Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

19
Set 17

Penso em ti,

Pareces um desenho cansado numa tela invisível,

Sofres em silêncio para eu não perceber,

Finges que o mar habita o nosso quintal,

E que está tudo bem…

Claro que não está tudo bem…

O trânsito é infernal dentro dos nossos corações,

As ruas são estreitas, pequeníssimas…

Como as ruas de brincar dos brinquedos das crianças,

Choras,

Choras na escuridão para que eu não perceba…

Mas sabes que eu dou conta de tudo,

Conheço o teu cabelo quebradiço,

Conheço o teu rosto de granito e xisto…

Em direcção ao rio,

Penso em ti…

E não sei o que será de mim sem a tua presença…

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19 de Setembro de 2017

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:26

23
Nov 16

Escolho-te pelas desventuras dos segredos proibidos.

Escolho-te pela vaidade das madrugadas sem dormir,

Quando no horizonte se esconde uma andorinha selvagem, triste, sonolenta…

Escolho-te pelas nuvens de prazer que sobrevoam as cidades desertas, e cansadas.

 

E dos fantasmas as alegrias do teu olhar,

Escolho-te pela luminosidade da alvorada antes de acordar,

Golpeando a terra abandonada,

E fria da solidão…

Escolho-te porque nascem estrelas no teu sorriso de silêncio adormecido,

Quando não vêm as lágrimas do destino.

 

Escolho-te quando na minha mão poisas, brincas, saltitas como uma criança.

Escolho-te nas tempestades do deserto,

Ou nas ribeiras descendo a montanha…

E quando te escolho… acorda o dia no meu relógio sentado à lareira.

 

 

Francisco Luís Fontinha

23/11/2016

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:49

28
Fev 15

Não penso

não imagino as palavras semeadas nos relvados da saudade

não penso

não durmo

acreditando nas marés de vidro

descendo da montanha

imagino...

riscos suspensos na alvorada

crianças de luz gritando pela liberdade

e nada

nem ninguém

nas ruas desta cidade.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 28 de Fevereiro de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:38

16
Mai 14

dizem-me os teus olhos

pequeníssimos lençóis de solidão

fios de seda em desejo coração

manhãs adormecidas e sem poiso

dizem-me os teus olhos

que há madrugadas quadriculadas

e amanheceres triangulares

dizem-me...

quando oiço o teu enfeitado sorriso brincando na calçada

e uma criança abandonada

aprisiona o teu olhar e me diz...

o que dizem os teus olhos.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 16 de Maio de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:27

15
Abr 14

nos teus lábios habita o solstício da paixão

sinto o odor cansado do teu cabelo voando sobre as sombras da solidão

há lágrimas no teu sorriso

há insónia na tua noite construída de trapos e cortinados negros

e dos teus olhos

o silêncio das caricias desenhadas pela mão de um coração

sinto-o

e oiço-o

como os sonhos que vivem dentro de mim

nos teus lábios habita o sofrimento envenenado

e lá fora alguém grita o teu nome

sons metálicos cambaleando sobre a dor

traços

triângulos

círculos com olhos verdes

nos teus lábios a imagem da criança em pequenas viagens

espera pelo machimbombo

um homem puxa-o com um cordel imaginário

e de rua em rua

e de casa em casa

leva mangas e cacimbo e capim

tem nas mãos a dócil fotografia de uma cidade perdida

o mar alicerça-se às pernas do menino...

a criança vê nos zincos telhados outros meninos

meninas

e sonhos como os dele...

sonhos com sabor a papel...

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 15 de Abril de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:57

23
Dez 13

foto de: A&M ART and Photos

 

A noite destrói todas as palavras de papel que o invisível destino escreve

a noite inventa-se na algibeira do clandestino miúdo com suspensórios de vidro

o miúdo estupidamente apaixonado por uma uma gaivota...

… chora

transpira como lâminas de aço quando a lareira acesa derrete o silêncio

há uma pauta sobre a mesa da sala de jantar

na pauta brincam notas musicais órfãs

crianças das ruas sem nome não vivem... mas também não choram

crianças com mastros ao peito... vivem navegam choram e morrem...

e bandeiras de cetim sobre os cabelos cinzentos da tristeza dizem-lhes o que é a saudade

a noite embriaga-se como pedaços de xisto descendo os socalcos com as penumbras das sonâmbulas cambotas correndo e as bielas... as bielas nas mãos do miúdo estupidamente apaixonado...

… que chora... elas imóveis elas silabadas elas... elas são as bielas dos covis iluminados pela loucura neblina que o desejo procura no corpo nu sem nome as bielas fodem...

