Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

19
Jul 15

Nunca soube quem eras, pertencias às tardes de espuma que brincavam no meu imaginado Oceano, a planície recheada de sombras e infindáveis gritos de geada contra os pinheiros em cartão, os corpos suspensos numa corda invisível, triste, nunca soube porque pertencias às fotografias poeirentas quando regressava o sonho, embrulhavas-te nos finos silêncios da vida, desenhavas a dor no esquecimento da alegria,

- A vida é uma corrente em aço sonolento, dizias-me enquanto eu lia AL Berto, pensava que me mentias apenas para me confortares, admiro a força das tuas palavras, as esplanadas junto ao Tejo, e eu

Mentia-te como te minto neste momento, sei que não acreditas em mim nem nos meus barcos embalsamados, querias a noite, e eu

- Desenhava a noite no teu peito,

Fugias de mim,

Acreditavas nas cidades incógnitas, não dormias porque não sabias se eu acordaria mais, acordei, chorei, amei, e caguei nas tuas mãos,

Fugias de mim, meu amor,

A noite levava-te para outro continente, vestias-te de chuva, na cabeça o sorriso da pura inocência que a madrugada deixava em ti, desenhavas a noite no meu peito, saltitavas nos meus lábios cerâmicos, enquanto te escrevo oiço o poema de AL Berto dedicado a Cesariny, “tão triste,

Mário!”,

- Tão triste esta alvorada sem identificação, e novamente, tu, a vida é uma corrente em aço sonolento, uma gaivota, um pedaço de maré assassinada pela ausência, a partida, sempre sem regresso, sempre tão simpática…

Boa noite…

- A vida…

Pode ser, qualquer coisa que me faça esquecer os dias, as noites e as máscaras do meu rosto.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 19 de Julho de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:02

05
Abr 15

Desce a noite pelos teus ombros de silício

Percebo na tua voz

O silêncio poema da paixão

O falso livro

Embrulhando-se nos teus seios

Em prata

A sombra

O prateado fugitivo

Descansando o olhar numa livraria

Livros

AL Berto

Lobo Antunes

 

Saramago

Pacheco

Livros

Estórias

Cesariny

A sombra

Lapidando o teu corpo

Oceano de palavras

Mergulhadas no teu púbis

A madrugada

Livros

Perdidos

 

E achados

O amor

Meu amor

O significado verdadeiro da saudade

Nos dardos envenenados da solidão

A fala

Não

A sanzala mergulhada em lágrimas de cartão

O vento trazendo as coxas do capim

Oiço-a enquanto durmo

Os seios minúsculos

Masturbados na poesia nocturna da alegria

 

A noite

Não

A fala

Os lábios incinerados na lareira do prazer

O suor alicerçado à tua pele

A húmida vagina em imagens tridimensionais

O PET

O maldito PET

O juízo

A mentira

A insónia

Novamente

 

Triste

As ruas do teu sofrimento

A lotaria da vida

Morres

Não morres

Vives

Em mim

Meu amor

Vives nas minhas veias semeadas de tempestade

A saudade

Novamente

 

No meu corpo

O pénis encarcerado numa estrofe

O enjoo da solidão

Quando à nossa volta gravitam

Sombras…!

A penumbra tarde de Novembro

Nas janelas do Hotel da Torre

Belém

A vagina procurando cacilheiros de luz

Um cigarro

Dentro de mim

Aso beijos

 

E eu sabia que a carta

Sem destino

Morreu

O amor das sílabas encarnadas…

Travestis amigos numa mesa

A vertigem do amanhecer

Acariciando pássaros e cavernas de medo

Não tenho morada

Cidade

Casa

Rua…

Mas tenho um poema para ti meu amor.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 5 de Abril de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:32

03
Jun 14

Eras o meu poema,

vestias calças negras,

sorrias enquanto eu te olhava,

silenciavas-te enquanto eu sonhava,

 

Cerravas as pálpebras, e voavas,

 

Trazias na algibeira das calças negras apenas algumas vogais e umas tristes sílabas,

conversávamos e não conversávamos...

e éramos absorvidos pelo Luar,

 

Regressava o vazio,

a dor,

e do sofrimento havia sempre luz com braços de Várzea,

acenavas-me, e eu nada fazia, e deixa-me adormecer,

gritavas pela noite, e tínhamos a noite,

nas tuas calças negras,

a penumbra,

e sombrias palavras,

como o coração de um condenado à poesia,

queria ser astronauta, e fiquei-me por um simples aprendiz de feitiçaria,

que hoje recorda os barcos do Tejo e uma Lisboa adormecida,

e um magala procurando engate...

