depois era madrugada, deambulava pelas ruas mais profundas, mais escuras, mais... mais amadas em mim, depois cambaleava, tropeçava no paralelepípedo e vomitava sons inaudíveis dos carris frios, tão frios como o teu corpo de menina enquanto descia Setembro sobre uma sombra em Trás-os-Montes, odeio-te sabendo que sou prisioneiro de ti, odeio-te sabendo que só serei livre quando

Pegar na tua mão, acariciar-la como se fosse a folha de um dos livros do António Lobo Antunes, ou um dos pares de luvas de lã que tive em miúdo, depois deixei de sentir frio porque as minhas mãos transformaram-se em rochas, pedaços de granito, eles também gélidos, eles também... sós, depois vieram os olhos verdes que a pouco e pouco ficaram sem cor, hoje são daltónicos e precisam de lentes para ler as tuas palavras das tuas cartas que eu te reenviei... e hoje, hoje sinto saudades

Da cidade do Tejo,

A ponte iluminada balançava quando o vento vinha para me levar e sempre que me preparava para partir, não partia, um carro de brincar iluminava a ruela dos candeeiros mortos, movimentava-se por quatro pilhas de um volt e meio, redopiava em círculos, usava a voz das minhas palavras na boca das outras palavras, aquelas que nunca consegui escrever, dizer amo-te é mentira, ilusão, despedida,

Saudades?

Do Tejo,

Dizer desejo-te é mentira, ilusão, despedida,

Saudades?

Do Tejo,

(dedico esta música a todos os meus amigos)

Amigos? Quais amigos... dás-te conta que não tens amigos, e que se vivesses na cidade do Tejo não tinhas um cão com catorze anos, caquéctico, rabugento... mas engraçado, porque só ele percebe porque choro, quando choro...

(qual é a frase?)

O pormenor emblemático do corpo composto por luz, pétalas encarnadas e algumas insónias margaridas, o jardim parece um monstro recheado de nozes, vozes, um monstro com olhos em xisto, socalcos, montanhas... e nas veias, o rio, a heroína em ebulição sentia-se e no tombar das árvores doidas, como sonâmbulos corpos emagrecidos havia sempre alguém que não regressava,

(ai a frase... a frase...)

O Douro?

A límpida água dos sonhos e da esperança voltam à panela de pressão e evaporam-se nas avenidas encantadas dos guindastes com braços em aço e lábios em pergaminho,

Hoje temos beijos,

(quer uma ajudinha... senhor Francisco?)

Hoje temos beijos, saudades e nada mais do que isso... e redopiava em círculos, usava a voz das minhas palavras na boca das outras palavras, aquelas que nunca consegui escrever, dizer amo-te é mentira, ilusão, despedida,

Saudades?

Do Tejo,

(diga comigo senhor Francisco... “Com os voos nocturnos da menina Amélia a sobremesa adormece sobre a mesa-de-cabeceira”)

Hoje temos beijos, saudades e nada mais do que isso... e redopiava em círculos, usava a voz das minhas palavras na boca das outras palavras, aquelas que nunca consegui escrever, dizer amo-te é mentira, ilusão, despedida,

Saudades?

Do Tejo,

E dizer amo-te é pura loucura, desilusão... sei lá que mais...

(à escolha)

E diziam-me que aqui existiam verdejantes barcos com asas em porcelana... pode lá ser...

E é, e é... é assim desde que partiste...

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 21 de Dezembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:06

28
Mar 12

Hoje, hoje o dia igual ao de ontem, hoje, hoje o dia igual ao de amanhã, e a maldita roulotte sempre inclinada no reumatismo e nas cãibras incolores, tropeça nas ondas do mar a escrivaninha suspensa no cartão de cetim, e escrevo-te acreditando que me ouves, abro a janela e grito para os barcos fantasmas que navegam no teu oceano,

- Deixei de ouvir-te Quando as gaivotas se abraçaram ao infinito da tarde, Esperava-te, Escrevia nas pálpebras o teu nome e Desenhava na minha mão o teu rosto, Deixei de ouvir-te

Olho pacientemente a escrivaninha da noite onde poisa a tua foto juntamente com o “Livro de Crónicas” de António Lobo Antunes,

- Quando as acácias partiram em direção ao mar, abro a janela e grito o teu nome incessantemente e em vão,

Deixei de ouvir-te, deixei de ler, oiço a tua voz impressa em papel mata-borrão, escrevo muito e até as árvores deixaram de ouvir-me, Deixei de ouvir-te quando as gaivotas se abraçaram ao infinito da tarde, esperava-te, escrevia nas pálpebras o teu nome e desenhava na minha mão o teu rosto

