Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Mar 20

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Alguém morreu, pensei eu, o portão do cemitério aberto, os pinocos anti estacionamento colocados a preceito para que ninguém se alicerçasse ao pequeníssimo espaço, tudo sinal de que haveria um velório.

Parei, peguei num minúsculo cigarro de fumo, folheei o Jornal Público e, sobre as árvores o silêncio dos pássaros, alguns, adivinhando qualquer coisa de estranho, talvez eles já soubessem que alguém se tinha despedido da realidade e enveredado pela sinfonia do Adeus, perguntei-lhes

- Quem morreu?

Que não sabiam, tinham acabado de regressar de viagem e, verifiquei três o quatro pessoal, vestidas de negro, que pareciam esperar alguém,

- Temos medo, Senhor,

Medo, perguntei eu?

Do vento, diziam eles, medo do silêncio e, das amendoeiras em flor,

Percebo, percebo, mentalmente refazia-me do susto de alguém ter adormecido durante a noite e ninguém à sua espera quando regressasse,

- Sabe, Senhor?

A morte é triste,

Pára um carro funerário, lá de dentro sai um caixão escuro, vestido de tristeza, as poucas pessoas que o aguardavam, choravam, em silêncio e, o mar estava longe, poisei o Jornal, deitei no cinzeiro a beata que restava do meu alimentado cigarro, apetecia-me acompanhar o velório, mas não o fiz, fiquei sentado,

Um dos pássaros começou a cantar:

 

Capitalista de merda

Mete o dinheiro no cu

Dá o dinheiro ao operário

Que trabalha mais do que tu

 

Vai o enterro a passar

Foi a filha do operário

Que morreu a trabalhar

 

Fiquei incrédulo, não acreditava no que acabava de ouvir, entre lágrimas, alguém desenhou um finíssimo sorriso de sangue e, entre o sol, as flores aplaudiam como se o cansaço das lápides estivesse a terminar,

- Acabou, acabou disse-me ele,

E, tudo acaba; entre silêncios e lágrimas de chocolate.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

30/03/2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:22

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