 

O comboio soluçava quando ouvíamos (Belém!!!!!!!!!!!!!!)

acordávamos,

e sonolentos... aportávamos no primeiro bar do amanhecer,

 

(Eras o meu poema,

vestias calças negras,

sorrias enquanto eu te olhava,

silenciavas-te enquanto eu sonhava),

 

Eras o meu poema,

a sinfonia abstracta que invadia a nossa janela de cristal...

Líamos AL Berto, Cesariny e abraçávamos-nos como duas gaivotas loucas,

encalhadas num velho Cacilheiro,

eras o meu poema,

eras a minha viagem,

balançava o cortinado de papel,

víamos o mar a dançar no tecto da alvorada,

respirávamos, não respirávamos...

(O comboio soluçava quando ouvíamos (Belém!!!!!!!!!!!!!!)

acordávamos,

e sonolentos... aportávamos no primeiro bar do amanhecer),

e havia sempre um velho esqueleto à minha espera,

descia a velha escadaria, e,

- Tem um cigarrinho? E fumávamos até deixar de ser manhã...

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 3 de Junho de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:08

09
Abr 14

A correspondência pesadíssima balançava no meu braço esquerdo, de mão amachucada dentro da algibeira, procurava cigarros com sabor a saudade, o carteiro nem tinha começado o giro e já se encontrava cansado, sonolento, e o carteiro... eu mesmo, disfarçado de andaime ambulante e despropositadamente peguei num subscrito, apenas porque chamou-me a atenção a quantidade de selos e os desenhos dos mesmos, deslumbrantes como as planícies iluminadas das ruas embriagadas de uma cidade em construção,

Deve vir de longe, pensei,

E eu, eu ali, suspenso entre o olhar obtuso e a penumbra neblina do fumo do meu pobre cigarro, comecei a manuseá-lo como se fosse o rosto de alguém desconhecido, alguém que pela primeira vez tocava nas minhas mãos, senti um leve arrepio e sou embrulhado em palavras, confesso, palavras que nunca na minha vida de carteiro tinha encontrado, tocado..., ou, tocar toquei..., mas apenas nos selos, e por alguns minutos,

Acariciado?

Isso, acariciado, isso, acariciei,

E repentinamente sou invadido por pequeníssimos sons metálicos, e



“Canadá, 09/04/2014

Meu querido,

Devido às circunstâncias que tu já conheces, fui obrigado a ausentar-me desse País e da tua vida, não sei se o fiz de livre vontade, não sei se o devia ter feito, mas..., e fi-lo acreditando que me libertava da tua voz, não o consegui e ela permanece entranhada no meu corpo esguio de árvore caduca, e não estou arrependido, não, não estou arrependido,”

Entre o silêncio sinto a dor que o meu cigarro provocava nos meus dedos e o cheiro a pele queimada, sentia-me tão embalsamado pelas palavras que me embrulhavam que acabei por esquecer-me que estava a fumar e que o diabo do cigarro tinha acabado de morrer, a morte, sempre a morte dos cigarros, essa sim, o medo que me atormenta, quando vejo e sinto a morte de um, seja um só ou vinte, ou trinta...,

E voltava a sentir no meu esqueleto as tais palavras que eu nunca duvidei que vinham do subscrito que poisava na minha mão,

“Ontem estive a reler as nossas cartas, tanto tempo passou entre as equações dos nossos corpos na ardósia de um velho divã e o sentido poético dos teus dedos, lembras-te quando lias para mim AL Berto?, lembras-te quando lias para mim Cesariny?, ontem percebi que as Acácias deixaram de sorrir quando entraste naquela ruela sem janelas, e tu, e tu nunca mais regressaste, e tu”

Possa... que não entendo nada disto!,

“E tu começaste a ter asas, a sair de casa manhã cedo, e às vezes, nem regressavas no final da tarde, e eu sentia que te perdia como o marinheiro sabe quando a sua embarcação está prestes a afundar-se... e pluf, novamente silêncio, e pluf, novamente Primavera,

E pluf, entravas casa adentro e com o teu sorriso de solidão dizias-me

Olá amor!,

E hoje enquanto relei-o as nossas cartas, algumas delas parecem os cigarros do carteiro aí da tua rua, cartas mortas, descoloridas, e os corações desenhos por mim..., não corações, desapareceram como desapareceu o cinzeiro de prata que levaste para vender e em troca

Pluf,

Mais um regresso adiado, e eu, eu acreditava sempre, sempre,”

Procuro outro cigarro, sinto frio e percebo que alguma coisa não está correcta, aquelas palavras e aqueles sons metálicos deixavam-me totalmente desnorteado, tremia, ressacava, e no entanto, e no entanto conhecia aquela voz que vinha da escuridão,

“Meu querido, espero que entendas a minha ausência, espero...”

