Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

02
Fev 14

foto de: A&M ART and Photos

 

Círculos, círculos de ténue luz sobre os teus olhos cinzentos,

lá fora ouve-se o granizo comendo os sonhos daqueles que dormem, e saltitam sobre as nuvens de vento,

lá fora há pálpebras que choram,

automóveis que se recusam a andar,

suspendem-se nas canadianas, procuram de vez em quando uma bengala de verniz...

lá fora tudo parece ser feliz, as plantas argumentam nas palavras os distintos sons dos teus lábios,

círculos,

quadrados,

quarta-feira... a luz inverna e todos os silêncios ancorados a ti,

tu, quem és?

tu... tu o que fazes junto a mim quando me olho no espelho, quando descrevo as nódoas do meu rosto por meia dúzia de palavras, tão poucas... mínimas... que apenas pronuncio... “ausência e dor”,

e círculos..., círculos viciados em sexo e drogas, deitados na relva do pôr-do-sol,

e... e círculos, círculos de ténue luz sobre os teus olhos cinzentos.

 

 

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 2 de Janeiro de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:46

05
Jan 14

foto de: A&M ART and Photos

 

Perspectivo-me sobre a sombra lâmina do teu sorriso de gaivota sem poiso

há uma linha transversal que nos separa e aproxima

como uma fotografia sem nome na mão do louco muro em xisto

desço às fronteiriças margens do desejo

desço até que sou engolido pelo cosseno de trinta e cinco graus dos teus lábios...

desejarás-me ainda depois das equações diferenciais dormirem dentro dos quadriculados cadernos?

Invejo-te a liberdade

e os voos nocturnos quando se esquecem de ti e tu

e eu

suspensos no estendal das sílabas poéticas que o veneno da tua boca alicerçou na tempestade

há em nós uma circunferência de luz com braços de areia

húmidas todas as palavras dos anzóis do medo das sanzalas com vozes de zinco

com olhos de fome...

e chove

chove sobre o teu corpo de nylon onde se abraçam os barcos desvairados quando o vento se entranha no amor e nos transporta para o infinito

e lá ao fundo... a sombra lâmina do teu sorriso de gaivota sem poiso.

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 5 de Janeiro de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:29

02
Mar 13

Enquanto ouvir os pássaros, percebo que estou vivo, sentindo os barcos em círculos no rio dos sonhos, sim, percebo que estou a sonhar, e enquanto olho, uma cidade em voos silenciosos debaixo das pontes que ligam o amor e a paixão, sim, percebo que estou “fodido”, porque a paixão mata, mói, corrompe as mandíbulas das asas de papel, e oiço-as, a elas, e percebo, porque oiço os malditos pássaros, que estou vivo, sou um espelho insignificante, com luzes e brilhantina na cabeça, um palhaço de circo ambulante, um zumbi com cabelos soltos e mergulhados nas espinhas do amanhecer, e sim, que percebo, a paixão emagrece o céu, alimenta-se dos corpos em desejo, e depois, depois de mastigar os ossos e a carne, foge, e esconde-se no monte mais secreto do abismo; e começo a não ouvir os pássaros, e percebo que os barcos em círculos no rio dos sonhos, sim, percebo que a paixão mata, como matam as balas da solidão, quando embatem contra o peito da paixão...

Para que servem os meus poemas se as tua mãos de papiro ardem no silêncio da noite recheada por uma longínqua, fria, inteligente, capaz de absorver-te como as tuas algas que utilizavas nas tuas débeis pesquisas, acabavas de te apaixonar pelo mar, e já trazias os rios num dos bolsos do teu bibe, e dançavas, quando o vento soprava do Sul, uma bandeira flutuava, dizia-se livre, liberta-me

E tu

Que fizeste concretamente?

Deixaste-me acorrentado a um cais mórbido, ensanguentado por palavras que ninguém percebia, porque era a nossa linguagem, eram as nossas palavras, como o fumo

E

E tu

Lembravas-me o vento quando eu sobrevoava as tendas de lona das casas sem literatura, e que fizeste concretamente? Nada,

Nada,

Como sempre, eu, tu, dois veleiros num cais de cimento com luzinhas que ao longe se transformavam em pontinhos, em círculos, em

Em

E tu

Que fizeste concretamente?

Enquanto ouvir os pássaros, percebo que estou vivo, sentindo os barcos em círculos no rio dos sonhos, sim, percebo que estou a sonhar, e enquanto olho, uma cidade em voos silenciosos debaixo das pontes que ligam o amor e a paixão, sim, percebo que estou “fodido”, porque a paixão mata, mói, corrompe as mandíbulas das asas de papel, e oiço-as, a elas, e percebo, porque oiço os malditos pássaros, que estou vivo, que precisamos de gritar, amar, morrer, que enquanto ouvirmos os pássaros, percebemos que estamos vivos, sentindo os barcos em círculos no rio dos sonhos, sim, percebemos que estamos a sonhar, e enquanto olhemos, uma cidade em voos silenciosos debaixo das pontes que ligam o amor e a paixão, sim, percebemos que estamos “fodidos”, porque

A paixão matou-nos, porque o amor, também ele, numa noite de inverno, assassinou-nos, e ficamos sós, abraçados, como duas gotas de água suspensas num arame de vidro..., e no entanto

Em

E tu

Que fizeste concretamente?

As tuas tristes algas sobreviveram à tempestade de areia, talvez, hoje, Sábado de Março, vivam dentro de uma parede de xisto, com janelas para o rio Douro, talvez, hoje, Sábado de Março, as tuas tristes algas, algumas, não todas, mortas, como nós, como eles, e todas as palavras que escrevemos sentados num triste banco de jardim com ripas de madeira e mãos de alecrim, o cheiro, sentíamos o cheiro das palavras que deixamos morrer, e matamos

As palavras;

(amor, amo-te, paixão, desejo, beijos, carícia, abraço)

E tantas outras que matamos, como matamos os pássaros,

Enquanto ouvir os pássaros, percebo que estou vivo, e como não os oiço, percebo, entendo, pressinto

Que morri,

Ou

Que as tuas tristes algas... mentiam-nos, quando acordávamos pela manhã e depois de abrirmos a janela, ao longe, ao longe uma ponte de aço acenava-nos, ao longe, uma ponte de aço gritava-nos

Amava-vos, mas deixei de olhar o sol e o mar transformou-se na face de um cubo pintada de azul, e quase sempre estávamos de olhos vendados, como todas as rochas dos rios com algas mentirosas...

(Lembravas-me o vento quando eu sobrevoava as tendas de lona das casas sem literatura, e que fizeste concretamente? Nada,

Nada,

Como sempre, eu, tu, dois veleiros num cais de cimento com luzinhas que ao longe se transformavam em pontinhos, em círculos, em

Em

E tu

Que fizeste concretamente?)

E nunca mais tivemos sossego como o homem com cabeça de palha.

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

 

P.S.

Tinhas nos seios as sílabas que construíam as palavras mais belas do planalto onde habitávamos e nos escondíamos, tinhas no peito uma janela onde vivia um coração, e dessa janela, víamos os triângulos de areia que Deus deixava sobre as plantas carnívoras que brincavam no nosso quintal de cartolina e lápis de cor, e mesmo assim, que tudo tínhamos, deixamos morrer as palavras mais importantes de nós; E hoje, Sábado de Março, apenas comunicamos através de números e equações matemáticas complexas, feias e distantes...

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:37

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