Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

24
Ago 11

Era quase meia-noite, o velho Armindo às voltas com a manivela da mudança dos dias, o sábado de 22 de janeiro de 1966 quase a despedir-se e o domingo em espera entre a Mutamba e a ilha do Mussulo, o velho Armindo em esforços braçais e gritos que cuspia da garganta contra a pesadíssima roldana, a manivela em fios de navalha terminava o ciclo de vinte e quatro horas, era quase meia-noite, sábado, e era verão, e do mar vinha o suor das gaivotas, uma mulher na maternidade enrolava-se na madrugada e em pequeníssimos gemidos que se ouviam no corredor disparava vogais contra as janelas da enfermaria, e uma voz Puxe, puxe, e no corredor um homem às curvas e fitando as ondas do Mussulo engolia os cigarros sem os acender, nervoso, e a parteira Puxe, puxe, e o homem Menino ou menina?, o velho Armindo muda o dia e o domingo aos poucos a erguer-se como um girassol, sorrindo, sem nuvens, e era verão, e nascia o sol, o homem impaciente, o homem pensava Que se passa que eles não dizem nada, e às 7:30 horas da manhã de mãos ensanguentadas, o velho doutor Camacho, médico e amigo do homem, rompe a porta, abraça-o e segreda-lhe Parabéns, Fernando, é um menino e estão bem, e estão bem a mulher e o filho, e os berros do rapaz que não se cala, e já o velho Armindo se pendurava na manivela da manhã quando o homem olhou pela primeira vez o filho, espantou-se por ele ser tão pequeno Ele é tão pequenino, doutor, e o doutor Camacho responde-lhe que é normal e que são todos assim,

 

- Todos não, todos não, às voltas o velho Armindo com a manivela para o homem que saía da maternidade e se dirigia para casa, tomar um banho, comer qualquer coisa, e dizer aos sogros que a filha estava bem, que era um rapaz, que era muito pequenino, e berrava muito, e o doutor Camacho São todos assim, não te preocupes, são todos assim,

 

E o velho Armindo diz que não Não, não são todos assim,

 

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:59

02
Ago 11

Dom luís de francisco e francisco passeava-se e passeia-se pela rua deserta do burgo quando da sombra surge uma embarcação de mercadorias e com destino ao porto dos confins da alvorada, dom luís estranhou tamanho barco por aquelas bandas e o pior é que num dos mastros tinha pendurado um crocodilo de pau-preto, Estranho, segreda dom luís de francisco e francisco às bananeiras que o olhavam no quintal e governado pelo REX rafeiro e pelo NOQUI são bernardo importado da suíça, dom luís passeava-se de calção de malha preto e justo, ia descalço para poupar nos pneumáticos e na orelha levava uma argola semelhante a uma roda dentada, e no dedo, no dedo um cravo de uma ferradura que tinha trazido quando menino de lisboa,

O mar em aflições nos calhaus e rochas adornadas, e a embarcação derrapava na espuma da carqueja e das mimosas em flor, o chã para emagrecer as nuvens no bule de zinco adquirido a um marroquino que às vezes em visita ao burgo troca bijutarias por garrafas de vinho, e o chã servido em chávenas roubadas na loja do chinês, e as nuvens diminuem de tamanho e desparecem no horizonte, e o sol volta a sorrir nos olhos de ray-ban e soutiens com bolinhas negras e diminutos furos para a refrigeração das mamas,

O capitão da embarcação aproxima-se de dom luís de francisco e francisco, pede-lhe um cigarro e enquanto este efetua buscas sucessivas aos alforges o capitão em voz sossegada faz-lhe a proposta Se dom luís conseguir tirar-me o crocodilo pendurado no mastro dou-lhe toda a mercadoria, e nem hesitou, dom luís salta para a embarcação, aproxima-se do mastro, poisa os calções de malha e os pneumáticos no soalho e começa a trepar o pau ensebado da noite, e vai magicando enquanto vai subindo vagarosamente, milímetro a milímetro,

Isto é canja, ai que não é, é só chegar lá cima, pregar uma bofetada ao crocodilo e descer com ele desmaiado,

E quando dom luís a meio e o bicho já lhe mostrava os dentes de marfim o pau ensebado da noite começa a murchar, e dom luís e o crocodilo em pau-preto estatelados contra os pipos de vinho, pedras preciosas e alicates para os dentes, o bicho em queda livre pelo granito adormecido do cais e dom luís a ver o céu estrelado do burgo,

O capitão cruza os braços e diz para dom luís de francisco e francisco Já me fodeu o barco todo!, e este ainda meio tonto do vinho responde-lhe que não teve culpa, conseguiu tirar o crocodilo do mastro e que tem direito a receber toda a mercadoria, e o capitão aos pontapés aos candeeiros de petróleo,

Você deve é ser maluco, receber toda a mercadoria?, rosnava o capitão às patas do rafeiro e ao rabo do são bernardo, Você devia era indemnizar-me,

E a voz do capitão a entrar por um ouvido de dom luís e a sair pelo outro,

E dentro de dom luís de francisco e francisco erguia-se um queixume nos dentes e uma silaba na língua,

E enquanto procurava no soalho os calções de malha e os pneumáticos começavam-lhe a sair da garganta pequenas frases, Quero lá

Saber

Do

Caralho do barco.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:19

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