Deixei de ouvir a voz e cada vez menos chegavam a mim os metálicos sons, até que

“Despeço-me com saudade,

Sempre,

Alberto”

Volto a colocar o subscrito na sacola e começo a caminhar para a primeira casa da rua, a Dona Joana esperava a carta da filha que tinha partido para Lisboa, ainda menina, ainda inocente,

E uma luz preenche as minhas pálpebras de verniz, os meus olhos pareciam cortinados negros sem vontade de correrem em direcção ao cais dos cigarros mortos, aos poucos, muito devagar... vou-os abrindo como quem abre pela primeira vez uma porta de entrada de uma casa descolorida e percebi, e percebi que tinha sonhado,

E percebi que não havia carteiro nenhum e percebi que nunca existiu subscrito nenhum, e tão pouco conheço alguém que viva no Canadá...

Corro para o banho e depois de alguns minutos a sacudir as palavras do subscrito..., percebi que nem da cama ainda tinha saído.





Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 9 de Março de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:34

02
Abr 13

foto: A&M ART and Photos

 

A demolição do meu corpo dentro do cubo de silêncio que as andorinhas constroem nas triangulares janelas da casa dos fantasmas-sombra que desde a infância vivem no quarto ao fundo do corredor, sem portas, o tecto descia até não caberem mais os medos entre o pavimento e o candeeiro retrovisor do quarto das traseiras,

Chamavas-me durante a noite para beber o leite, eu recusava-me a acordar, eu recusava-me a abrir a boca, ele recusava-se a levitar sobre o jardim das flores de corpo-doirado, durante o processo de construção, levantava-me pensando que não me levantava, por exemplo, quando hoje estava a ouvir a Antena 3 e repentinamente, entra-me no ouvido a Radio Regional de Resende, confesso, por ignorância, desconhecia a sua existência, É para dedicar? Sim, para o primo Francisco, Para o Pai Francisco, e Para o avô Francisco, E o tema... “O Malhão do Beijo – Zé Amaro”, e eu

(sabia lá quem era o Zé Amaro...)

E ainda agora desconheço a quem pertencem os pássaros que não cessam de refilar, refilam, refilam, e eu

(penso)

Será uma reunião sindical? Será uma manifestação? Não percebo, não entendo porque berram estes malditos pássaros que vivem nas árvores do jardim emprestado onde habito... sem bancos de madeira...

(dedico a todos)

A prisão do nobre silêncio às algemas dos fios de cobre que o sucateiro da esquina derreteu depois do dependurado João & João ter fanado do monte dos arbustos bravos, o telefone silenciou-se, e todos os sorrisos das câmara de vídeo perderam-se nas conferências de parvos a venderem pipocas na praça, melhor dizendo, junto aos Paços do Concelho, de meia-calça, sapato alto, e brincos de prata nas orelhas furadas como o crivo do passe-vite herdado da avó Silvina, e confesso-lhe querida senhora, ver não vi, mas pareceu-me que do outro lado da rua um senhor fugiu com um dos candeeiros de jardim estacionado junto ao largo onde passeiam elas, e mão dada, como andorinhas de Primavera,

(dedico ao meu pai, dedico à minha tia, e a todos os Membros do Governo, e já agora, para todos os desempregados...)

É tudo? Falta a frase... Pois carago... a frase... “Passos, Passos, é no sucateiro dos abraços” desde 1756, E a música? “O Malhão do Beijo – Zé Amaro”,

Muito obrigado e uma excelente tarde,

(excelente tarde, só se for para ti)

A prisão, os fios de cobre a saltarem de mão em mão, e uma Polícia Política de espada na mão à procura de palavras e canções, de textos e gravatas, palavras, paralelepípedos recheados com os olhares da calçada do João & João, rapazola sabichão, salteador de amêndoas depois de levantar voo a Páscoa

(Aleluia, Aleluia, Aleluia)

Invoquem o artigo 21 da constituição, façam-no, não tenham medo, pior do que isso é a fome e a miséria,

E agora, depois de se erguer e dirigir-se para outras paragens, resta-nos os buracos das estradas mal alcatroadas, que brevemente vão ser devidamente tapados, pois este é ano de eleições Autárquicas, e eu, pergunto-vos, Porquê?