- São tristes todos os dias,

Olho-te e o “Livro de Crónicas” olha-me como se eu fosse um esqueleto com óculos escuros descendo a calçada da Ajuda e

- São tristes todos os dias, e todas as noites crescem como ervas daninhas à procura dos petroleiros embriagados, o Tejo cambaleia na sombra da tua voz,

E desço até ao fundo do poço onde um dos pedacinhos de papel mata-borrão brinca com uma abelha, tento resgatar a tua voz, não consigo, deixei

- Deixarei de ouvir-te nos algerozes quando encontrar os restantes pedacinhos de papel mata-borrão,

Hoje, hoje o dia igual ao de ontem, hoje, hoje o dia igual ao de amanhã, e a maldita roulotte sempre inclinada no reumatismo e nas cãibras incolores, ela procura a escrivaninha entre os papéis

- Deixei de ouvir-te,

Deixei de ter retrato, deixei de ler “O Livro de Crónicas”, deixei de acreditar que um dia vou encontrar todos os pedacinhos de papel mata-borrão, descem todas as estrelas até chegarem ao estômago da noite,

- Deixei de ver-te do sótão amordaçado,

São tristes todos os dias, e todas as noites crescem como ervas daninhas à procura dos petroleiros embriagados, metade de mim está sentada junto ao Padrão dos Descobrimentos a fumar haxixe e a beber cerveja, a outra metade algures num quintal debaixo das mangueiras onde o triciclo curvilíneo corre nas arcadas da espuma do mar, e todas as outras metades que sobejaram em todos os rios e em todas as cidades,

- “ O Livro de Crónicas” suspenso na minha mão, e sobre a escrivaninha o teu retrato de cabelos ao vento,

São tristes todos os dias, são tristes todos os barcos, são tristes os livros e as palavras…, e as noites crescem como ervas daninhas,

- Deixei de ouvir-te Quando as gaivotas se abraçaram

E o mar muito pequenino entrou na minha algibeira e comeu-me como se eu fosse um esqueleto com óculos escuros descendo a calçada da Ajuda.

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:13

24
Jan 12

Uma duas três… quatro gaivotas suspensas no teto da minha sala,

- O quê? Estás bêbado sussurra-me uma voz de papagaio que julgo vir do cortinado da janela da sala sem vista para o mar,

E pergunto-me o que fazem quatro gaivotas suspensas no teto da minha sala e ninguém e ninguém responde, como sempre, nunca ninguém responde às minhas inquietações,

- Precisas de um psiquiatra,

E eu preciso é de uma psicóloga que perceba

- Gaivotas Francisco?

 Que sou perfeitamente normal como os plátanos do jardim, tive sonhos, adormeço e acordo, amo,

- Ai o amor…

E fui criança e fui menino e brinquei de papagaio de papel na mão à volta das mangueiras,

Uma caixa de sapatos com paredes de vidro e uma tampa encarnada de onde descem beijos amestrados e tartarugas marrecas, ai o amor… o amor é fodido segundo Miguel Esteves Cardoso, para mim, o amor é uma caixa de sapatos cheia de neve que há muitos anos um menino parvalhão revolveu atulhar até ao teto encarnado,

- Precisas de uma psicóloga meu rapaz,

E preciso

- Gaivotas Francisco?

Preciso urgentemente de um médico legista que faça do meu corpo a praia do Mussulo, preciso urgentemente de um médico legista que desenhe barcos e petroleiros e putas em Cais de Sodré no meu corpo, preciso

- Entro no Texas e as putas amam-me Sempre me amaram as putas da noite e os paneleiros dos jardins de Belém,

Preciso Eu preciso de fazer alguma coisa para que a minha vida deixe de ser uma merda, quarenta e seis anos, desempregado, quase sem abrigo, sem futuro segundo a minha mãezinha,

- E o que será de ti desgraçado depois de eu morrer,

Entro no Texas e as putas amam-me e as putas gostam de poesia, sentava-me e fazia versos nos lábios de meninas adolescentes,

- Ai o amor…

O Miguel que é fodido e eu  uma caixa de sapatos com teto encarnado,

- E preciso urgentemente de uma psicóloga, preciso de uma psicóloga que analise os meus desenhos, E desde que uma me mandou desenhar uma árvores e como resposta e como resposta

