Não faço nada... imagino que está frio,
E às vezes sinto frio de não fazer nada... e que bom, eu mergulhar no Douro lentamente como se fosse uma pétala a descer o corpo de uma mulher, uma qualquer, ou homem, um qualquer, prender-me ao fundo e esperar que a minha respiração cesse, e que da noite desçam até mim as estrelas, FIM, e no teste de História o doutor Morais com a caneta vermelha,
- FIM da brincadeira, princípio do estudo,
REPROVADO,
E ainda não é desta e desço e desço e desço até ao fundo do rio e toco e toco e toco com a mãozinha no lodo, e não e não e não cessa a minha respiração, e não e não e não estrelas vindas da noite, CONTINUAÇÃO,
Do dia de ontem igual ao dia de hoje, o mesmo sol, o mesmo calor, as mesmas nuvens e a mesma noite,
Tudo igual,
- Escreve-me um poema!,
Não e não e não, não,
O coitadinho de mim, e ela com uma pedra de gelo desde o meu pescoço até… e apanha-a com os lábios como se fosse um silêncio de nada, o coitadinho de mim suspenso na continuação do dia de ontem, e irritam-me os dias sempre iguais, nem morro nem mato nem dou seguimento à minha existência medíocre, o pacóvio adormecido nas noites milagrosas de Agosto, o vendedor de sonhos na feira da ladra,
- Baratinho só cinco euros,
Peço desculpa, onde se lê cinco euros deve ler-se mil escudos,
Embrulhados na algibeira para as noites tórridas de verão e sobre a mesa da esplanada sílabas de cerveja e vogais de tremoços, e o estômago incha, e o liquido derrama-se no escuro muro de vedação da noite, e estrelas?,
- Estrelas?, quais estrelas?,
No fundo do Douro,
Não desceram estrelas do céu, o céu não existe, o Douro não existe, as estrelas não existem, o mar não existe, e, e o poema não existe,
- O poema és tu PARVALHÃO,
Os dias embrulhados nas coxas da noite,
Da pele de silêncio as gotinhas pétalas das tuas mãos
Os sorrisos seios do teu peito
As finíssimas nuvens dos teus lábios
Na entrada húmida e cintilante boca de esmeraldas,
- Olha… passou-se,
Os dias embrulhados nas coxas da noite, CONTINUAÇÃO,
As tuas cristalinas palavras que escreves
Quando a madrugada se despede na ópera da noite
E o teu púbis mergulha no meu corpo de silício…
Do meu corpo na combustão da tua sombra,
Da pele de silêncio as gotinhas…
A mão que deixa cair-se lentamente em ti
Como se fosses um pedacinho de neve
E a minha mão aos poucos na tua solidão.
- Não faço nada... imagino que está frio,
E às vezes sinto frio de não fazer nada... e que bom,
Quando as estrelas descem até ao fundo do rio, e um corpo cessou de respirar, e que bom perceber que esse corpo não é o meu, o meu, o meu corpo pendurado no espelho do guarda-fato e batem-me à porta; vamos jantar.