Se eu estava descansadinho a ouvir a Antena 3, tinha não mão o livro de poemas de AL Berto “Vigílias” e entra-me casa adentro o “Malhão do Beijo – Zé Amaro”, sem que alguém tenha mexido no radio, sem que uma única alma, que eu saiba, estivesse ao meu lado, e o estupor do radio vai até Resende, veja vossemecê, Resende, ao menos ficava-se por Carrazeda de Ansiães, ou por Vila Real, ou... pelos Paços do Concelho, mas não, quis o destino que hoje eu, sem perceber porquê, conhecesse a Radio Regional de Resende, por acaso, e imagino se o AL Berto fosse vivo

E dizia-lhes

(“Cesariny e o retrato rotativo de Genet em Lisboa

ao lusco-fusco mário
quando a branca égua flutua ali ao príncipe real
as bichas visitam-nos com as suas cabeças ocas
em forma de pêndulo abrem as bocas para mostrar
restos de esperma viperino debaixo das línguas e
com o dedo esticado acusam-nos de traição

sabemos que estamos vivos ou condenados a este corpo
cela provisória do riso onde leonores e chulos
trocam cíclicos olhares de tesão e
ficamos assim parados
sem tempo
o desejo diluindo-se no escuro à espera
que um qualquer varredor da alba anuncie
o funcionamento da forca para a última erecção

lá fora mário
longe da memória lisboa ressona esquecendo
quem perdeu o barco das duas ou se aquele que caminha
será atropelado ao amanhecer ou se o soldado
que falhou o degrau do eléctrico para a ajuda fode
ou ajuda ou não ajuda e se lisboa num vão de escadas
é isto
tão triste mário sobre o tejo um apito”

AL Berto)

E dizia-lhes o quanto é difícil viver desordenadamente sem a ajuda de ninguém, como os fantasmas-sombra que habitavam a casa de Carvalhais e morreram quando ela morreu, e ruíram quando ela ruiu, e solidariamente se suicidaram, quando ela se suicidou, e no entanto, hoje vivo feliz por saber que deixei de existir, tenho um nome, apenas, e um número de contribuinte, um número que não serve para nada, que de nada me serve, apenas um número, e números tive muitos, apaixonei-me por muitos, e hoje, vivo completamente na solidão dos números, e apenas posso ter esperança no

(viva, viva o artigo 21 da Constituição)

Dia de amanhã, a mesma esperança que tinha no dia de hoje, e pergunto-me

(não devia ser inconstitucional existirem reformas abaixo de trezentos euros e abaixo de duzentos e setenta e um euros?)

Dizem-me para não repetir o que disse...

Porque isso não se diz, porque inconstitucional é a Taxa de Solidariedade, isso sim, porque não usufruir qualquer rendimento ainda não é nem será inconstitucional...

É tudo? Falta a frase... Pois carago... a frase... “Passos, Passos, é no sucateiro dos abraços” desde 1756, E a música? “O Malhão do Beijo – Zé Amaro”,

Muito obrigado e uma excelente tarde,

(excelente tarde, só se for para ti)

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:08

30
Dez 12

Refugiavas-te nas minhas mãos, tinhas medo do sono, inventavas pássaros na copa das árvores como se fossem, elas, as copas, as árvores, poemas de melancolia, sem sentido, doentes mentais agachados em enormes corredores de dor, de insónia, poemas de amor inventavas nas planícies agrestes dos sorrisos do vento, tombavam as espigas de trigo, tombavam os teus seios oprimidos, encarcerados como jardins suspensos nas varandas de um quinto andar numa rua sem saída, na cidade desgovernada, cansada, tu, nas minhas mãos

Disfarçada de palavras,

Tu,

Inventavas-me e tinhas medo do sono, desenhavas comboios nas paredes de um quarto escuro, sem janelas para o rio, ouviam-se os gemidos tranquilos dos indesejados papeis de parede, velhos, sujos, crucifixos de madeira que uma velha mão esqueceu, deixou antes de partir,

