Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

27
Mar 15

Tenho no corpo

o sentido proibido do silêncio

os ossos choram todas as madrugadas

das lágrimas

as palavras

e nas mãos o feitiço do amanhecer

querer

não quero

ser

sem o saber

a leveza insignificante dos meus braços

suspensos no sorriso do luar

não acredito

acreditar

nas nefastas sentinelas da noite

o amor camuflado

caminhando no capim

as pálpebras cinzentas

misturadas nos cigarros embriagados

que só o fumo consegue desenhar

no triste pavimento da sanzala

oiço a sombra da paixão

voando sobre os coqueiros

o papel colorido

inventando poemas

nas nuvens cortinas do meu aposento

os livros

os livros são como homens em cio

cansados

cansados das sílabas em flor

e do rio

onde adormece a ponte do desejo

não desejando

desejar

não desejando

desejar o perfume do mar…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 27 de Março de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:16

16
Fev 14

foto de: A&M ART and Photos

 

Da tua janela sentia o pulsar inconstante das tuas veias, do oitavo andar eu conseguia, não, aprendi a perceber as árvores em movimento, aprendi a ouvir os teus lamentos, aprendi a sentir a tua minha dor, contava a vezes que o metro de superfície passava em frente aos teus olhos cerrados, perdi-lhe a conta, desisti de contar, mudei repentinamente para os automóveis sonolentos que enteavam no parque de estacionamento, eram tantos, meu Deus, tantos, tantos que... voltei a desistir,

Percebi o significado do medo, aprendi a esperar pelas palavras do invisível, e confesso que não rezei, confesso que mentalmente colocava a hipótese de te perder, e ainda não tenho a certeza se te vou perder, enquanto dormias, enquanto eu olhava os teus sonhos impregnados no cortinado de fumo, eu, eu sabia que tu me esperavas quando acordasses, acordaste,

Então, chegaram bem?

Não te respondi, sentia-me agoniado, com fome, sem palavras para responder aos teus anseios..., pegava nos cigarros amorfos, acendia um e depois outro e mais outro... até que percebi que no corredor de acesso ao teu quarto, até que entendi a solidão, o amor enquanto esperava as lânguidas manhãs de Janeiro,

Então, chegaram bem?

Muita neve, chuva, vento, e perdemos-nos na tua sonolência de cadáver inventado por um louco, perguntava-te se estavas bem, e respondias-me

Então, chegaram bem?

Que sim, que tudo não passava de um sonho, que tudo nunca tinha existido, que tudo

Então, chegaram bem?

Que tudo acorda quando os silêncios dos teus lábios me diziam

Estou mal, tenho dores, não consigo adormecer,

Me diziam, me obrigavam a acreditar nas palavras escritas na tua cama, oitocentos e trinta e cinco, para os matemáticos um belíssimo número, mas

Então, chegaram bem?

Mas para um poeta esse número significava uma perda, uma ausência de ti para comigo, imagino-te subir as escadas do sótão da saudade, imagino-te a pegar na minha mão e ir-mos ver os barcos ao porto de Luanda...

Então, chegaram bem?

(não te respondi, sentia-me agoniado, com fome, sem palavras para responder aos teus anseios..., pegava nos cigarros amorfos, acendia um e depois outro e mais outro... até que percebi que no corredor de acesso ao teu quarto, até que entendi a solidão, o amor enquanto esperava as lânguidas manhãs de Janeiro...)

E víamos os paquetes abraçados aos longínquos marinheiros com fardas de embriagados esqueletos procurando sexo, álcool... e drogas,

Os coqueiros, os treinos de Hóquei em patins, e sempre, e sempre a tua mão entrelaçada na minha mão de criança, da tua janela sentia o pulsar inconstante das tuas veias, do oitavo andar eu conseguia, não, aprendi a perceber as árvores em movimento, aprendi a ouvir os teus lamentos, aprendi a sentir a tua minha dor, contava a vezes que o metro de superfície,

Então, chegaram bem?

E olhavas-nos, e sei que choravas...





(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha- Alijó

Domingo, 16 de Fevereiro de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 01:44

22
Jan 14

foto de: A&M ART and Photos

 

As suas siglas perfumadas subindo as escadas do desejo

abraçando as singelas sílabas abandonadas que espreitam a madrugada entre o cortinado e a alvorada

sinto o bater das pérolas negras que caminham corredor abaixo... e na paragem do eléctrico

junto à porta que dá acesso à biblioteca

os teus seios mergulhados na argila manhã de triste neblina

criança ainda

perfumada

a sigla de ti acompanha as outras siglas deles até que acorde o Pôr-do-Sol

que venha a noite e traga muitos amigos

feiticeiros e feiticeiras

janelas e abrigos

bandeiras... portas e luares sem Janeiro...

