Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

30
Mar 14

foto de: A&M ART and Photos

 

Sou absorvido pelos tentáculos da insónia,

dou-me conta da noite triste,

confusa, e só...

pertenço às paredes límpidas da solidão fantasma, às vezes, ela, veste-se de livro,

e dorme na minha mão disfarçada de rocha ensanguentada com dentes de leão,

outras, ela parece o cortinado inanimado da minha janela sem fotografia para o mar,

 

Sou absorvido por barcos longínquos das tardes de cacimbo,

sou o portão de entrada do quintal imaginário rodeado de mangueiras e sombras,

oiço o sorriso do embondeiro a sobrevoar o meu olhar, e sei que estou vivo porque alguém pega na minha mão de menino e diz-me que sou filho do Oceano,

sou absorvido por tudo e por nada,

pelas palavras, e pelas montanhas, e pelas ardósias envergonhadas do desejo,

sou... pelos tentáculos da insónia,

 

E.. e dos beijos,

sou um cadáver sem nome,

e enquanto era absorvido... sei lá por quem eu era absorvido!

mãos, pernas, braços, caricias, loucas caricias de mãos desconhecidas,

e no entanto, ainda pertenço aos indefinidos corações de incenso com borboletas cinzentas...

e bocas, absorvido por bocas famintas.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 30 de Março de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:48

07
Jan 13

Deixara de chover, a máquina de lavar roupa pifou uma vez mais, constipação, ou

Fígado,

Ou

Talvez não,

Não temos tempo para despedidas, Pedro, O senhor Alberto para o filho que parecia uma abelha em círculos de luz às voltas do avô João, o carro pronto a avançar estrada fora, recheado de pequenas miudezas, batatas e couves, chouriços e presunto, pão de milho, e o Opel Kadett de 1964 aos soluços como os bebés depois de nascerem enquanto aguardam a chegada do babado pai e a enfermeira

É um menino,

Fígado,

Ou

Talvez não,

O pai retratava o filho com imagens a preto e branco, no tornozelo uma fitinha azul com o nome e o dos progenitores, e se fosse hoje, e se fosse hoje juro

Pifou

E deixara de chover,

E se fosse hoje juro que não queria progenitores, inventava-me, fazia-me das larvas azedas que de árvore em árvore, que de nuvem em nuvem, juro, juro que me tinha inventado como inventei tantas outras coisas,

Adeus avô, com choraminguices o Pedro ao despedir-se, e ouviam-se os lamentos do senhor Alberto, que começava a ver cair a noite e pelas suas débeis contas só de viagem deveriam ser aproximadamente quatro horas, isto é, sem efectuar quaisquer paragem, para um café, ou

Pai, preciso de fazer xixi,

É um menino,

Fígado,

Ou

Talvez não,

E deixara de chover, a máquina de lavar roupa pifou uma vez mais, constipação, ou

(pausa para ir à casa de banho)

Ou simplesmente entrou em greve sem pré-aviso, e cá em casa parece que estão todos loucos, queixava-se o pobre do senhor Alberto, viúvo, um filho, desempregado, E pergunto eu, que vou dando vida a este texto

Que mais poderá acontecer a este desgraçado?

Mulheres há muitas, sou palerma!,

O pai retratava o filho com imagens a preto e branco, no tornozelo uma fitinha azul com o nome e o dos progenitores, e se fosse hoje, e se fosse hoje juro

Digam-me, que mais este desgraçado poderá esperar da vida?

Juro, se fosse hoje, se fosse hoje inventava-me, colocava umas luzinhas na cabeça, pedia ao senhor Arsénio que me desenhasse umas asas e mandava-as construir ao tio Serafim, quando regressasse a casa com a estrelada, coitada, manca

Estrelada!

E amanhã não me fodes mais porque vais ficar na loja porque com a pedrada que te dei, e enquanto isso, o Serafim a jogar ao pino com os colegas da escola, e tenho quase a certeza que ele me constrói umas asas com vista para o Tejo, pensava o menino Pedro antes de adormecer e enquanto a família, pai, mãe e avós, todos, numa irritação

É a tua cara Alberto,

Não é não, respondia a avó Madalena, e acrescentava

É tal e qual o meu João, isso não tenho duvidas

E eu, e eu tenho a certeza que tenho algumas parecenças com um embondeiro, com um mabeco, ou na pior das hipóteses

Com um Anjo,

(mais uma breve pausa para ir à casa de banho regressamos o mais breve possível)

Sim, com um Anjo, Porque não? Deve estar louco menino Pedro, queixava-se o porteiro embriagado quando madrugada dentro ele

Eu, tu, regressávamos das longínquas sentinelas de estanho, deixávamos as mesas de granito junto aos jardins caquécticos da casa de S. Pedro do Sul

Constipação

Ou

Fígado,

Constrói-me umas asas, tio Serafim

E a coitada da estrelada só em três patas, sofreu tanto, tanto sofrimento teve esta ovelha, e o menino Pedro e a menina Margarida

Eu, tu, regressávamos das longínquas sentinelas de estanho, deixávamos as mesas de granito junto aos jardins caquécticos da casa de S. Pedro do Sul, deixara de chover, o fígado pifou uma vez mais, constipação

Ou

O pai retratava o filho com imagens a preto e branco, no tornozelo uma fitinha azul com o nome e o dos progenitores, e se fosse hoje, e se fosse hoje juro

Tinha-me inventado.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:15

10
Set 11

 

