Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

09
Dez 11

Os mercados financeiros andam muito nervosos, possivelmente padecem de uma depressão grave ou loucura que nem o psiquiatra do livro do António Lobo Antunes em Memória de Elefante consegue tratar.

Tudo é preciso ser feito para acalmar os mercados e as Agências de Rating.

Em nome dos mercados substituem-se chefes dos governos eleitos democraticamente pelo povo (Grécia e Itália) e qualquer dia, porque os mercados assim o querem, em Portugal vamos assistir à substituição do nosso primeiro-ministro por outro, porque os mercados assim o desejam, ou convém, sem eleições.

Muito em breve, alguns anos, não passaremos de peões nas mãos dos mercados, até quem sabe, escravos. Eles escolhem os governos e nós trabalhamos, mas sempre em silêncio, porque os meninos mercados podem ficar nervosos… ou pior, loucos.

 

“A Charlotte Brontë a cambalear à beira do KO químico voltou para a janela uma unha onde o verniz estalava:

- Alguma vez viu o sol lá fora, seu cabrão?

O psiquiatra gatafunhou CARALHO + CABRÃO = GRANDE FODA, rasgou a página e entregou-a à enfermeira:

- Percebe? Perguntou ele.” (In Memória de Elefante – António Lobo Antunes, pág. 19)

 

E apetece-me dizer e escrever; os mercados que se fodam.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:53

11
Jul 11

A mediocridade do filho,

Da mãe que o pariu numa noite fria e escura de dezembro, a mãe que deixou de ver quando saiu de casa para comprar cigarros e nunca mais voltou, a manhã acelerada nos ponteiros das gaivotas, nas asas a bussola ensonada que no colchão da rua dorme profundamente, o exagero, a grandiosidade das sombras dos eucaliptos na serra semeada de ventos e mutilada nas mãos de um presidiário condenado à forca, da mãe apenas o cheiro de cigarros podres e lodo, o fundo do mar travestido de rochas e grãozinhos de areia, mando beijinho e espero que esteja tudo bem, assinado, a miúda parva, o bilhete esganiçado poisado na almofada, e junto à parede a alcofa coberta de teias de aranha, a mediocridade do filho agarrada aos testículos do pai,

- E tal pai tal filho, murmura-lhe a mãe da moldura encaixotada na garagem,

Palhaços.

Meia dúzia, dúzia e meia, e três pingos de saliva sobejam do canto esquerdo do lábio, o presidiário cospe firmemente que está inocente, eu não fiz nada, meia dúzia de palhaços, dúzia e meia de palhaços, três pingos de palhaços, e quantos são?, os sorrisos do presidiário, a corda grossa como um fio de sémen que se aproxima das horas, o laço à volta do pescoço fino e cru e mal criado, desce pausadamente do plátano que no jardim se inclina com a rotação da terra, estou pronto!, a voz do carrasco, o pénis abre os braços e engorda e o fio de sémen parte-se em pedacinhos, o presidiário pensa,

- Desta safei-me,

E o pénis emagrece no silêncio do carrasco.

E puxa e puxa e puxa, está quase, já lhe sinto a cabecinha, a velha isaura para a minha mãe, só mais um bocadinho… mais, e mais, é um menino,

- Deixá-lo ser, murmura a minha mãe enquanto segura o cigarro,

E oxalá amanhã esteja sol, e oxalá dezembro termine rapidamente, e oxalá diz a voz rouca do transístor,

- “Pânico nas bolsas leva PSI20 a afundar mais de quatro por cento”,

Lodo e rochas travestidas no fundo do mar,

Carcaças de barcos enferrujados na enfermaria, o soro que se derrama como seiva nas raízes dos plátanos, o carrasco a apanhar os pedacinhos de sémen para enforcar o presidiário, mastiga pastilha elástica para enganar a tarde e o vício dos cigarros perfumados, enfia a mão na algibeira, e a bolsa tropeça nas infinitas folhas de árvore que todas as noites se escondem no quintal,

- Deixá-lo ser,

Não quero um falhado como o pai, segreda a mãe à velha isaura, não quero que as nuvens cresçam junto ao rio, e não quero, não quero que dezembro faça parte dos calendários pendurados na parede da cozinha, a gaja nua e no outro o crucifixo que tomba no mosaico do pavimento, a porta abre-se e ela com dois maços de cigarros na mão e nos cabelos a espuma do mar,

- Desculpa filho, estava uma fila enorme na tabacaria, diz-lhe a mãe,

Vinte anos, vinte anos depois o regresso do mês de dezembro aos calendários, e a bolsa afunda-se nas ruas da cidade.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 15:54

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