Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

24
Ago 12

Absorto o meu corpo

às árvores sem dentes

na boca um poema morto

nas mãos o perfume das madrugadas ausentes

 

(escrevem-me sem palavras

textos nas pálpebras da noite)

 

e oiço a voz do medo

dentro do guarda-fato

o meu corpo

absorto

amanhã cedo

cansado e farto

 

Absorto o meu corpo

às árvores sem dentes

morto

 

absorto

os pássaros disfarçados de barcos amargurados

suspensos nas nuvens do Tejo

morto

o meu cadáver em linha recta

duas linhas rectas paralelas

passeando pelas ruas de Lisboa

o infinito

os bares onde gajas boas

dormiam e fingiam orgasmos sobre as mesas de cabeceira

entre Cais de Sodré

e a Ajuda

 

ajuda coisa nenhuma

apenas um empecilho na algibeira

e meia torrada ao pequeno almoço

sem jeito

eu

morto

absorto

no declínio do amanhecer...

 

(poema não revisto)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:14

31
Mar 12

Uma abelha enormeeee poisada na lombada dos meus livros,

- E se a porta sempre cerrada, e se a janela sempre cerrada,

Uma abelha enormeeee disfarçada de palavras, deus travestido de abelha aos encontrões nos murmúrios da insónia, Será deus a testar o meu ateísmo?,

- E sabes… Não tenho coragem de a assassinar, e bastava lançar um simples cachimbo, e zás, deus, ou a abelha, quem quer que seja, tomba no silêncio cansado do fumo do meu cigarro,

(não devias fumar Meu filho)

E tanta coisa que eu não

- Não devia estar desempregado e estou, não devia escrever e escrevo, e se algum dia o cancro me visitar tratá-lo-ei como trato todas as pessoas que me procuram, com afeto, com carinho, ser simpático,

E fiz, e fui, e tanta coisa que eu não consigo perceber, não consegui entender a sombra das mangueiras, nunca percebi porque calcei o primeiro par de botas aos seis anos,

- E tão pesadas Meu filho,

Mãe O que são botas?,

- Não sei meu filho Eu e o teu pai nunca votamos na vida, alguém não deixa,

E tão pesadas, enormeeess como as âncoras dos navios estacionados no porto de Luanda, e eu Mãe, e eu também nunca calcei um par de botas, e os pés inchavam, e nas mãos as frieiras das manhãs de inverno, e sinto saudades das sandálias e dos calções,

- Não devias fumar Meu filho,

Semeavas no rosto um sorriso de primavera, Belém acordava junto ao rio, e nunca soube quem eras, via-te passar nas sombras do Texas, e eu olhava o teto, abelhas e travestis de mão dada alimentavam-se da seiva esbranquiçada da noite, e quando acordava sentia o mar dentro de mim, eu

- Um cacilheiro em círculos nas mãos da Marilú, um cacilheiro em círculos nas mãos da Gisela, eu em viagens pelo Tejo até me cansar,

Eu simplesmente impávido às cores da abelha vestida com silêncios e orgasmos de noite,

(escrevem no Google “Orgasmos Intensos” e poisam no meu blog)

Como se o meu blog fosse uma puta a fingir orgasmos entre copos e charros, como se o meu blog fosse um par de botas calçados pela primeira vez aos seis anos de idade,

- Semeavas no rosto um sorriso de primavera

(e o meu blog é uma puta séria, coletada e sindicalizada, e descansa ao domingo)

Via-te passar entre os carris que acordavam em Cais de Sodré e adormeciam em Belém, junto ao rio, não devia estar desempregado e estou, não devia escrever e escrevo, e se algum dia o cancro me visitar tratá-lo-ei como trato todas as pessoas que me procuram, com afeto, com carinho, ser simpático,

(escrevem no Google “Bares de Engate em Lisboa” e poisam no meu blog)

Como se o meu blog fosse um estabelecimento comercial, como se o meu blog fosse um corrupio de sexos pendurados nas janelas da lua,

E fiquei sem perceber se ele ou ela queriam engatar ou serem engatados, e fiquei sem perceber a sombra das mangueiras, e fiquei sem perceber porque calcei o primeiro par de botas aos seis anos,

Via-te passar,

- Não devias fumar Meu filho,

E fumo até me cansar como me cansei de andar vestido de cacilheiro em círculos no Tejo.