Tinha a vida abraçada a um embondeiro,

E no cabelo finíssimos fios de amanhecer,

Sentava-se sobre o capim da tarde

E esperava pelo anoitecer,

 

O embondeiro em sorrisos lunares

E o cabelo saltitando no vento,

A humidade da manhã quando abria a janela,

E os mares da infância em sofrimento,

 

E tão bela,

Ela,

Abraçada a um embondeiro,

Nos lábios de uma rosa amarela

 

E na mão o cintilante cheiro,

Tinha a vida abraçada a um embondeiro,

E no cabelo finíssimos fios de amanhecer,

E no sorrio os olhos do jardineiro

 

Agachados no sol escaldante de janeiro…

Tinha a vida abraçada a um embondeiro,

E no cabelo finíssimos fios de amanhecer

Que brincavam nas tardes de fevereiro.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:21

11
Jul 11

Falei e fui,

Ao homenzinho verde e de olhos castanhos dentro de uma caixa de cartão, malabarista de profissão, camafeu dos tempos modernos, trapezista nas horas mortas do dia, o peso do arame na sombra, o equilibrismo debaixo das nuvens, o capim que lhe comia os tornozelos e do fumo desaparecia no cacimbo, embondeiro grisalho sobre a cabeça espadaúda e tenra da tarde, jeremias seu nome, jeremias sou eu, gritava ele enquanto acenava ao público desdentado que assistia ao seu maravilhoso espetáculo, magnifico raquel, equilibrista russa que vive em Massamá, jeremias faz-lhe gestos obscenos com os olhos verdes, e ela num salto mortal manda-o foder literalmente,

- E já foste,

Desequilibra-se do arame, bate as asas e cornadura sobre o tapete vermelho, desdentados em palmas, jeremias a tremer como se fosse o nevoeiro junto ao tejo, tejo?, e onde se lê tejo deve ler-se douro, errata, o livro de apontamentos misturado no papel higiénico, e jeremias sabe que os seus textos são uma merda,

- Os meus textos são uma merda, repete ele quantas vezes consegue na voz distorcida das pernas finas e amolgadas do espetáculo,

A aparelhagem sonora engasga-se nas coxas da raquel trapezista, e como se fosse um líquido pegajoso entranha-se nas mãos embaciadas de pó talco, jeremias cospe para a parede e escreve repetidamente “OS MEUS TEXTOS E POEMAS SÃO UMA MERDA”,

- Pois são, em gemidos a raquel magricelas que nas mamas pendura um fio de nylon e um anzol,

E para que servem os alfinetes?, mergulha a cabecinha no escuro jeremias, e alguém do público, um desdentado lhe explica que os alfinetes servem para o big-bang,

- Big quê, Foda-se, que é essa merda?, o apresentador do espetáculo na pasmaceira do costume,

Ninguém sabe, e também não interessa,

- O que interessa é a aparência, a raquel com a aparelhagem sonora aparafusada às coxas da noite,

O que interessa é a aparência?, questiono-me eu, questiona-se jeremias, e o que está dentro da casa não serve para nada, caralho?, a irritação da voz do apresentador, só interessa a fachada da casa?, digo eu, e o conforto dos compartimentos, caralho?, grita jeremias para a tenda de circo,

- Falei e fui,

E voltei a vir de mãos vazias, a fila interminável de cabecinhas verdes nos assuntos da repartição, senha trinta e cinco, ouve-se uma voz esganiçada e encrustada nas algas do rio, e a minha senha é a número quinhentos e sessenta e cinco, e é só fazer as contas, quinhentos e sessenta e cinco subtraindo trinta e cinco, coço o pelo rapado da cabeça, e coço, e o raio do resultado fica-me preso na garganta,

- Quinhentos e trinta, a voz da raquel enquanto coloca na vertical os anzois pendurados nas mamas,

Claro que são quinhentos e trinta, eu sabia, só que os números entalaram-se entre uma côdea de pão e três dedos de fumo, e só amanhã ao final da tarde, isto é, só amanhã ao final da tarde se nada de grave acontecer,

- E o que poderá acontecer?, jeremias com os beiços entalados no arame do trapézio,

E tanta coisa que pode acontecer, cair um meteorito, levar com a peça de um avião nos cornos, levar com o próprio avião nos cornos, e é mais difícil acertar na chave do euromilhões, dizem os doutores da estatística,

- É mais difícil acertar na chave do euromilhões do que levar com um avião na cornadura?, questiona-se o apresentador,

E nem mais, nem mais.

Grita o público desdentado.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:44

14
Mar 11

Se eu pudesse esconder-me

Na sombra de um embondeiro,

Abraçar-me às suas mãos

E ficar quietinho até amanhecer,

 

Sentar-me nas suas raízes

E fumar o meu cachimbo em desespero…

E com o fumo fabricar meninos

E dos meninos, eu olhava sorrisos

 

Em brincadeiras de crianças

À espera do cair da noite.

 

Se eu pudesse esconder-me

Na sombra de um embondeiro,

E esperar o cair da chuva…

E olhar o céu em liberdade.

 

Se eu pudesse sentar-me numa pedra

À sombra de um embondeiro

E à minha volta o cheiro da tristeza

Ia embora,

 

E o mar vinha até mim.

E o mar trazia-me os sonhos de ontem

Porque hoje, hoje perdi os sonhos…

À sombra de um embondeiro.

 

 

 

Luís Fontinha

14 de Março de 2011

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:54

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