Tu

Disfarçada de palavras, tu, disfarçada de cansadas madrugadas que uma caixa de cartão guarda religiosamente como se fossem um tesouro, e são apenas madrugadas, sem destino, sem enormes corredores de dor, de insónia, poemas de amor..., sem nomes, moradas, números de polícia, poemas, poemas de poemas com molho de tomate, o vinho pode ser o normal, o vinho da casa, pão, uma sopinha, caldo de cebola, pode ser, porque não,

Tu,

disfarçada

De palavras,

Chegavas tarde a casa, outras vezes, a maioria das vezes, não regressavas, escondias-te entre silêncios e medos, e embriagavas-te de palavras, AL Berto, A. Lobo Antunes, Luiz Pacheco, Cesariny, Milan Kundera, Agualusa, José Luís Peixoto, bebias incessantemente como se os teus dias terminassem às zero horas e depois das zero horas

Saramago,

Tu

Disfarçada, refugiavas-te nas minhas mãos, tinhas medo do sono, inventavas pássaros na copa das árvores como se fossem, elas, as copas, as árvores, poemas de melancolia, sem sentido, doentes mentais agachados em enormes corredores de dor

Rua do Ouro,

Não estou suja, e comi bem, e não me esqueço das palavras

Tu

Saramago,

O vinho pode ser o normal, o vinho da casa, pão, uma sopinha, caldo de cebola, pode ser, porque não, Proust, porque não

Chegavas tarde a casa, outras vezes, a maioria das vezes, não regressavas, escondias-te entre silêncios e medos, e tranquilos, trazias nas mãos as flores de papel que vendiam na papelaria da esquina, e sábado à tarde, nunca regressavas

Claro que sim, tu, inventavas-me e tinhas medo do sono, desenhavas comboios nas paredes de um quarto escuro, sem janelas para o rio, ouviam-se os gemidos tranquilos dos indesejados papeis de parede, velhos, sujos, crucifixos de madeira que uma velha mão esqueceu, deixou antes de partir, ruiu a casa, o prédio, ruiu toda a estrutura óssea que restou da festa do final de ano, o som melódico, poético, quarta-feira, qualquer coisa na tua voz, claro que não

Que sim, o inferno, está bem meu amor, claro que não

Que não, o vento deixava de soprar, refugiavas-te nas minhas mãos, tinhas medo do sono, inventavas pássaros na copa das árvores como se fossem, elas, as copas, as árvores, poemas de melancolia, sem sentido, doentes mentais agachados em enormes corredores de dor, de insónia, poemas de amor inventavas nas planícies agrestes dos sorrisos, as árvores entravam pela janela da casa de banho, agreste, húmida, simplesmente, as portas dos machimbombos pareciam pessoas com chapéus de palha nas mãos, ouviam-se gritos de revolta, questionavas-te

Para que me servem as mãos e as mãos pertencem ao vento?

Não sei,

Tu

Rua do Ouro,

Não estou suja, e comi bem, e não me esqueço das palavras com mel, nem da melancolia da paixão nos lábios de uma cegonha, inteligente, ela, sabia que o amor todas as noites rondava as sílabas dos primeiros beijos quando descia a noite sobre os suspiros de naftalina, ao deitar, antes de amormecer

Amas-me?

Claro que sim, tu, tu inventavas-me e tinhas medo do sono, desenhavas comboios nas paredes de um quarto escuro, sem janelas para o rio, ouviam-se os gemidos tranquilos dos indesejados papeis de parede, velhos, sujos, crucifixos de madeira que uma velha mão esqueceu, Amas-me?

Ensonado, respondia-te

Claro que sim, sua parva, às vezes, chegavas tarde a casa, outras vezes, a maioria das vezes, não regressavas, escondias-te entre silêncios e medos, e embriagavas-te de palavras, AL Berto, A. Lobo Antunes, Luiz Pacheco, Cesariny, Milan Kundera, Agualusa, José Luís Peixoto, bebias incessantemente como se os teus dias terminassem às zero horas e depois das zero horas

Saramago,

Tu

Adormecias acreditando que eu dormia ao teu lado.