 

As suas siglas perfumadas subindo... coitadas as derreadas canções de Abril

(Ora aí está... que acorde então a madrugada, que se abram todas as janelas, e que o dia finja ser um belo domingo, sol, muito sol... e ao longe... ao longe a praia, os coqueiros...)

os silêncios de mim entranhados nas tuas mãos

sentia-te saltitar sobre as finas areias da Baía...

os barcos nossos lançavam-se nos teus seios... e sabia-te sentada sobre as mangueiras do amanhecer...

 

O fogo permanece na tua alma inconstante

o fogo alicerça-se nos teus olhos de sincelo... e sem o saberes uma flor quadriculada dança nas pálpebras húmidas da paixão

dormes sem mim porque o infinito acontece todas as noites depois dos dispersos horários se debruçarem no varandim com telhados de prata

a tua pele fervilha e arde

e o fogo em ti é como as palavras em mim

nada de especial

o papel simples e informal...

sem gravata

sem... sem as apaixonadas mulheres nas borboletas de veludo que a luz ilumina

quero gritar não consigo

consigo gatinhar sobre a geada Aurora e não o quero

quero... e não percebo porque morrem todas as siglas perfumadas subindo as escadas do desejo.

 

 

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 22 de Janeiro de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:29

24
Ago 11

E ainda não tinhas nascido, e o céu de Luanda tão azul e tão límpido, e as nuvens pareciam pedacinhos de algodão, e ainda não tinhas nascido, e o mar calmo do Mussulo, os coqueiros, as mangueiras e bananeiras, e ainda não tinhas nascido, e a minha primeira entrada numa tenda de circo, e não, não foram os palhaços que me alegraram, e não, não foram os trapezistas que me contentaram, e não, não foram os animais que me fascinaram, e ainda não tinhas nascido, e foram a luzes, sim, precisamente as luzes que me despertaram interesse,

 

Tinha, e tenho, deixei de ter, não sei, medo da noite, não por ser escuro, mas porque no teto do meu quarto não tem, e ainda não tinhas nascido, e nunca teve estrelas, e pergunto-te Imaginas-te num quarto sem estrelas?, claro que não dizes-me tu, e ainda não tinhas nascido e perdia-me nas tarde a olhar os aviões, e os pássaros, e o infinito, e ainda não tinhas nascido, tinha medo da noite, e não sei porquê mas a noite parecia-me maior que o dia,

 

E ainda não tinhas nascido, e o céu de Luanda tão azul e tão límpido, e as nuvens pareciam pedacinhos de algodão, a ainda não tinhas nascido quando vi pela primeira vez um barco, fiquei incrédulo Não vai ao fundo…, e é tão grande!, e o meu pai, e ainda não tinhas nascido, todos os domingos me levava a ver os barcos, os treinos de hóquei nos Coqueiros, e ainda não tinhas nascido, e olhava a estátua da Maria da Fonte, e depois do circo, ainda não tinhas nascido, sentava-me na esplanada do Baleizão, olhava o céu e tinha estrelas, e comia um gelado, e ainda não tinhas nascido, regressava a casa, e olhava o teto, e não estrelas e não barcos e não estátua da Maria da Fonte, e ainda não tinhas nascido,

 

Descobri que eu sou apenas um sonho, e ainda não tinhas nascido, e deixaram a criança em Luanda e trouxeram outra coisa qualquer, e ainda não tinhas nascido, e percebo agora que eu não sou e nunca fui a criança que, e ainda não tinhas nascido, olhava o céu azul e límpido de Luanda, os barcos, o circo, a estátua da Maria da Fonte, o Mussulo, o estádio dos coqueiros,

 

E ainda não tinhas nascido, e possivelmente na confusão trouxeram outro miúdo que não eu, e ainda não tinhas nascido, quando pela primeira vez vi um papagaio de papel a brincar no céu azul e límpido de Luanda,

 

E ainda não tinhas nascido,

 

As gotinhas ténues da chuva poisavam na minha mão e no meu quintal voava um triciclo com acento de madeira, e as pombas corriam, e ainda não tinhas nascido, eu adormeci a olhar as nuvens de algodão.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:40

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