Que eu estava apaixonado

Está loucamente apaixonado, foda-se pensei eu, o que tem o desenho de uma árvore para estar apaixonado?,

E estava e desde essa data fiquei com raiva aos psicólogos porque através de desenhos conseguem desvendar os nossos segredos,

Quatro gaivotas suspensas no teto da minha sala, Porquê Caralho?,

- O quê? Estás bêbado sussurra-me uma voz de papagaio que julgo vir do cortinado da janela da sala sem vista para o mar, e pareço a Cristina da Comissão das lágrimas de António Lobo Antunes com as malditas vozes na cabeça,

- Porquê Cristina? Questiona-me o Lobo Antunes e confesso que não sei, e confesso que nunca vivi em Luanda, e confesso que nunca vivi na Vila Alice nem no Bairro Madame Berman, tudo mentira senhor António Lobo Antunes, tudo mentira,

Tão pouco sei onde fica Angola,

- Mas estas vozes,

E preciso urgentemente de um médico legista que do meu corpo construa um papagaio de papel para brincar nos céus de Luanda,

- Porquê Cristina? Questiona-me o Lobo Antunes e confesso que não sei, Não sei… mas que estão quatro gaivotas suspensas no teto da minha sala lá isso estão,

Estás bêbado sussurra-me uma voz de papagaio que julgo vir do cortinado da janela da sala sem vista para o mar, e as putas do Texas amavam-me, e os barcos do Tejo amavam-me, e as gaivotas do Tejo amavam-me, e os paneleiros de Belém

- Verdade senhor António Lobo Antunes… por favor não me torture mais, verdade que nunca vivi em Luanda nem na Vila Alice nem no Bairro Madame Berman, juro por deus que nunca acreditei,

Que as putas do Texas me amassem, que os barcos do Tejo me amassem, que as gaivotas me amassem, porque nunca fui amado e porque nunca vivi em Luanda,

- Ai Cristina As malditas vozes,

E quer lá saber o António Lobo Antunes de um gajo que acredita que tem quatro gaivotas suspensas no teto da sala, e quer lá saber o António Lobo Antunes de um gajo que acredita ter vivido em Luanda, que diz ter brincado na Vila Alice e no Bairro Madame Berman,

. Tudo mentira Cristina, Tudo mentira,

E quer lá saber o António Lobo Antunes de um gajo que diz

- Preciso urgentemente de um médico legista,

Ter brincado no mar do Mussulo,

O Miguel que é fodido e eu que é uma caixa de sapatos com teto encarnado, e estranho, nunca perguntei ao António Lobo Antunes o que é para ele o amor…

- O que é para ti o amor Cristina O Lobo Antunes enquanto folheia a comissão das lágrimas.

Ai o amor, quarenta e seis anos, desempregado e sem futuro e uma psicóloga que afirma que eu estou loucamente apaixonado… porque desenhei a puta de uma árvores sentada no banquinho do Texas e nos lábios de adolescentes escrevi versos que nunca ninguém leu, versos que ninguém lê, e que os paneleiros dos jardins de Belém adoravam em noites de lua cheia.

O que é para ti o amor António?

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 02:53

20
Jan 12

 

 

Meu querido Luiz Pacheco,

Literalmente estou fodido, desempregado e sem subsídio algum, esforço-me e não encontro trabalho, recorri ao rendimento social de inserção e foi indeferido, pedi a isenção de pagamento de taxa moderadora e quase de certeza também vai ser indeferido, já pensei ir limpar latrinas mas devido à crise duvido que ainda exista merda para limpar porque de tanto apertarem o cinto os portugueses aos poucos deixam de defecar,

Não comem pá,

Já pensei fazer como o teu mangala que passeava pelas ruas de Braga e fazer-me à vida nos jardins de Belém mas nem para isso tenho jeito, o meu amigo doutor psiquiatra receita-me injeções e tenho de pagar um euro para me picarem o rabo,

- Pede supositórios Pá… E ainda consolas o rabinho,

Isto é se for na data marcada porque se for fora do agendamento são quatro euros,

- Estás mesmo fodido Pá,

Pois estou Meu querido,

E pronto Não sei o que fazer à puta da vida, ainda tenho os teus livros para ler e do António Lobo Antunes e do Saramago e do Cesariny e do AL Berto e do Milan Kundera e do Proust e do Gogol e do Tolstoi e do Dostoevsky, isto é, reler, porque já os li mas tal como o melhoral que nem faz bem nem faz mal, certamente voltar a lê-los também

- Tens vinte paus Pá?,

Também a noite tem algo de silencioso quando vocês entram em mim e particularmente fico fodido quando o AL Berto diz que se gritar mar em voz alta o mar entra pela janela, e abro a puta janela e o caralho do mar onde está?,

Não comem pá,

De tanto apertarem o cinto deixaram de defecar,

- Tens vinte paus Pá?,

Paus já eram e agora só existem aéreos e até ao final do mês só tenho cinquenta e cinco cêntimos,

- Essa merda dá para quê Pá?,

Para nada,

- Então estás Literalmente fodido Pá.