(Ganhei coragem e matei a abelha…)

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:25

14
Mar 12

Quem sou,

Das mãos mergulhadas em mim sorri a claraboia da solidão, o cais emagrece no final de tarde, das mãos mergulhadas em mim os teus lábios embebidos nas lágrimas do paquete de partida para Lisboa, a cidade afunda-se nas mãos mergulhadas em mim, a cidade aos poucos longe e desaparece entre as palmeiras,

É noite

- Quem sou?

Na algibeira dos sonhos, é noite no sorriso das árvores, é noite

- Quem sou Mãos mergulhadas em ti quando poisas as pétalas dos teus olhos nos meus lábios, Quem sou,

É noite dentro da alvorada sem janelas para o mar, e ao longe engasga-se o rabugento paquete cansado de navegar,

- Detesto os teus versos, detesto as tuas palavras e todas as merdas que desenhas, Quem és?, uma fogueira que se alimenta de papéis e palavras e riscos e cores e de nada…

Um cachimbo de água entalado nas coxas da noite

- Talvez,

É isso que sou, um misero cachimbo de água comprado a um Marroquino abraçado às nádegas cinzentas da maré, Cais de Sodré, Cais de Sodré tem os seus encantos, e quando me sentava

- Pagas um copo Riqueza?

As meninas vestidas de algodão doce pareciam gotinhas de saliva, e eu, e eu quem sou?, e eu apenas procurava o silêncio, e eu não queria engatar nem ser engatado,

- Um cachimbo de água entalado nas coxas da noite e das mãos mergulhadas em mim sorri a claraboia da solidão, e quando me sentava sentia o meu corpo voar sobre a escuridão do Tejo,

Cais de Sodré tem os seus encantos, e eu perdia-me nos cigarros antes de descer ao poço do inferno, ziguezagueando subia a calçada em sílabas embriagadas, sentia que me seguiam, ouvia-lhe os gemidos,

- Pagas um copo Riqueza?

E que não Respondia-lhe a algibeira dos sonhos.

 

(texto de ficção)

Obrigado

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:21

16
Nov 11

Do silêncio amargo da tarde

Voos de gaivota poisam nos meus olhos

E trazem-me o mar

Do silêncio amargo

A pluma de um relógio

Que corre sobre a sombra de uma cabeleira postiça

 

O travesti sorri

E atravessa desequilibradamente as janelas do rio

O comboio para Cascais encalhado em Cais de Sodré

E o trasvesti sorri

No silêncio amargo da tarde

Como um parvo

 

Igual a mim

Que olha pelas janelas do rio

E sorri

No silêncio amargo da tarde

O travesti e eu e a tarde…

E trazem-me o mar

 

E trazem-me o mar

Voos de gaivota poisam nos meus olhos

E que difícil olhar o rio quando o rio dorme

Enrolado nos lençóis emagrecidos da madrugada

E o travesti encosta-se às janelas do rio

Onde eu fumo cigarros desordenadamente

 

E o comboio começa a crescer e desaparece em Cais de Sodré.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:42

30
Out 11

“Da vida nada espero,

Querem que eu seja um boneco de palha com cabeça de abobora, querem que eu seja um roberto, um fantoche, um palhaço,

Vejam senhores; queriam que eu fosse um travesti e vivesse nas catacumbas de Cais de Sodré”,

E foram estas as últimas palavras que ouvi da boca do senhor de avançada idade e que acabava de finar-se nos meus braços curvados devido à sombra do candeeiro que na rua atrapalhava o andamento dos peões, e aos mais distraídos o choque iminente, truz, a chapa platinada da cabeça amachucada contra o poeste de iluminação,

- Vê por onde andas seu palerma,

Pediu-me um cigarro, e enquanto desço a mão à algibeira e procuro os cigarros e tiro os cigarros e o isqueiro,

Fechou os olhos hermeticamente e com os cortinados da vida cerrados começou a voar, atravessa o rio e perdeu-se nos céus de Almada,

