É nos teus pequeníssimos fios de cabelo
Que as flores se alimentam,
Magnificamente ela sentada na esplanada do café a mastigar os artigos do semanário Expresso, não fuma, dos cigarros dele o fumo transverso das palavras semeadas sobre a relva, sílabas minhas e sílabas dela, vogais, letras desordenadas em fila para a consulta no posto médico, dores de cabeça e dores de barriga, corredor e ao fundo esquerda, a empregada com um cartaz na mão, peça de Teatro “O comilão” inspirado nos textos de Luís Fontinha, salão dos bombeiros voluntários às vinte e duas horas e trinta minutos, gravidez, segunda porta à direita, e ele questiona-se, e eu porra?, não me dói a barriga não tenho dores de cabeça e que eu saiba também não estou grávido, o senhor espera no hall, retorquiu-me a magricelas de bata transparente, os seios de rosa pendurados no azul do céu, no umbigo um pedacinho de metal semelhante a um outro que sobressaia na orelha esquerda, será esta gaja metalúrgica?, ele espremendo pensamentos no cérebro desalinhado, por favor, olhe, desculpe… dor na mão, casa de banho, quarta porta à esquerda, como pergunto eu?, dores na mão é na quarta porta à esquerda, casa de banho, cintila a magricelas de mamas penduradas para mim,
- Olha amor, diz aqui no Expresso que “família de Maddie também foi escutada pelo News of the World”,
Ai sim,
Começo a afastar as ondas à medida que caminho no corredor, quarta porta à esquerda, bato, gritam-me lá de dentro, faz favor, com licença senhor doutor, as minhas palavras contra a careca do homem enfastiado e sentado a uma secretária, e o doutor no silêncio da tarde e com o rosto atado ao monitor do computador, o que o traz por cá, é uma dor na mão direita, mão direita?, pergunta-me ele, mão direita é no gabinete em frente, foda-se vocês nunca sabem nada, filhos da puta, dores na mão direita quarta porta à direita, dores na mão esquerda quarta porta à esquerda, custa assim tanto?, ele aos berros,
- Olha amor, “NASA quer pôr um camião na lua”,
O Moonstream,
Claro que custa, custa e muito, ando aqui feito paspalho de porta em porta, livro de reclamações escreve ele na parede, saio, cerro a porta e semeio-lhe pregos, agora vais-te foder que não sais daí, eu para o candeeiro do tecto, mais umas braçadas nas ondas incandescentes do mar, e pum pum na porta da direita, faz favor entre, está aberta, a voz melódica de uma mulher, posso senhora doutora, sim claro, o que o traz por cá?, eu lamento-me da dor intensa na mão direita, o senhor fuma?, sim muito, digo-lhe eu, isso é do cigarro, CIGARRO?, sim cigarro, vou receitar-lhe comprimidos para engolir três vezes ao dia, e tabaco, tabaco nenhum,
- “Bancarrota: risco de Portugal de 11,7% a 57%”,
É nos teus pequeníssimos fios de cabelo
Que as flores se alimentam,
E eu que pensava que não…