 

(texto de inspiração pessoal e dedicado ao Grande Luiz Pacheco; Lisboa, 7 de Maio de 1925 – Montijo, 5 de Janeiro de 2008)

 

Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:49

18
Jan 12

Sou um mendigo dos tempos modernos,

Culto e inteligente e prostituo-me intelectualmente, sento-me à mesa do café e converso de politica e converso de economia e que os mercados são uma merda e que se fodam todos, falo aos meus amigos de literatura e poesia e pintura, já fumei toda a merda que há para fumar e leio muito, e li também muita merda, e leio muito porque estupidamente o meu pai quando eu menino dizia-me que ler era muito importante, mas o meu pai esqueceu-se ou não previu a chegada do vinte e cinco de abril e que uma cambada se ia instalar pelas árvores dos jardins, meus deus, tantos macacos em tão poucas árvores, e assim atualmente não importa se li muito ou se tenho habilitações,

Importam as árvores,

Falo aos meus amigos de António Lobo Antunes, e meus deus, o que seria de mim sem os livros dele, falo aos meus amigos de Saramago Cesariny AL Berto Luís Pacheco Milan Kundera Proust Gogol Tolstoi Dostoevsky, falo aos meus amigos de literatura Cubana, e gosto e adoro, falo aos meus amigos do Big Bang e da partícula de deus e de hipercubos,

Mas continuo a ser um mendigo dos tempos modernos que pediu a isenção de taxa moderadora, um mendigo dos tempos modernos que depois da palestra tem direito a tomar café e água sem gás e um maço de cigarros, porque os meus amigos são porreiros, e é tão fácil ser prostituto intelectual,

Faço programas em folhas de cálculo e tive lições de estruturas, foi um prazer estudar aços e ligas metálicas e termodinâmica e física e matemática, mas o que eu gosto,

Mas o que eu gosto é de ser prostituto intelectual e falar aos meus amigos de literatura e falar aos meus amigos de poesia e falar aos meus amigos de pintura, escrevo umas merdas e pinto outras tantas, e leio

E leio muito,

E antes de me deitar olho-me ao espelho e do outro lado um filho da puta qualquer sorri-me e eu sorrio-lhe e pergunta-me E pergunta-me se sou feliz,

E que mais eu posso querer Respondo-lhe Eu tenho tudo,

E claro que sou feliz porque enquanto tiver livros do António Lobo Antunes para ler sou muito feliz,

Sou um mendigo dos tempos modernos, Culto e inteligente e prostituo-me intelectualmente, sento-me à mesa do café e converso de politica e converso de economia e que os mercados são uma merda e que se fodam todos,

Vou fazendo uns bicos (e o escritor alerta que bicos são pequenos trabalhos e não broches),

Tomo comprimidos para dormir receitados pelo meu amigo psiquiatra, porque sendo um mendigo profissional dos tempos modernos, tenho alguns amigos porreiros,

E vou fazendo uns bicos e confesso que sim,

Sou feliz,

Enquanto tiver livros de António Lobo Antunes para ler, muito feliz,

E que deus lhe dê muita saúde.

 

Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:03

21
Ago 11

I Ato (sentado na sanita, “Em busca do Tempo Perdido, À Sombra das Raparigas em Flor, Marcel Proust”, “ Albertina ouvia com apaixonada atenção esses pormenores de toilette, as imagens de luxo que Ester nos descrevia.”