Alimentam-se dos sombreados tectos de verniz que às esplanadas de areia acordam como tecidos mortos e envenenados e doirados e... e a noite em papel dissolve-se na garganta do condenado

hoje há moelas

moedas de prata

lágrimas de crocodilo

e dentes de marfim

A janela do muro envidraçado abre-se e a noite começa a comer o miúdo depois de destruir todas as palavras de papel que o invisível destino escreveu

e o pobrezinho menino prostitui-se no cais de embarque dos petroleiros ofegantes

a gravata esgana o pescoço dos homens de mini-saia

os sapatos de três andares... adormecem noite adentro num sótão abandonado

a gaivota do amor

não dorme

não vive

chora

chora... chora... parvo... porque choras tu?

e era capaz de acreditar nos objectos negros das portas com triângulos desenhados...

com... com coxas cosidas pelas mãos da Avelã costureira...

Peneirenta

rafeira

e ordinária...

a noite é uma puta desgraçada

e feia...

a noite fode-nos como cinzeiros em prata nas mãos de um drogado...

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 23 de Dezembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:33

20
Out 13

foto de:A&M ART and Photos

 

Este cigarro de melancolia nunca me pertenceu, no entanto habita em mim há quarenta e sete anos, fuma-se, desgasta-se, depois fica como novo, pronto a acender-se, pronto a iluminar-me como se em mim existisse uma janela virada para a montanha e da minha cama os lençóis de vidro em gemidos constantes, vibratórios, oscilações melódicas e poéticas nas mãos do Outono, são quase horas de adormecer e percebo que lá fora ainda brincam as neblinas pálpebras da tarde, mesmo assim, oiço-a, olho-a com uma criança pela mão, elas brincam, elas parecem felizes, e

Este cigarro sempre a desprender-se, sempre a extinguir-se como uma sepultura de carvão mergulhada no cimento névoa dos andaimes murmúrios que os lábios exageram quando tu

Eu?

Ela saltita entre mãos e cabelos de vento, soltam-se os primeiros beijos nas asas do anjo solitário, ele é assim,

Assim?

Eu, eu pertenço às neblinas lágrimas de insónia que acompanham a noite,

Pensava que ela era minha filha, poderia sê-lo se não fosse o raio do...

Não o é,

Nunca o será,

Este cigarro pertence aos habitantes carrancudos das aldeias em flor e lá fora oiço-os, em longos gritos de sabão

(ACABOU-SE A DITADURA E A ESCUMALHA PRETORIANA)

Este cigarro e estes gajos, nojentos vermes como línguas de azoto nos cornos da Lua, podia ser o seu filho, podia ser o seu cigarro, e podia ser a sua noite, mas tudo, mesmo tudo, perdeu quando de um velho cortinado apareceu uma rosa sombreada com bolinhas encarnadas, podia ser o seu filho

Meu filho? Impossível...

A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E...

(ACABOU-SE A DITADURA E A ESCUMALHA PRETORIANA)

A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E... A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E... A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E...

Este filho que poderia

Mas não o é,

Poderia ser o teu filho, uma menina que brinca com uma Primavera de olhos castanhos e braços loiros, uma menina que saltita de cadeira em cadeira no café, saboreio-o e lembro-me de quando era como ela, e lembro-me de quando ele poderia ser,

Mas...

Claro que não o é porque se o fosse eu saberia, eu perceberia, eu, eu, eu, eu...

A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E...

Claro que não o é porque se o fosse eu saberia, eu perceberia, eu, eu, eu, eu..., eu teria o prazer de abraçá-la como se fosse minha, e não o é, e este cigarro parece louco, feliz, contente, arde docemente nas tuas mãos e pertence aos tubarões de limalha que deixamos ficar sobre a mesa-de-cabeceira num hotel em Lisboa, parecíamos filhos de Belém, e não o éramos, parecíamos filhos de um rio

E nunca o fomos,

Parecíamos um corpo decadente e nunca o fomos porque estávamos sempre em ebulição, éramos água dentro de uma panela de pressão, ouvíamos o apito do comboio quando da janela apenas sentíamos as vertigens da noite anterior, poderia ser o teu

O meu?

Sim, o dele, e no entanto...

Claro que não o é porque se o fosse eu saberia, eu perceberia, eu, eu, eu, eu...Claro que não o é porque se o fosse eu saberia, eu perceberia, eu, eu, eu, eu...Claro que não o é porque se o fosse eu saberia, eu perceberia, eu, eu, eu, eu...

E no entanto somos apenas duas locomotivas descarriladas, duas vozes... duas vozes quase roucas, quase, quase...

A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E... A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E... A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E...

Quase mas não o é, e sinto-a e vejo-a a brincar com a mãe como se ela fosse a minha mãe e a outra ela, eu

Uma feliz madrugada em flor.

