Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

25
Dez 12

Sentia-me confusa, tremiam-me as pernas, dos braços, meus, claro, um pedaço de raiva remexia-se convulsivamente, e olhavam-me pelo interior dos cortinados de noite, que forçosamente cerravam as janelas do castelo da senhora dos grandes milagres, onde, desde que me recordo, vivi, cresci às mãos de uma religiosa meio louca, surda, que tinha alguns tiques, um deles, enquanto falava comigo, metia as mãos nos bolsos do meu hábito encarnado com listras azuis, e quando me apercebia, já alguns do objectos que eu transportava jaziam nas mãos dela,

 

Desculpa-me minha filha, mas faço-o sem perceber,

 

Usava um lenço de papel pardo ao pescoço, fumava às escondidas, e tenho uma leve sensação que gostava de mim, não o gostar como quem gosta de uma filha, gostava no outro sentido, quando pela noite, descia a Almirante Reis e numa das pensões de hora e meia, entrava, despia-se, e no silêncio da noite convulsivamente, construía barcos de madeira prensada que posteriormente um velho marinheiro utilizava quando ia em sonhos até alto mar e cismava que tinha pescado uma menina loira com olhos verdes,

 

Tinha um amante o teu pai,

 

Fui literalmente pescada por um marinheiro em alto mar, numa noite de tempestade e no intervalo de puxarem as redes e de ele atafulhar o cachimbo de prata com ópio, e enquanto acendia, e enquanto não acendia, e apagava-se, e novamente acendia, o adjunto do mestre foi içando as redes, até que

 

Comandante, comandante, temos um grave problema, e enquanto ouvia o adjunto pensei logo que tivesse sido o Francisco que caísse à água, pois quase sempre andava embriagado, gritei, O que foi adjunto?

 

Um amante?

 

Temos na rede uma menina loira com olhos verdes, pensei, Está ele também bêbado, maldito vinho..., e olhei

 

E não queria acreditar, pensei que fosse do ópio, mas percebi que não, era mesmo uma linda menina, raios, e agora? Que vão dizer os meus amigos? Que fosse do ópio, não, era mesmo uma linda

 

Tinha um amante o meu pai?

 

Que era pintor e usava sandálias de couro e vestia calções com mesquinhas letras transversais, e lia Proust, e nunca

 

Lhe perguntei o significado do amor, sentia-me confusa, tremiam-me as pernas, dos braços, meus, claro, um pedaço de raiva remexia-se convulsivamente, e olhavam-me pelo interior dos cortinados de noite, que forçosamente cerravam as janelas do castelo da senhora dos grandes milagres, a irmã Margarida, pede um desejo

 

E eu sem hesitar, abraçar o meu pai, tocar-lhe no cabelo indefeso que a própria idade lhe desenhou na cabeça, pegar-lhe na mão, sentir o cheiro

 

Do cachimbo do teu pai adoptivo?

 

Que era pintor e usava sandálias de couro e vestia calções com mesquinhas letras transversais, e lia Proust, e nunca

 

Tinha um amante o meu pai?

 

E nunca me desejou

 

Até que o mar me levou.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:53

10
Fev 12

Há um cachimbo que chora

Há silêncio misturado no fumo

Do cachimbo que chora,

 

Batem à porta

E sei que é o mar para entrar

E o cachimbo que chora

Nas minhas mãos a chorar,

 

Há um homem só

Que conversa com o cachimbo que chora

Com o mar à espera para entrar

Há silêncio misturado no fumo

Quando as palavras desgovernadas

Rompem noite dentro

Como se fossem um cortinado pendurado na garganta do cachimbo…

Sem janela

Envelhece o homem só,

 

Há um cachimbo que chora

Há silêncio misturado no fumo

Do cachimbo que chora,

 

E tal como os sonhos

Como o amor

Há silêncio misturado no fumo

Do cachimbo que chora e tem dor,

 

Sou o homem só

Que conversa com o cachimbo que chora,

 

E o mar à minha espera

E a espuma do mar dentro da boca do cachimbo…

Há um homem que chora

Agarrado a um cachimbo só

Há silêncio misturado no fumo

E sei que é o mar para entrar.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:40

12
Nov 11

 

 

O prazer,

Saborear o cachimbo de uma manhã de outono, e cruzar os braços, e não fazer nada, rigorosamente nada.

Não pensar, porque se penso, porque se penso lá se vai o prazer,

O prazer,

Saborear o cachimbo de uma manhã de outono, e hoje é sábado, e não vou pensar, porque se penso, lá se vai o prazer.

E dos poucos prazeres que tenho na vida é o prazer de sentir o cachimbo de uma manhã de outono e olhar pela janela o mar,

E o mar enrodilha-se nos meus lábios, e o mar mistura-se no fumo do meu cachimbo… e desaparecemos dentro da manhã de outono,

O prazer cerra os olhos, o cachimbo da manhã de outono longe e muito longe, e eu de braços cruzados não penso em nada,

Porque se penso, porque se penso lá se vai o prazer.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:09

24
Out 11

O silêncio inconfundível do meu cachimbo

Quando a tarde se esconde nas nuvens de algodão

E em pedacinhos de nada

Desce a noite à minha mão,

 

Abraço-me aos sorrisos do fumo dilacerante

Que se entranha nas minhas veias como um rio rebelde

Ausente

Que corre em direção ao mar,

 

Sento-me junto ao rio que corre em mim

E olho-o a extinguir-se na noite – O meu cachimbo –

O fumo em milhões de cores nos lábios do pôr-do-sol…

E à lua se abraça o silêncio do meu cachimbo.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:31

31
Mar 11

Sentado

À direita de um cachimbo

De água, (que sobre a minha secretária

Adormece, sonha e alimenta-se

Das minhas lágrimas nocturnas…)

Eu, senhor do infinitamente só,

Só nas noites de inverno,

Só para os amigos,

 

Eu… ser nada ninguém,

 

Sentado

Dispersamente na tua sombra

Que no delírio da madrugada,

Também ela só,

Também ela infinitamente só…

Se despede de mim!

 

E num jardim de lírios

Os nossos delírios…

 

As nossas mãos

Separadas pela escuridão do teu olhar,

O teu olhar que me deseja,

E me aprisiona às tarde de inverno,

A tua boca, um inferno,

Um silêncio de medo…

 

Eu… ser nada ninguém,

Infinitamente só,

Só para os amigos;

 

Sentado

À direita de um cachimbo de água!

 

 

Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:48

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