 

E esqueço-me que estou sentado na retrete e de cigarro na mão, e nunca te disse, meu amor, mas inspiro-me sentado na sanita a fixar os azulejos com os olhos e a puxar as palavras do livro que poisa nos meus joelhos, oiço a tua finíssima voz que se agarra ao espelho da casa de banho, e quando passo em frente a ele, não consigo, meu amor, fecho os olhos e não me quero ver, estou magro, as costelas impressas no peito e a radiografia aos pulmões tudo bem, Nem parece fumador!, diz-me o doutor, outras vezes inspiro-me sentado no bidé e olho a límpida água do fundo da sanita, e acredita, meu amor, vejo o mar,

 

Chove torrencialmente, o céu ilumina-se e agora já não é a tua voz que oiço, talvez seja deus a ralhar comigo, sim, meu amor, como quando eu em criança serrava a vassoura à minha mãe para o eixo da frente do carro de rolamentos, e ela, Que fizeste, Francisco?, e às vezes o Francisco enrolado no cinto, e escondia-me debaixo da cama e fingia-me de morto, E gritava, Mãe, estou morto, e do meu corpo desengonçado cresciam as algas da primavera, da rua ouvia a voz de uma vizinha O Francisco fez asneiras, e os pregos nas tomadas, e os novelos de linha que lhe roubava da renda, e a renda suspensa dentro da cesta, e o papagaio sobre o Bairro do Hospital,

 

Mas chove tanto, meu amor, e deus, deus continua zangado comigo, berra, berra, e berra,

 

O cigarro apaga-se, fecho o livro, poiso-o sobre a máquina de lavar a roupa, limpo o rabinho, puxo as cuecas, pego numa grua e iço as calças do fundo dos tornozelos que mais parecem fios de arame, e num clique a água que se evapora do autoclismo, coisas modernas, meu amor, coisas modernas, porque quando andava na escola em frente ao jardim a casa de banho não funcionava, lá dentro cresciam silvas, Sabes o que são silvas, meu amor?, e os piquinhos prendiam-se à tenra carne esbranquiçada das nádegas, e tínhamos que defecar, de calças na mão, na vinha ao lado da escola,

 

E o vento entrava em nós,

 

II Ato (enquanto espero o telefonema dela, “Vigílias, AL Berto”,

 

“Encomenda Postal

 

Destino-te a tarefa de me sepultares

No segredo mineral da noite

Com um lápis e uma máquina fotográfica

 

Depois

”, de A noite Progride Puxada à Sirga: Sete poemas do Regresso de Lázaro, 1985)

 

Meu amor, deus cessou de ralhar comigo, ainda chove, e finalmente oiço a tua voz melódica que me faz esquecer esta caixa de sapatos onde me encontro, o júlio, Lembras-te do júlio, meu amor?, o meu amigo de infância que comigo fazia máquinas de cinema, papagaios de papel e barcos com motores de carros, Sim, meu amor, esse mesmo, sempre com um sorriso nos lábios, ontem lembrei-me dele a correr junto à seara de trigo,

 

E esta caixa de sapatos começa a inchar, a noite cai sobre mim, calca-me até eu ficar pequenino, muito pequenino, e vejo-me de mão dada com a minha mãe e a minha avó nas ruas de Luanda, e quando me perguntavam o que queria ser quando fosse grande O que queres ser quando fores grande, menino?, eu simplesmente respondia, NADA, não quero ser nada, e realizei o meu sonho, não sou nada, e se fosse hoje, hoje, meu amor, hoje gostava de ser gaivota e voar sobre o mar de Luanda,

 

E quando poisasse no chão húmido da madrugada acordava a manhã, e sacudia as nuvens do céu,

 

III Ato (a fumar um cigarro na varanda, “A ordem Natural das coisas”, António Lobo Antunes”, “Quando, depois de me prenderem, me meterem pela primeira vez na ambulância e perguntei onde íamos, responderam-me Isto é a viagem à China, rapaz,…”)

 

Esta maldita caixa de sapatos, meu amor, esta mísera caixinha minúscula onde me escondo quando passam por mim, não os olho, e finjo ser feliz, e sou feliz com o teu sorriso, e sou feliz com a tua voz e sou feliz com o teu corpo quando sais do banho e nas pequeníssimas gotinhas de água sorrisos de jacintos na tua pele,

 

Depois vem o vento e leva-nos, o mar, meu amor, o mar quando entra dentro de ti e eu com as minhas mãos escrevo nas tuas páginas de silêncio de noite, ainda chove e finalmente deus deixou definitivamente de ralhar comigo, e os teus desejos que balançam sobre as ondas do luar, pequeníssimos gemidos saltitam de dentro de ti, e o sol, do outro lado do planeta, sorri para nós,

 

E a noite se apaga nos teus olhos, deixo de ver o teu corpo, da janela chega até mim o teu perfume, e junto ao cortinado um milímetro quadrado de nada entra em nós, agarro-te e beijo-te, e sei que a noite se despede na tempestade, e deixei de ouvir a voz de deus…

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:52

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