(A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E... A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E... A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E A C A B O U – S E...)

 

(não revisto – ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 20 de Outubro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 17:02

11
Jan 13

Percebia-se pelas pálpebras dele, azuis com sabor a pedacinhos de inocência, que a chuva trazia na algibeira a digestão fictícia dos carrinhos de choque que da infância deixaram estacionados junto ao berço de madeira prensada, calculava pelo peso da noite que não eram mais do que três magras horas da madrugada, chorava, não dormia, e sentia-se que dentro dele viviam parafusos de aço com defeito de fabrico, a garantia tinha cessado, as torres tinham acabado de cair entre os imensos plátanos virgens e os outros, quaisquer, barcos envelhecidos, doidos varridos, deitados sobre as tábuas da ignorância, dele, e eras uma criança. doida às vezes, dócil também, poucas, nenhumas, quaisquer

Vivia-se no fio metálico da navalha e ele tinha medo dos cobertores com remendos de chapa que a mãe, mecânica, tinha feito para que pudessem dormir e nada deles saísse durante a noite, atravessasse os buracos do velho tecido, e pelos partidos vidros das janelas fossem aterrar no paralelepípedo da rua com costas de geada, os braços murchavam, e derretiam-se como a manteiga sólida que o inverno pintava como se fossem pedaços de pedra, e quando lhe perguntavam

Gostas de cá andar, e ele com rosto de incenso respondia quase sempre Às vezes, depende, e nunca percebi o que queria ele dizer com Às vezes, depende

Acordava o dia, retiravam-lhe a fralda de pano encharcada numa espessa massa amarelada intensamente com um cheiro horrível, indesejado, que aos poucos ia ocupando cada milímetro quadrado da casa de Lisboa, um enfadado rés-do-chão meio podre, meio enraizado no Outono pássaros de luz que vinham do outro lado do rio, entravam em casa, sentavam-se na mesa da cozinha, e da janela

(Tanta coisa para dizer que cheirava a “merda”)

E da janela sentiam-se os motores com cavalos cinzentos em lábios de fumo, ouvia-se o rosnar da fera amansada criança deitada no sofá à espera que lhe trocassem a fralda de pano por outra fralda de pano, limpa, lavada, e o motor aos tropeções avançava mar adentro até desaparecer nas velhas cristas das ondas de espuma que os cigarros embebidos em cerveja emagreciam como tremoços numa esplanada de Belém, sexta-feira, e nada de novo, foi-se e não regressou mais

Às tuas, Às minhas, Às nossas,

E não regressou mais,

Chegava ao balcão e pedia incessante e audaz ao empregado “Destroque-me” esta nota para tirar cigarros, e ela

Não se diz “Destroque-me”, tá ver Francisco, isso não existe, correctamente é Troque-me esta nota para tirar cigarros, e eu acreditava mesmo que os ossos de pano que às vezes me embrulhavam tinham saído de validade há tempo suficiente, só podia, não encontrava outra explicação para o tão grande aglomerado de homens e mulheres à porta de minha casa, gritando

(Tanta coisa para dizer que cheirava a “merda”)

Às tuas, Às minhas, Às nossas,

E não regressou mais,

Um enfadado rés-do-chão meio podre, meio enraizado no Outono pássaros de luz que vinham do outro lado do rio, entravam em casa, sentavam-se na mesa da cozinha, e da janela, da janela vinha-nos o medo das coisas como as simples flores encarnadas com lacinhos de cetim que eu nunca soube como se chamavam e tu, quando eu chegava a casa, simplesmente deitavas no caixote do lixo e dizias em voz alta para que eu ouvisse e não esquecesse nunca

Não quero mais esta porcaria, odeio flores encarnadas com lacinhos de cetim,

E eu,

E ela,

Olhavam-me depois de trocarem-me a fralda de pano, abria a boca e sorria, sorria quando sabia que da janela vinham as imagens tricolores com pequenos fios de prata, sorria porque tinha acabado de beber o saborosíssimo e inconfundível leite materno, sorria porque

Vivia-se no fio metálico da navalha e ele tinha medo dos cobertores com remendos de chapa que a mãe, mecânica, tinha feito para que pudessem dormir e nada deles saísse durante a noite, atravessasse os buracos do velho tecido, e pelos partidos vidros das janelas fossem aterrar no paralelepípedo da rua com costas de geada, os braços murchavam, e derretiam-se como a manteiga sólida que o inverno pintava como se fossem pedaços de pedra,

Às tuas, Às minhas, Às nossas,

E não regressou mais,

(Tanta coisa para dizer que cheirava a “merda”)

E da janela sentiam-se os motores com cavalos cinzentos em lábios de fumo.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:09

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