E ainda oiço os murmúrios nada simpáticos do velhote,

- O que faz com que um palhaço mande plantar um poste de iluminação no centro do passeio que serve exclusivamente para os peões?,

Talvez porque é estético respondo-lhe eu,

- Talvez por ser estético,

“Da vida nada espero,

Querem que eu seja um boneco de palha com cabeça de abobora, querem que eu seja um roberto, um fantoche, um palhaço,

Vejam senhores; queriam que eu fosse um travesti e vivesse nas catacumbas de Cais de Sodré”,

E o rio dançava entre as acácias da noite, e quando introduzo os cigarros e o isqueiro na algibeira vejo o velhote com uma minissaia encarnada, saltos altos e os seios de silicone pendurados ao peito, e fumava e caminhava às voltas do Cristo Rei,

- Querem que eu seja um boneco de palha com cabeça de abobora, querem que eu seja um roberto, um fantoche, um palhaço,

Da vida nada espero. Sentar-me junto ao tejo e contar as gaivotas de sorrisos amarelo…

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:56

27
Set 11

Traz o vento o beijo invisível aos lábios da princesa, e no castelo adormecido sobre as acácias o meu irmão João enrolado nas manhãs submersas na espuma da solidão,

Caiem pedras sobre o rio,

E a princesa descalça tropeça nas pedras que caiem sobre o rio,

 

- O meu corpo deseja-se e ausenta-se quando me aproximo das árvores do jardim as pequeníssimas silabas que a princesa deixava cair sobre a areia húmida da noite, e um dia sentei-me sobre as sombras que corriam nos carris com destino a Cais de Sodré, e antes de chegar ao fim do meu trajeto olhei o rio, olhei-o como quando se olha um desejo escondido numa ruela adormecida, e ouvi a voz do rio emaranhada em amêndoas com chocolate, o meu pai pegava-me na mão e procurava na algibeira os cigarros que tinha deixado adormecer no domingo passado, eles cansados, acendia-os e eles recusavam-se a caminhar à nossa beira,

 

E baixavam os braços,

 

Quando o castelo começava a acordar e as janelas se abriam para deixar entrar o vento que trazia os beijos invisíveis da princesa e já em pleno corredor brincavam com os sorrisos dos cortinados e se abraçavam à claridade minúscula que se erguia junto ao pavimento,

 

- E baixavam os braços,

 

E se abraçavam à claridade minúscula que todas as noites o soalho guardava na mão misera quando no mar o enforcado debatia-se com a maré e a ausência do vento,

 

- E sem vento não beijos invisíveis,

 

O meu irmão João que brincava nos altíssimos ramos da acácia frente ao mar, e que corria, e que saltava, e que um dia experimentou a lei da gravidade, e sem gravidade desenhou arranhões nos braços e nas pernas,

 

- E baixavam os braços e entravam beijos invisíveis pelas janelas, os cortinados baloiçavam como crianças escondidas nos quintais de Luanda, as mangueiras deitavam-se no chão emagrecido e as andorinhas à procura de vogais e frases e restos de poemas,

 

Numa ruela adormecida, a calçada nos enjoos da manhã depois de uma noite de embriaguez à procura de vogais e frases e restos de poemas, e o meu irmão João de braços cruzados a sentir o mar a entrar-lhe dentro do corpo,

 

- Sai daí João,

 

Não, e não saio,

 

E baixavam os braços na magreza do enforcado, e que não saio berrava o meu irmão, e quero o mar dentro de mim,

 

- O meu corpo deseja-se e ausenta-se quando me aproximo das árvores do jardim as pequeníssimas silabas,

 

E que não saio,

 

Das pequeníssimas silabas o vento que traz os beijos invisíveis da princesa,

 

- E que não saio,

 

E que quero o mar dentro de mim, quando a sombra que corria nos carris chegava a Cais de Sodré saía da estação e escondia-se debaixo da rampa na companhia de homens vestidos de mulher, e de mulheres pensando que eram homens,

 

- E que não saio,

 

E de mulheres pensando que eram homens e que eram mulheres de garganta aberta e nos dentes as vogais as frases e restos de poemas, e cansaços da vida,

 

- E que não saio,

 

Que as andorinhas procuravam junto ao mar.

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:48

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