Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

23
Ago 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Você voa?

Sim, eu voo, mesmo? Sim, mesmo...

A mulher dos longos cabelos foi impressa no espelho do meu desprezável quarto, com apenas uma velha cama e um ignorante guarda-fato, o dito que abraça o tal espelho, mais as teias de aranha e os mosquitos que durante a noite

Voam,

Sim amor, eu voo,

Você voa, amooor? Claro... quando bebo e coloco as asas de borboletas que utilizava na escola para me lançar da árvore do recreio... voava, voava, até que chegava ao mar, aí

Você voa, amooor? Claro, filha, eu voo, e aí...

Você me mata do coração, meuuu amooor!

E aí eu alcançava o mar, descerrava os olhinhos, e tu, você voa, amooor? E tu sentada sobre a onda castanha junto à rocha, coisa pouca, cerca de quinhentos metros da praia, eu poisava sobre você e lhe dizia baixinho

Sim, amooor, eu voo,

Lá em casa, nas vagas horas, praticávamos voo livre entre as teias de aranha e os caquécticos móveis do nosso quarto, você foi impressa ainda no tempo em que as noites tinham sorriso verde, ainda no tempo em que das noites vinham até nós as imagens a preto-e-branco e você no espelho

Você me ama, amooor?

Sei lá, não o sei, nunca percebi nada de impressoras, e este tipo a jacto de tinta... pior, nasci e habituei-me com impressoras de agulhas, não eram silenciosas, mas conseguiam imprimir-te tão facilmente no espelho do quarto que os teus seios conseguiam ser mais perfeitos de que os originais, e de conversa em conversa, deixávamos de perceber quem era quem, e quem era o verdadeiro...

Você me ama, amooor?

Porra... que você é chata, porra... que você me mata do coração, meuuu amooor!

… e quem era o verdadeiro das inúmeras imagens deitadas sobre o estirador, noites inteiras com a caneta de tinta na mão a inventar riscos sobre o papel vegetal, e você

Me ama, me dia, você me ama, amooor?

Porra... e mais um borrão, tudo de novo, lâmina de barbear, raspar, pegar no lápis borracha... e continuar com os risco até de manhã,

Depois,

Depois entranhava-se-me o sono, olhava-a e via-a impressa no espelho, bela, linda, de cabelo solto acabado de sair da água salgada, mulher do castelo com portas de aço, e ela

Você...

Não, por favor, hoje não,

E não mais, voei, poisei sobre a rocha, e não mais

Você me ama, amooor?

E não mais, e não... mas, do espelho a impressora de vinte e quatro agulhas não se cansava de imprimir os seios de chocolate da mulher do castelo com portas em aço, e sem janelas, e sem escadas, e alimentava-me dos sons desconexos da velhinha impressora, tão bela, ela, dentro do espelho, sempre em sorrisos de espuma, sempre

Você...

Por favor, não mais

Você me ama, amooor?

Não

E não mais, porque hoje és impressa e só dou conta quando tu

Você me ama, amooor?

E tu

Não, não mais, e tu

Você?

Voa?

 

 

(não revisto – Ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 23 de Agosto de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:50

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