(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:53

20
Jan 12

 

 

Meu querido Luiz Pacheco,

Literalmente estou fodido, desempregado e sem subsídio algum, esforço-me e não encontro trabalho, recorri ao rendimento social de inserção e foi indeferido, pedi a isenção de pagamento de taxa moderadora e quase de certeza também vai ser indeferido, já pensei ir limpar latrinas mas devido à crise duvido que ainda exista merda para limpar porque de tanto apertarem o cinto os portugueses aos poucos deixam de defecar,

Não comem pá,

Já pensei fazer como o teu mangala que passeava pelas ruas de Braga e fazer-me à vida nos jardins de Belém mas nem para isso tenho jeito, o meu amigo doutor psiquiatra receita-me injeções e tenho de pagar um euro para me picarem o rabo,

- Pede supositórios Pá… E ainda consolas o rabinho,

Isto é se for na data marcada porque se for fora do agendamento são quatro euros,

- Estás mesmo fodido Pá,

Pois estou Meu querido,

E pronto Não sei o que fazer à puta da vida, ainda tenho os teus livros para ler e do António Lobo Antunes e do Saramago e do Cesariny e do AL Berto e do Milan Kundera e do Proust e do Gogol e do Tolstoi e do Dostoevsky, isto é, reler, porque já os li mas tal como o melhoral que nem faz bem nem faz mal, certamente voltar a lê-los também

- Tens vinte paus Pá?,

Também a noite tem algo de silencioso quando vocês entram em mim e particularmente fico fodido quando o AL Berto diz que se gritar mar em voz alta o mar entra pela janela, e abro a puta janela e o caralho do mar onde está?,

Não comem pá,

De tanto apertarem o cinto deixaram de defecar,

- Tens vinte paus Pá?,

Paus já eram e agora só existem aéreos e até ao final do mês só tenho cinquenta e cinco cêntimos,

- Essa merda dá para quê Pá?,

Para nada,

- Então estás Literalmente fodido Pá.

 

(texto de inspiração pessoal e dedicado ao Grande Luiz Pacheco; Lisboa, 7 de Maio de 1925 – Montijo, 5 de Janeiro de 2008)

 

Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:49

18
Jan 12

Sou um mendigo dos tempos modernos,

Culto e inteligente e prostituo-me intelectualmente, sento-me à mesa do café e converso de politica e converso de economia e que os mercados são uma merda e que se fodam todos, falo aos meus amigos de literatura e poesia e pintura, já fumei toda a merda que há para fumar e leio muito, e li também muita merda, e leio muito porque estupidamente o meu pai quando eu menino dizia-me que ler era muito importante, mas o meu pai esqueceu-se ou não previu a chegada do vinte e cinco de abril e que uma cambada se ia instalar pelas árvores dos jardins, meus deus, tantos macacos em tão poucas árvores, e assim atualmente não importa se li muito ou se tenho habilitações,

Importam as árvores,

Falo aos meus amigos de António Lobo Antunes, e meus deus, o que seria de mim sem os livros dele, falo aos meus amigos de Saramago Cesariny AL Berto Luís Pacheco Milan Kundera Proust Gogol Tolstoi Dostoevsky, falo aos meus amigos de literatura Cubana, e gosto e adoro, falo aos meus amigos do Big Bang e da partícula de deus e de hipercubos,

Mas continuo a ser um mendigo dos tempos modernos que pediu a isenção de taxa moderadora, um mendigo dos tempos modernos que depois da palestra tem direito a tomar café e água sem gás e um maço de cigarros, porque os meus amigos são porreiros, e é tão fácil ser prostituto intelectual,

Faço programas em folhas de cálculo e tive lições de estruturas, foi um prazer estudar aços e ligas metálicas e termodinâmica e física e matemática, mas o que eu gosto,

Mas o que eu gosto é de ser prostituto intelectual e falar aos meus amigos de literatura e falar aos meus amigos de poesia e falar aos meus amigos de pintura, escrevo umas merdas e pinto outras tantas, e leio

E leio muito,

E antes de me deitar olho-me ao espelho e do outro lado um filho da puta qualquer sorri-me e eu sorrio-lhe e pergunta-me E pergunta-me se sou feliz,

E que mais eu posso querer Respondo-lhe Eu tenho tudo,

E claro que sou feliz porque enquanto tiver livros do António Lobo Antunes para ler sou muito feliz,

Sou um mendigo dos tempos modernos, Culto e inteligente e prostituo-me intelectualmente, sento-me à mesa do café e converso de politica e converso de economia e que os mercados são uma merda e que se fodam todos,

Vou fazendo uns bicos (e o escritor alerta que bicos são pequenos trabalhos e não broches),

Tomo comprimidos para dormir receitados pelo meu amigo psiquiatra, porque sendo um mendigo profissional dos tempos modernos, tenho alguns amigos porreiros,

E vou fazendo uns bicos e confesso que sim,

Sou feliz,

Enquanto tiver livros de António Lobo Antunes para ler, muito feliz,

E que deus lhe dê muita saúde.

 

Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:03

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